Uma vida dedicada à arte. Outra voltada à apreciação apaixonada das obras produzidas. O percurso de um colecionador paraibano entre cidades brasileiras, galerias e leilões sustenta a exposição que será inaugurada amanhã, às 19h, na Casa MGA, na Avenida Cabo Branco, em João Pessoa, reunindo 57 obras do artista plástico Flávio Tavares. O conjunto, recolhido ao longo de mais de quatro décadas, resulta em uma mostra a partir de trabalhos realizados principalmente entre as décadas de 1960 e 1980.
O acervo pertence a Luizmar Medeiros, natural de Santa Luzia, no Sertão paraibano, hoje com 72 anos, aposentado e residente entre São Paulo e João Pessoa. O convite para a exposição surgiu após uma visita a João Pessoa em outubro, durante uma mostra realizada na própria MGA. 
“Teve essa conversa e se chegou à conclusão que daria certo para ser feito agora em dezembro, porque eu estaria com passagem comprada para cá e ficaria alguns dias por aqui”, explica Luizmar.
A curadoria da exposição é de Augusto Morais, que acompanha a organização e a montagem dos trabalhos. “Tenho pouca coisa dos anos 1990 e alguma coisa dos anos 2000, mas se concentra mais nos anos 1960, 1970 e 1980”, detalha.
“A gente pode dizer que Luizmar Medeiros é uma figura rara no meio, entre os conterrâneos”, afirma Flávio Tavares. “Ele vai garimpando a obra de vários artistas e pra mim é um prazer enorme saber que ele possa reunir as obras de arte — que às vezes ficam, tão fragmentadas, numa casa ali, em uma instituição aqui”, acresce o artista.
Dentre o período levantado, Flávio confessa ter raríssimas fotos de alguns de seus trabalhos. “Pra mim mesmo, é uma exposição muito importante, porque bate uma saudade e eu mesmo fico avaliando como é que eu pintava naquele tempo”.
Obras raras
O interesse pela obra de Flávio Tavares remonta ao período em que Luizmar cursava Odontologia em João Pessoa. Ele chegou à capital aos 14 anos para estudar no Lyceu Paraibano e permaneceu na cidade durante a graduação universitária. Foi nesse período, na década de 1970, que teve contato com um mural do artista.
“No Centro da cidade, havia uma clínica, a São Camilo, que tinha um painel muito grande, de Flávio Tavares. Isso foi mais ou menos em 1973, 1974, e aquilo me chamava muita atenção”, recorda.
Embora ele sempre tenha desenhado e demonstrado interesse por arte desde a infância, a aproximação como colecionador ocorreu mais tarde. Formado em 1975, ele deixou João Pessoa, trabalhou em Brasília e, em 1977, mudou-se definitivamente para São Paulo.
“Eu moro em São Paulo desde 1977, mas tenho um apartamento aqui em João Pessoa, onde passo algumas temporadas”, explica.
O primeiro trabalho de Flávio Tavares foi adquirido apenas nos anos 1980, durante uma visita à capital paraibana. “Conheci um antiquário em Tambiá, de seu Reginaldo, e com ele adquiri o primeiro trabalho do Flávio, que inclusive vai estar exposto lá. Depois desse trabalho, foi despertando o interesse e, nas minhas andanças, comecei a procurar em galerias, leilões e também com particulares”.

As obras foram adquiridas em diversas cidades brasileiras. “Adquiri trabalhos do Flávio no Rio, em Vitória, Brasília, São Paulo, Petrópolis, João Pessoa e Recife”, relata. Segundo ele, o Rio de Janeiro concentrava mais oportunidades. “Era um local onde tinha mais trabalhos”.
Embora a coleção de Flávio Tavares seja a mais numerosa, não é a única. Em seu apartamento de João Pessoa, localizado no bairro do Cabo Branco, Luizmar mantém um conjunto voltado principalmente a artistas paraibanos e nordestinos. O acervo também inclui obras de outros nomes da arte brasileira.
Entre os episódios marcantes da formação da coleção, um deles envolve um trabalho identificado inicialmente de forma genérica em um leilão no Rio de Janeiro, já nos anos 2000. “Passeando pelo Rio, me chamou a atenção um leilão de obras do Jorge Amado”, conta. “Quando cheguei lá, encontrei um trabalho do Flávio intitulado ‘O homem de terno branco’. Despertou um pouco a curiosidade e eu consegui pegar esse quadro”.
Algum tempo depois, ao trazer a obra para João Pessoa, Luizmar convidou o próprio Flávio Tavares para conhecer a coleção. Diante do quadro, o artista reagiu emocionalmente.
“Ele disse: ‘Até que enfim Caixa d’Água volta para João Pessoa’”, relata. A pintura retratava o poeta conhecido como “Manoel Caixa d’Água”, personagem icônico do Centro da cidade nos anos 1970. “Ele me contou que retratou o Caixa d’Água naquela época e deu de presente a Jorge Amado”, explica o colecionador. Após a morte do escritor baiano, em 2001, as obras de seu acervo pessoal foram levadas a leilão — o trabalho integra a exposição atual.
Além desse quadro, a mostra reúne desenhos, estudos, trabalhos em bico de pena, pinturas em óleo e acrílico. “Ele explora o figurativo; usa muitas imagens humanas e de bichos, animais”, enumera.
A exposição na Casa MGA não é a primeira em que o colecionador empresta seu acervo para exibição pública. Parte da coleção já foi apresentada no Centro Cultural São Francisco, em João Pessoa, durante as comemorações dos 70 anos de Flávio Tavares, em um período marcado pelas restrições da pandemia, ocasião em que o pintor não pôde participar.
Outras mostras incluíram recortes temáticos e também exposições dedicadas a outros artistas, como Tomás Santa Rosa, com trabalhos que posteriormente integraram uma mostra no Sesc Cabo Branco. Ainda no Sesc, Luizmar também participou da exposição dedicada a Miguel dos Santos, que integrou a série Grandes Nomes. Segundo ele, a intenção de emprestar as obras parte de um entendimento de que os acervos privados devem circular. “Não adianta você ter aquilo e ficar dentro de casa. A arte tem que ser mostrada”, afirma.
Sobre possíveis desdobramentos da atual exposição, como a produção de um livro, o colecionador lembra que Flávio Tavares já utilizou obras de sua coleção em publicações anteriores. Ainda assim, não descarta novas iniciativas futuras. “Se um dia vier, se for procurado, a gente pode fazer”.
A exposição na MGA apresenta, assim, não apenas um panorama da obra de Flávio Tavares ao longo de décadas, mas também o resultado de um processo contínuo de pesquisa, circulação e preservação, ancorado em um vínculo construído ao longo do tempo entre artista, colecionador e cidade.
“É uma exposição didática, curricular no sentido do tempo — cronologicamente, mesmo que eu tenha altos e baixos, como todo mundo tem nas suas profissões. Luizmar tem um olho muito bom de procurar o melhor de uma época. É um expert em arte. Tenho 60 anos de arte e ele teve uma grande fatia desse momento da minha vida. Eu fico muito emocionado”, declara o mestre Flávio Tavares.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 10 de dezembro de 2025.