Tecendo um desagravo sobre um momento nada favorável da Cinemateca Brasileira, em março de 1963, Linduarte Noronha, realizador e crítico pernambucano radicado na Paraíba, assinalou nas páginas de A União a importância desse equipamento, definindo-o como uma “entidade que espalha pelas cidades (...) o cinema com ‘C’ maiúsculo”. Esse e outros textos do autor foram reunidos no livro Luz, Cinefilia... Crítica!, organizado pelo pesquisador Lúcio Vilar e lançado pela Editora A União, no ano passado. Amanhã, essa obra ganha uma tarde de autógrafos justamente na sede da Cinemateca, em São Paulo, às 17h, com a presença de Vilar. A publicação será adicionada ao acervo da instituição.
Além da apresentação do livro, haverá a projeção de dois curtas-metragens dirigidos por Linduarte: o clássico Aruanda (1960), basilar para o Cinema Novo; e O Cajueiro Nordestino (1962), que retrata a importância do caju para a economia local. Um terceiro filme será exibido na Sala Oscarito, da Cinemateca: Kohbac – A Maldição da Câmera Vermelha (2009), de Lúcio Vilar. A partir do depoimento de Linduarte, esse registro trata da repressão que a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) sofreu durante a Ditadura Militar, motivada pela compra de um equipamento audiovisual soviético.
Os críticos de cinema Maria do Rosário Caetano (Revista de Cinema), Luiz Zanin Oricchio (Estadão), Marília Franco (Universidade de São Paulo) e João Batista de Andrade (cineasta, diretor de O Homem que Virou Suco) marcarão presença na tarde de autógrafos e na projeção dos filmes, amanhã. Eles cederam textos inéditos sobre o legado de Linduarte Noronha, que foram adicionados à Luz, Cinefilia... Crítica!, em formato de apêndice; João Batista de Brito, Fernando Trevas e Rodrigo Fonseca também escreveram para esta seção.
Lúcio Vilar prepara o lançamento de um documentário, que relembra a carreira de Linduarte: O Homem por Trás do Cinema Novo virá a público em 2026. Ele celebra a oportunidade de circular com Luz, Cinefilia... Crítica! em um outro estado.
“É uma grande honra ser recebido na Cinemateca, instituição que preserva com excelência a memória cinematográfica do país, para o lançamento deste livro, que justamente se propõe a resgatar a trajetória de um nordestino, inserido no cenário da crítica dos anos 1950 e 1960”, informa.
Preservando a memória
Reunindo tesouros da sétima arte no Brasil, a Cinemateca Brasileira tem um acervo estimado em cerca de 40 mil registros audiovisuais. Obras importantes para o cinema paraibano estão conservadas em suas dependências; algumas delas são: Sob o Céu Nordestino (1929), de Walfredo Rodriguez; O Sol de um Novo Dia (1976), de Machado Bitencourt; Uma Questão de Terra (1988), de Manfredo Caldas; Passadouro (1999) de Torquato Joel; A Canga (2001) de Marcus Vilar; e Por 30 Dinheiros (2005), de Vânia Perazzo.
Gabriela Sousa de Queiroz, diretora técnica desse equipamento, assevera a relevância do trabalho seminal de Linduarte Noronha, citando crítica de Jean-Claude Bernardet, falecido recentemente, quando do lançamento desse documentário: ao passo que tratava dos problemas técnicos do filme, o texto evidenciava o seu potencial.
“Jean-Claude dizia ao final do seu artigo que ‘Aruanda era uma possibilidade que não podíamos deixar escapar’. Não deixamos. A maneira de filmar e interpretar a realidade brasileira se modificou substancialmente e sua estética continua ecoando na produção nacional.”, aponta.
Maria Dora Mourão, atual diretora da Cinemateca, indica que o evento de amanhã é uma forma de refletir sobre a trajetória de Linduarte — comprometido com a estética e a política do cinema e, antes de tudo, um entusiasta da sétima arte.
“A publicação, ao ser incorporada ao acervo da Cinemateca, dialoga com outras fontes documentais para fomento a diferentes leituras e interpretações sobre a vida e obra do cineasta. Somos a casa dos realizadores, do público e dos pesquisadores do nosso cinema”, destaca.
A Cinemateca acompanha a situação do Cinememória, acervo criado pelo paraibano Vladimir Carvalho, em Brasília. Antes do falecimento do diretor, em 2024, discutiu-se a possibilidade de transformar esse espaço em um “braço” da instituição na capital federal; a tratativa não foi adiante.
“O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) gerenciou uma iniciativa de inventário sumário, só que ainda não se chegou a uma conclusão sobre a destinação do acervo. Estamos em diálogo com a Secretaria do Audiovisual, o Iphan e a Universidade de Brasília (UnB), para desenhar futuros possíveis para esse acervo. Mas nosso compromisso é permanente: manter viva a memória de Vladimir”, conclui Maria Dora.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 24 de julho de 2025.