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Arte paraibana na Europa

publicado: 21/05/2025 08h36, última modificação: 21/05/2025 08h36
Marlene Almeida mostra suas obras amanhã, em Londres, e segunda, em Bruxelas, explorando a relação do ser humano com a Terra
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Marlene Almeida apresenta ao Velho Mundo sua pesquisa artística | Fotos: Adriano Franco/ Divulgação
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Exposição tem instalações e pinturas, com peças extraídas do Cariri e do Seridó
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por Daniel Abath*

“Eu carrego o Nordeste comigo”. Aparentemente figurativa, a frase da artista visual paraibana Marlene Almeida guarda a literalidade. Ela abre uma exposição individual amanhã em Londres, na galeria Carlos/Ishikawa, explorando as nuances da relação entre humanidade, ecologia e territorialidades nordestinas, tendo como matéria--prima o pó do solo de seu lugar. Com o título Acute Earth (em tradução literal, “terra aguda”), a mostra apresenta uma série de obras que incluem pinturas, esculturas e instalações, todas concebidas a partir de elementos naturais e pigmentos extraídos da terra brasileira, fruto de um trabalho de décadas.

Após a temporada em Londres, as obras seguirão para Bruxelas, onde Marlene irá inaugurar outra exposição individual na próxima segunda--feira (26), na Fundação Walter e Nicole Leblanc, intitulada Terra Agônica. À ocasião, a produção de Marlene será exposta em diálogo com obras inéditas de Leblanc da década de 1950. A curadoria é assinada por María Inés Rodríguez, com apoio de Mirco Bimbi e Joris Dockx.

“É uma quantidade grande de trabalhos”, afirma a expositora, que dedicou sua vida à pesquisa e manufatura de tintas à base de pigmentos. Afinal, só em Londres são duas instalações que ocupam todo o espaço central das salas. “Todas elas no mesmo espírito do trabalho que eu venho realizando de uns dois anos pra cá, contando a história da Terra, mas pensando e focando nessa terra que eu estou chamando agora de ‘terra aguda’”, acrescenta.

O conceito advém do atual panorama ecológico, inspirado nos fenômenos (nem tão) naturais cada vez mais extremos que tanto têm assolado o planeta, retratando a humanidade em total descompasso com a natureza.

Ecologista, a artista plástica sempre participou ativamente de movimentos em defesa do meio ambiente. “Agora eu acompanho também esse momento, que eu penso ser um momento agudo, desse desenvolvimento da Terra”, atesta. “E ao mesmo tempo, eu ligo ao solo de regiões do Nordeste, que para mim sempre foram especiais no meu trabalho, tanto pelo nome — que são nomes poéticos —, tanto pela cor da matéria, como pela qualidade e textura dessas matérias”, ressalta.

Entre outros materiais, Marlene faz uso em suas peças de terras extraídas do Cariri e do Seridó, elementos que evocam traços característicos do ambiente campestre ao passo em que fazem reluzir o fino brilho da mica encontrada no chão daquelas regiões. “São terras de contraste e são terras que a gente pode chamar também de uma região aguda”, diz ela, ressaltando a qualidade da composição em função dos materiais encontrados.

Embora tenha nascido em Bananeiras, em região mais úmida, Marlene Almeida sempre se sentiu ligada à Soledade, detentora que é de um solo quase destituído de cobertura vegetal — muito atrativo à artista justo por sua variabilidade cromática. Ademais, a paixão pelo lugar vem de berço: “Quando tinha alguns meses de idade, a minha mãe morou em Soledade. Não sei se é isso que me liga à região, mas ela sempre me apaixona”, acredita.

Inclusive, “Soledade” dá nome a uma das pinturas à mostra, que a propósito do título causa certa confusão no público visitante. “As pessoas pensam que eu estou falando só da solidão. Realmente, eu falo da solidão da Terra, mas eu trago Soledade, o município”.

A instalação central na Carlos/Ishikawa conta com formas pontudas, pintadas com terras em gradações que vão do cinza ao preto, ocupando um amplo espaço da galeria. Pintadas em tons mais fechados e escuros, as peças evocam atmosfera de intensidade e reflexão. “São formas mais agudas, alinhadas ao tema da agudeza que permeia todo o trabalho”, descreve Marlene.

Pronta em alguns meses, a exposição contou com um processo de criação que envolveu visitação, coleta e preparação das terras utilizadas — estas transformadas em pigmentos naturais que resultaram nas tintas especiais empregadas nas peças. “As terras do Nordeste são especiais. Parecem secas e sem importância, mas para mim são riquíssimas em tonalidades e significados”, observa.

O apoio que recebeu da galeria londrina também foi ressaltado pela artista. A casa chegou a produzir um livreto que conta um pouco da trajetória de Marlene, ilustrado com uma fotografia da artista nos anos 1970, época em que já trabalhava com as cores da terra. “É muito gratificante ver meu trabalho valorizado e documentado dessa forma”, diz.

Por se tratar de sua primeira apresentação individual na cidade, a exposição em Londres é um marco na carreira de Marlene, que já havia participado de uma exposição coletiva no mesmo local há muitos anos. Trazer a mostra para a Paraíba ainda é algo incerto. Marlene adianta que as obras de Acute Earth e Terra Agônica devem ficar mais algum tempo por terras estrangeiras, onde participarão de feiras e outras exposições.

“É um privilégio levar a arte nordestina para o cenário internacional e poder apresentar um trabalho tão significativo em um espaço tão relevante”, declara. “Quero falar dessa terra maravilhosa. Esse trabalho que apresento aqui é um aprofundamento de uma trajetória que começou há muitas décadas atrás”, declara.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 21 de maio de 2025.