Inspirado pelas histórias e lendas contadas por seu pai, que teve a oportunidade de conhecer Antônio Silvino — um dos grandes nomes do cangaço na Paraíba e em Pernambuco, além de ser uma figura determinante na consolidação do movimento, antes mesmo de Lampião —, Julierme do Nascimento fundou o grupo Borborema Cangaço, em janeiro de 2024. A iniciativa foi consolidada pela vontade de manter vivas as histórias do movimento, que tanto marcou a região.
- Julierme do Nascimento com uma reprodução do “The New York Times” sobre Antônio Silvino | Foto: Julio Cezar Peres
Compartilhando um destino peculiar, ambos os cangaceiros nasceram em Pernambuco e faleceram no mesmo dia, 28 de julho, embora de maneiras bem distintas. Porém, o caso mais emblemático atribuído a Antônio Silvino foi quando o cangaceiro parou um trem que passava próximo ao município de Mogeiro.
“As ações de Antônio Silvino alcançaram tamanha repercussão que ele tornou-se tema no jornal americano The New York Times. Nos periódicos brasileiros, ele era conhecido como ‘a fera’. Havia uma aura de misticismo em torno dele, parecendo impossível capturá-lo. O ataque ao trem da Great Western Railway foi um dos eventos mais significativos devido à sua relevância geopolítica. A empresa ferroviária inglesa, responsável pela construção e exploração de ferrovias no Nordeste do Brasil, foi diretamente impactada pela ação do cangaceiro e chegou a recorrer ao consulado brasileiro, exigindo soluções para o cangaço na região. O motivo da ação de Antônio Silvino era reivindicar ‘reparações’ da empresa por ter ‘invadido’ seu território sem sua ‘autorização’. Não à toa, ele ficou conhecido como o ‘Governador do Sertão’. No início do século passado, ele era o criminoso mais famoso do Brasil e um dos mais notórios da América Latina”, relatou o presidente do Borborema Cangaço.
Depois do ataque ao trem, Silvino ganhou o apelido de “Terror da Great Western”. Por 18 anos, o Rifle de Ouro atuou por toda a Paraíba, do Litoral ao Sertão, além de Pernambuco, Rio Grande do Norte e até o Piauí, deixando sua marca no Nordeste. “Foram quase duas décadas de vida no crime, mas acredito que ele estava cansado. Não é fácil viver escondido na Caatinga, sendo caçado dia e noite por policiais e por outros cangaceiros que queriam se vingar”, explicou Julierme do Nascimento.
Sua vida de banditismo terminou, em 1914, quando, após ser baleado nas costas, ele se entregou a um de seus maiores inimigos, o major Teófanes Ferraz. Antônio Silvino cumpriu 22 anos de pena na Casa de Detenção do Recife, em Pernambuco, onde, segundo relatos, tinha um comportamento exemplar e até possuía a chave da própria cela. Finalmente, em 1937, recebeu um indulto do presidente Getúlio Vargas e foi libertado. Viveu o restante de sua vida no bairro Monte Santo, em Campina Grande, até falecer em 1944.
Foi quando Silvino estava morando na cidade paraibana que o pai de Julierme do Nascimento o conheceu. Segundo ele, o cangaceiro pernambucano era alto, magro, já estava todo grisalho e tinha uma “cara de poucos amigos”. A partir das histórias contadas pelo seu pai, o pesquisador desenvolveu o fascínio pela figura do Rifle de Ouro, o que motivou a criação do Borborema Cangaço.
Entidade mantém viva a história dos cangaceiros na Paraíba
O grupo Borborema Cangaço é uma entidade formada por pesquisadores sobre o assunto, além de artistas visuais, agitadores culturais, poetas, cordelistas e demais amantes da cultura nordestina como um todo.
- Registro do primeiro encontro do Borborema Cangaço, na sede da OAB, em Campina Grande | Foto: Arquivo/Borborema Cangaço
Os objetivos, nas palavras do presidente Julierme do Nascimento, é “fomentar a pesquisa sobre o cangaço e, consequentemente, a produção literária sobre o tema; incentivar as artes plásticas e a arte cênica relacionadas ao Nordeste; promover a poesia e a literatura voltadas para temas nordestinos; além de organizar eventos itinerantes dedicados ao cangaço e às tradições culturais do Nordeste do Brasil”.
Com o Borborema Cangaço, o professor e pesquisador dedicado à vida de Antônio Silvino também fundou o Conselho Cristino Pimentel, composto por 44 integrantes de todo o Nordeste. “O Conselho Cristino Pimentel e o Borborema Cangaço formam uma única entidade, pois um não existiria sem o outro. Já os conselheiros exercem as mais diversas profissões, mas possuem em comum a dedicação à pesquisa sobre o cangaço, às artes plásticas, às artes cênicas e à poesia”, elucidou Julierme do Nascimento.
Atualmente, o grupo encontra-se, no mínimo, três vezes ao ano em diferentes cidades do Nordeste, sempre em locais com forte conexão com o cangaço. Os encontros incluem palestras educativas, lançamentos de livros e apresentações culturais.
O 4° Encontro do Conselho Cristino Pimentel do Borborema Cangaço, por exemplo, aconteceu no mês passado, em Taperoá, no Cariri paraibano. A expectativa é que uma nova edição do evento seja realizado no fim de setembro deste ano, na cidade de Monteiro.
Quem foi Cristino Pimentel?
Escritor e historiador, Cristino Pimentel nasceu em 22 de julho de 1897. Ele é autor de obras como Abrindo o livro do passado, Mais um mergulho na história campinense e Pedaços da História de Campina Grande.
De acordo com o jornalista Lenildo Ferreira, em texto publicado no blog Retalhos Históricos de Campina Grande, existe pouca informação sobre a vida de Pimentel que, “na condição de grande historiador, esteve mais preocupado em registrar a história da cidade que em falar de si”.
Cristino Pimentel morreu em 31 de dezembro de 1971.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 08 de junho de 2025.