Kubitschek Pinheiro
Especial para A União
Com a cabeça a mil, Angela Ro Ro está lançando seu novo CD 'Selvagem' e mostra que a criatividade é sua companheira. Ou seja, uma característica que se mantém inalterada em sua arte. O disco tem o selo da Biscoito Fino e traz onze faixas com toques de lirismo e a mesma irreverência de sempre. “Selvagem e nua. Eu estou me sentindo muito bem. Esse disco é tudo de bom e eu sou grata à Biscoito, ao tecladista e parceiro Ricardo Mac Cord (que assina quatro parcerias nesse novo trabalho), fez esse disco comigo. Ele é metade desse CD: gravamos na casa dele e eu me metendo nos arranjos...”, disse ela pelo telefone de Saquarema, Rio, na casa dos pais (já falecidos), onde a artista adora passar temporadas.
Com Ro Ro não há quem possa. E ela acerta. A faixa-título 'Selvagem' lembra uma balada, mas é um blues, com letra provocante. “Sou livre e não adianta/ tentar me cortar a garganta/ selvagem, me sobra coragem/ pra traçar minha própria viagem”, entoa com voz grave. “É um rock suingado latino e também pode ser um blues. Essa canção eu fiz este ano. É a música de trabalho desse disco”.
A terceira faixa 'Portal do amor' é a única em inglês. Ela conta: “Essa música eu fiz quando tinha 23 anos e morava em Londres. Nesse tempo eu era muito pobrezinha, fazia faxina nos hospitais, nas casas. Eu precisava de grana para comprar um piano para compor. Na verdade, essa canção foi feita de duas vezes, as duas primeiras foram feitas aqui no Brasil”, registra. “Quando eu fui apresentada a Ana Terra – por Paulinho Lima, ela me disse que tinha uma letra pra mim e, quando eu vi, achei linda, gravei e aí veio a inspiração para os outros dois versos”, arremata.
Na segunda faixa 'O que me resta', ela diz que realmente o que lhe resta é dizer adeus e partir, como quem rompe um relacionamento e registra na canção. “Isso é uma canção popular, romântica e saiu do jeito que a gente queria. Tudo faz parte da minha história, da minha imaginação, que às vezes é devorada quando componho”. Rock não é bolero e Angela Ro Ro prefere seu inferno a qualquer céu de brigadeiro. “Olha, o inferno pode ser dentro de uma boate, numa pista de dança, na calçada da praia, o inferno pode ser tudo, mas não quero falar de política. Eu prefiro o meu inferno, sozinha e em toda cidade”, diz ela sobre a letra da canção 'Sai de mim', a quarta faixa do disco.
Aliás, não existe a palavra “tempo” no dicionário dela, que está com 67 anos, lançou o CD anterior 'Feliz da vida' ao vivo, em 2013, também pela Biscoito e trabalha com música todos os dias. Ela disse que só vai parar quando morrer. Indagada se a canção 'Retiro' é uma resposta ao tempo, ela dispara: “Eu não converso com o tempo. O tempo é um orixá e ele está lá”. Não pense que a letra de 'Maria da Penha' tem alguma coisa a ver com o bairro do Rio ou a santa. ”É a Lei, meu caro”, dispara. “Não há santa que aguente. É uma forma de abordar esse assunto cruel que é a violência contra a mulher. A mulher é vítima do mundo, já disse John Lennon. A mulher apanha em todo canto. Isso é muito ruim. O cretino ou a cretina, tem que pagar pelas porradas que dão”.
Nos versos que encerram o xote 'Parte com o capeta', a última do CD, ela assume que tem parte com ele sim. “Eu tenho sim, tenho parte com o capeta, com o anão, o chipanzé, com os anjos e com o amor”. 'Caminho do bem', tem uma batida legal e ela convida a todos a sair com ela ziguezagueando por esse caminho, com recados para o meio ambiente e diz que agora é vegana. “Nem tanto, ainda como queijo, mas eu não suporto saber do sofrimento dos animais, qualquer cabeça inteligente sabe disso, que a matança dos animais não mata a fome do mundo”.
Não se sabe quando 'Selvagem' vai virar turnê. “Olha, o mundo inteiro está numa confusão danada. Esquecem que cultura é diversão, que música é tudo, sem música não teria filme, não teria novela, não teria nada”. Não escute 'Selvagem' com saudade dos clássicos 'Gota de Sangue' e 'Fogueira', a dilacerante 'Mares da Espanha' ou a 'Balada da Arrasada'. 'Selvagem' é o novo trabalho e Ângela é a novidade de sempre.