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O bardo cearense como personagem

publicado: 09/07/2025 08h47, última modificação: 09/07/2025 08h47
Alberto Perdigão autografa, amanhã, “Belchior – A Construção de um Mito na Literatura de Cordel”
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Livro analisa 19 folhetos de cordel que têm Belchior como “artista-tema” | Foto: Divulgação

por Esmejoano Lincol*

Antes de falecer, em 2017, o cantor cearense Belchior tentou “sumir” da vida pública. Motivado por problemas financeiros e pela vontade pessoal de se afastar da mídia, o artista isolou-se no Uruguai, até ser contatado pela equipe do Fantástico para sua última entrevista televisionada. O “esforço” para desaparecer foi em vão, já que o poeta da MPB permanece no imaginário da cultura popular, inclusive como objeto de estudo, como no livro Belchior – A Construção de um Mito na Literatura de Cordel. Amanhã, o autor dessa obra, Alberto Perdigão, promove uma noite de autógrafos, a partir das 19h, no Liv Mall, situado no bairro de Manaíra, em João Pessoa. O evento, com entrada franca, é realizado em parceria com a Livraria A União.

O estudo comparativo desenvolvido por Perdigão analisa 19 folhetos de cordel escritos por autores cearenses, cruzando as informações biográficas contidas nesses versos com a produção similar, em prosa, que remonta a vida do compositor de “Como nossos pais” e “Medo de avião”. A diferença dos poemas para as biografias convencionais (a exemplo de Belchior – Apenas um Rapaz Latino-Americano, de Jotabê Medeiros) é aferida ou atestada a partir de três características — aproximação, afastamento e ruptura. 

Alberto Perdigão compara os poemas populares com as biografias tradicionais em prosa | Foto: Arquivo pessoal

Apesar de ater-se a um número--chave de folhetos, Perdigão revela ter descoberto 22 produções diferentes e assevera que esse número pode ser ainda maior, considerando o universo cearense do cordel, sendo superado apenas por Luiz Gonzaga como “artista-tema”. “Sobre os resultados, na vida, verifica--se uma aproximação; na obra há um afastamento; e na morte ocorre uma ruptura entre as duas narrativas. O cordel é diferente, biografa o Belchior por perspectivas distintas e constrói, simbolicamente, outro Belchior”, atesta.

Perdigão, também natural do Ceará, diz que não é um “fã de carteirinha” de seu objeto de estudo, mas recorda de quando conheceu Belchior. Primeiro, ainda adolescente, ouvindo suas canções por meio dos rádios e dos discos, em meados dos anos 1970.

“Depois, pessoalmente, como repórter, na segunda metade da década de 1980, em Fortaleza, em eventos de divulgação de novos discos. Gosto muito de todas as músicas dos LPs Alucinação e Coração Selvagem e reconheço a grandeza de toda a sua obra”, garante.

Além de ter atuado na imprensa por mais de 40 anos, Alberto Perdigão também acumula uma década de investigação acadêmica sobre comunicação pública e literatura de cordel, ainda que este último objeto de estudo seja difícil de ser catalogado, em razão do consumo fugaz.

Pesquiso os conteúdos e os contextos histórico, social e político em que os folhetos são publicados. Percebi que são uma mídia alternativa, popular e contra-hegemônica, como defendo no livro Política e Literatura de Cordel”, sustenta, citando o livro publicado em 2022.

Não somente em relação ao intérprete de “Na hora do almoço”, mas a tudo o que o cordel abarca enquanto objeto, Perdigão reitera o valor do cordel como meio de expressão das populações exploradas ou periféricas.

“Essa pesquisa também é importante porque diz que o folheto de cordel é um dispositivo utilizado em biografia, diz que Belchior foi bastante biografado e diz como ele é representado neste tipo de literatura, comparando o Belchior da mídia popular (folheto) com o da mídia não popular (livro)”, conclui. 

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 9 de julho de 2025.