Depois de realizar a cobertura fotográfica de uma aula magna ministrada por Ariano Suassuna na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), o fotógrafo Gustavo Moura conheceu e aproximou-se do escritor. A convivência com o autor proporcionou outros encontros, que ganharam registros pelas lentes do artista visual. Parte desse material compõe a exposição Ariano Suassuna Visto por Gustavo Moura, que a Academia Paraibana de Letras (APL) inaugura amanhã, às 18h, em sua sede, no Centro de João Pessoa. Na ocasião, a Empresa Paraibana de Comunicação (EPC) cederá à casa um exemplar acessível do livro O Auto da Compadecida, novo projeto do setor de Imprensa Braille desta instituição.
A mostra que a APL abre neste sábado é composta por 21 fotografias, capturadas em eventos públicos, como aquele na UFPB, e em momentos mais íntimos, com a esposa dele, Zélia Suassuna. As imagens permanecem em exposição até o dia 31 de outubro, no horário de funcionamento da casa — de segunda a sexta-feira, das 8h ao meio-dia.
A empreitada foi idealizada pela acadêmica Ângela Bezerra de Castro, que também manteve amizade com Ariano — se vivo, ele completaria 98 anos na próxima segunda (16). As razões, segundo ela, foram duas: gratidão e saudade. “Até o fim, ele teve uma atitude especial comigo. Entramos de mãos dadas em sua posse na APL [em 2000]”, rememora.
O primeiro encontro entre Ângela e seu mentor se deu em 1973, quando ela, então estudante de mestrado, conduzia uma análise sobre a obra de Ariano, por meio de um estudo comparativo com os trabalhos do dramaturgo português Gil Vicente. De acordo com o relato da imortal, o jeito acolhedor do escritor nesta e em outras ocasiões foi uma de suas características mais marcantes.
“Me fez perguntas — ele, como professor, e eu, como aluna. Logo encontramos uma afinidade e começamos a recitar Camões. Me levou à sua casa e lá me entregou todos os originais que guardava, numa confiança de quem me conhecesse há muito tempo. Esse era Ariano”, assinala.
Ao comentar o material selecionado para a exposição, impresso pela Iris Fine Art, Ângela confidencia que o próprio Ariano admirava o trabalho do fotógrafo: ele chegou a atestar que a foto mais bonita dele com Dona Zélia foi tirada por Moura. A curadora afirma ainda que além do tributo póstumo, a publicização desse material trará, em alguma medida, o mestre “de volta”.
“Eu adoro todas as fotos. É como se ele estivesse em um painel, multiplicado e único. E a mostra é, para mim, a realização de um sonho, como se estivesse entregando um presente, com enorme gratidão. Ariano até me fez personagem em seu romance póstumo: uma estudante que chega para entrevistar Dom Pantero”, diz.
Gustavo Moura, por sua vez, rememora que aquele encontro na universidade, há algumas décadas, rendeu o convite do próprio Ariano para que cedesse as imagens que ilustram o livro Aula Magna, da Editora UFPB, que reproduziu o discurso integral do autor. O fotógrafo foi convocado outras vezes para registrar Ariano em reportagens jornalísticas e demais projetos.
“O cineasta Marcus Vilar fez um documentário sobre Ariano, que demorou cerca de 10 anos para ser feito. Por conta disso, a gente teve alguns encontros e, por razões que a gente não sabe explicar, foi rolando uma afinidade entre Ariano e eu. Dediquei meu livro Do Reino Encantado a ele e a Zélia, pelo carinho grande que tinha por ele”, conta.
Há alguns anos, Carlos Newton Júnior, pernambucano que administra os lançamentos literários de Ariano, convidou Moura para conceber um projeto especial: um livro que reuniria fotos dos trabalhos em artes plásticas do autor de O Santo e a Porca. A iniciativa acabou engavetada, por hora, em razão da falta de recursos. Mas as interseções entre os dois neste segmento também são antigas.
“Antes dessa, na APL, realizei a exposição de fotos de Do Reino Encantando na Academia Brasileira de Letras (ABL), em 2006. Ele também participou, por meio de uma conferência e a mostra final foi assim titulada: Do Reino Encantado: Iluminogravuras de Ariano Suassuna e Fotografias de Gustavo Moura. Imagine a minha honra!”, celebra.
No catálogo da exposição, Moura compartilha fala do próprio Ariano sobre uma das fotos mais significativas da seleção — dele com a esposa: a imagem, segundo o fotografado, mostra “o casal harmonioso que somos e fazendo justiça à beleza e bondade da minha mulher”.
Moura revela, por fim, que o Ariano conhecido do grande público não se diferenciava, em nada, daquele com que conviveu até o seu falecimento, há pouco mais de uma década. “Não tenho nenhum ‘furo’ ou ‘segredo’ a destacar, apenas a generosidade e a pessoa extremamente humana que ele era”, conclui.
“Auto” ganha versão em braille
- Clássico de Ariano Suassuna agora estará acessível às pessoas com deficiência visual | Foto: Leonardo Ariel
Hanna Pachu, membro da equipe Braille, explica que esse processo, da transcrição do texto para as linhas pontilhadas à impressão final, demorou cerca de dois meses. “Pelo menos à nível estadual, não encontramos outro projeto parecido”, ela atesta.
Na segunda(16), outras cópias serão entregues a representantes do Instituto dos Cegos de João Pessoa e de Campina Grande, da Fundação Centro Integrado de Apoio à Pessoa com Deficiência (Funad) e da Fundação Espaço Cultural da Paraíba (Funesc): será às 10h, na Biblioteca Augusto dos Anjos, Centro da capital.
Otto de Sousa, pessoa com deficiência e que também integra a Imprensa Braille da EPC, nunca havia conhecido a fundo as aventuras de Chicó e João Grilo, ainda que elas tenham sido adaptadas para o cinema e para a televisão. A falta de acessibilidade desses produtos cerceou o acesso dele ao Auto, algo que foi corrigido agora.
“Conhecer também a obra, acima de tudo, foi muito bom. Estando nas bibliotecas públicas, será a oportunidade para outros colegas fazerem uma boa leitura”, aponta.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 13 de junho de 2025.