Em 1938, o primeiro número da revista Action Comics abria com uma página que narrava em poucos quadros a origem de um novo herói: o Superman. Na segunda, ele já aparecia no meio de uma corrida contra o tempo para salvar uma moça inocente. O leitor era atirado já para dentro da história em andamento e é também essa a escolha de Superman (2025), a nova versão do super-herói, agora escrita e dirigida por James Gunn, em um filme que estreia hoje nos cinemas.
Em um breve letreiro, é lembrada ao espectador de maneira brevíssima a origem do herói e informado que ele acabou de perder, pela primeira vez, uma luta. A primeira imagem do personagem é ele despencando do céu em alguma região polar e, arrebentado, assovia chamando a segunda presença do filme, o cachorrinho (de capa) Krypto.
Responsável pelos três Guardiões da Galáxia (2014/2017/2023) e por O Esquadrão Suicida (2021), Gunn construiu uma assinatura nesse subgênero de filmes de super-heróis. Lembram-se muito da trilha sonora esperta e cenas de ação inventivas. Mas o que também sua marca é a total falta de vergonha em colocar na tela os exageros e absurdos dos quadrinhos do gênero.
Se é para colocar na tela uma estrela do mar espacial gigante para ser combatida pelos heróis, como em O Esquadrão Suicida, ele coloca. Aqui, em uma cena, o Superman desabafa com Lois, em seu apartamento, enquanto, lá fora, vê-se pela janela outros super-heróis lutando ao longe contra algum monstro genérico. “É só um duende de outra dimensão. Eles dão conta”, diz o herói para Lois Lane.
Esse é o mundo já estabelecido no qual o espectador cai de paraquedas em Superman. As coisas já estão acontecendo, há mínimas explicações (ou nenhuma). O vilão Luthor solta um monstro gigante em Metrópolis só para distrair o herói. De onde vem esse monstro? O filme toma a clara postura de simplesmente não se importar com isso e o espectador caxias que tudo bem justificado deve sofrer.
Para Gunn, esses absurdos típicos do gibi são um elemento a mais de humor e carisma para um filme de super-herói e vai, totalmente, na contramão da seriedade com que algumas produções querem ver o subgênero. Aqui há muita cor e o alto astral dá as cartas. O filme é uma delícia de assistir como há muito tempo a DC não consegue fazer.
Isso não quer dizer que não haja sentimentos levados a sério na história: outra marca do diretor-roteirista é abrir espaço para emoção no meio da diversão. Assim, Clark e Lois (David Corenswet e Rachel Brosnahan, duas escolhas certeiras) expõem suas diferenças (“Eu desconfio de todo mundo e você confia em todo mundo”) e o filme faz breves, mas visíveis observações políticas.
Logo no começo, o filme apresenta o impasse: Superman agiu para impedir uma guerra, sendo o pretenso invasor um aliado dos Estados Unidos. A analogia entre Israel e Palestina parece bem clara, assim como a postura do bilionário que não hesita em financiar uma guerra para lucro próprio. Qualquer semelhança com personagens reais não deve ser mera coincidência.
O filme tem tantas ideias e elementos que é incrível seu poder de síntese, mantendo-se perto das duas horas de projeção (quando os blockbusters têm facilmente passado das 2h30). O resultado é a alta rotação da história, em que muita coisa acontece e algumas passam bem rápido. O espectador pisca e pode perder os macaquinhos haters que espalham fake news na internet.
James Gunn sabe, no entanto, que ao escalar heróis do segundo time como o Sr. Incrível, o Lanterna Verde Guy Gardner, a Mulher-Gavião e o Metamorfo — nenhum sequer perto da importância de um Batman ou uma Mulher-Maravilha — ele não precisará aprofundá-los.
Lidar com o Superman é mexer com um personagem infinitamente maior que os de Guardiões da Galáxia e O Esquadrão Suicida, que podem ser ridicularizados e ninguém vai se importar. James Gunn soube dosar muito bem seu humor pop e iconoclasta com uma visão carinhosa do Superman: um personagem que defende sua visão de mundo e ética pessoal contrastando com um mundo cínico e cruel.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 10 de julho de 2025.