Quando viajava para inúmeros países do mundo, a embaixatriz Maria Christina Lins do Rego Veras, filha do célebre romancista paraibano José Lins do Rego (1901-1957), tomava nota em caderninhos acerca do seu viver em trânsito. Por ocasião da pandemia, resolveu revisitar registros e memórias das idas e vindas ao redor do mundo no memorialístico Lembranças Passageiras (Editora A União, 116 páginas). O lançamento na capital é hoje, às 17h, no Museu José Lins do Rego do Espaço Cultural, em Tambauzinho.
“Tava tudo ali, guardadinho”, revela Maria Christina. “Pequenas coisas em cadernos. Quando ia a determinados lugares eu escrevia até em pé mesmo. Naquele sentimento que você não consegue transmitir depois; só dá pra sentir aquele impacto na hora. A gente poderia ir a determinados lugares e ver essas coisas maravilhosas. Eu tinha que aproveitar”.
Rememorando, resolveu escrever o que lhe viesse à cabeça. E é bem assim o estilo de Lembranças Passageiras, no qual tempo e espaço parecem sobrepor-se em camadas indistintas, fugidias, históricas e, a um só tempo, diversionais. Hoje em Nova York e amanhã em Nairóbi, como denota a escrita, o fluxo das lembranças (para além do escriturado nos cadernos) dá-se de forma natural e intercalada.
Divide-se a obra em capítulos fluidos – “Lembranças passageiras”, “Cartas para Júlia”, “Quênia”, “Jamaica”, “Caminhos cruzados”, “Meu querido professor” e “Leopoldo” (amigo a quem dedica o livro).
O pai também tem lugar de honra nos escritos. A foto de capa, revitalizada por Lênin Braz, transmite o encanto e a dedicação de um pai que, como ela mesma diz, era muito gentil e carinhoso. Com ele, a autora conviveu por muito tempo, quando das visitas que o imortal regionalista ainda fazia a Atenas e Helsinque – Maria Christina morou na capital finlandesa com seu marido, o embaixador Carlos Veras, até 1957, vindo a realizar o périplo que o ofício assim o exigia por paragens como Lisboa, Nova York, Buenos Aires e Bucareste, além do inesquecível Quênia.
“Nós éramos muito ligados, muito amigos. Quando meu pai chegava de manhã cedo, ele comia sempre laranja-lima e torradas, porque ele não queria engordar. Até mocinha, todo ano nós íamos à Paraíba pra casa do meu avô, passar as férias”, lembra ela.
E como nem tudo são flores, o difícil lado das constantes mudanças e impermanências contingentes se deixa entrever às passageiras recordações: “A vida do diplomata é mais dura do que se pode imaginar, nem tudo são prazeres, as dificuldades são grandes, os filhos sofrem com as mudanças de língua, colégios, amigos que deixam” (pág. 24).
Maria Christina virou escritora depois dos 70 anos. Hoje, aos 92, traz na bagagem outros cinco livros. São eles: Carta para Alice – Memórias de uma Menina (2007); Jacarandás em Flor (2010); Garzon 10 e Outras Histórias (2012); Eles e Elas – Contos (2014) e Um Cheiro de Amor (2017), todos publicados pela Editora José Olympio.
Aludindo ao chamado ciclo da cana-de-açúcar que perfaz a obra de Lins do Rego, o escritor Sylvio Massa de Campos, ao prefaciar a obra, define o olhar de Maria Christina como um “ciclo de histórias de uma embaixatriz”. Com a sabedoria de quem pôde viver intensamente o que há de melhor para viver, a autora atesta: “A vida passa muito rápido. [Ou melhor:] Ela não passa, não: ela voa sem você sentir. Aproveite”.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 18 de novembro de 2025.
