Cerca de três décadas separam o início da produção do filme Malês, dirigido por Antônio Pitanga, de seu lançamento, agora em 2025. Um recorte temporal maior distancia este título do último trabalho de Pintaga como realizador — Na Boca do Mundo, lançado em 1978. Mas um processo ainda mais longo e doloroso acompanha a história retratada neste novo longa-metragem sobre o maior levante de escravos de que se tem notícia no Brasil. O título chega hoje a dois cinemas de João Pessoa: o Cinepolis do Manaira Shopping apresentará o longa em quatro sessões diárias (às 13h, 15h30, 18h e 20h30); já o MAG Shopping (também no bairro de Manaíra) disponibiliza uma única projeção, às 19h.
Com roteiro de Manuela Dias (autora do remake da telenovela Vale Tudo, no ar na TV Globo), Malês começa no continente africano, com os preparativos para o casamento de Dassalu e Abayomé (interpretados, respectivamente, pelos atores Rocco Pitanga e Samira Carvalho). Sequestrados de sua comunidade islâmica, os amantes são separados quando de sua chegada em terras brasileiras, já cativos. Ao passo que tentam superar a distância, eles testemunham a Revolta dos Malês, que estoura em 1835, sob a liderança de Pacífico Lucian (vivido por Pitanga).
A celeuma, que teve origem na cidade de Salvador, partiu da reivindicação dos escravizados mulçumanos, que pleiteavam a criação de uma sociedade islâmica que unisse os membros dispersos entre a população na capital. “Malê”, a propósito, era equivalente, na língua iorubá, a “mulçumano”. Os registros de época dão conta que mais de 600 insurgentes foram favoráveis à causa. Mas, apesar da comunhão em torno desse objetivo, o levante foi sufocado pelas forças do Estado. Além de cinco mortos, centenas foram presos.
Pacífico Licutan, já idoso, foi um dos líderes malês mais importantes do movimento que sobreviveu ao levante. Atuava como líder espiritual dos insurgentes, fornecendo apoio que já dedicava a outros irmãos muçulmanos no Brasil. Trabalhava enrolando fumo no Cais Dourado de Salvador, mas era cativo de um médico local; chegou a ser preso pela polícia, que cobrava as dívidas de seu senhor. A data em que tudo aconteceu, precipitada por Pacífico, coincidia naquele ano (e não por acaso) com o término do ramadã, ritual importante para a população islâmica.
Malês levou 26 anos para tomar forma, dentre outros motivos, pela dificuldade de encontrar financiamento. Orçado em R$ 17 milhões, Malês enfrentou a pandemia de Covid-19 durante parte de sua produção — a paralisação das atividades, a partir de 2020, dificultou a captação de recursos que haviam sido garantidos antes. O baque nos planos iniciais de Pitanga não impediu que o longa-metragem chegasse, agora, às salas de cinema do país. O roteiro teve, ainda, de passar por diversas versões, que diminuíram a violência de determinadas sequências.
Protagonista, Rocco Pitanga é filho do diretor de Malês, assim como Camila Pitanga, que também faz parte do elenco do filme. Patrícia Pillar também está no longa — segundo informações de O Globo, ela dá vida a uma rica e exploradora senhora branca.
Antônio Pitanga ostenta uma longa trajetória em filmes que retratam sobre o martírio dos escravizados e sua luta contra os grilhões; entre eles Quilombo (de Cacá Diegues, 1984), do qual foi assistente de direção. Ainda marcou presença em Barravento (de Glauber Rocha, 1962) e Chico Rei (de Walter Lima Jr., 1986).
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 2 de outubro de 2025.