“Muito mais triste me senti quando li os capítulos chatos em que só havia descrições de baleias, porque sabia que o autor tentava nos poupar de sua própria história triste só por um momento”. Em A Baleia, Charlie, um recluso professor, tenta sublimar seus problemas de saúde lendo, justamente, essa redação sobre o livro Moby Dick. Sucesso quando transposta para o cinema em 2022 (com Brendan Fraser, no papel que lhe deu um Oscar), a peça ganhou uma adaptação brasileira com o ator José de Abreu, que chega neste fim de semana ao Teatro Paulo Pontes, do Espaço Cultural (Tambauzinho, João Pessoa) —, de hoje a sábado (9), às 20h, e no domingo (10), às 18h. Ingressos no site Ingresso Digital, de R$ 25 (plateia popular/meia) a R$ 150 (plateia/inteira).
Apesar da impressão inicial, o espetáculo não foi titulado como uma piada de mal gosto, já que o protagonista sofre de obesidade mórbida: A Baleia faz referência imediata ao interesse particular por esse trabalho, escrito sobre a obra clássica de Herman Melville e que Charlie relê com interesse ao longo da peça.
O docente dá aulas on-line no sofá de sua casa enquanto é auxiliado pela amiga Liz (Luisa Thirré); com dificuldades de locomoção e baixa autoestima, ele chegou a esse ponto após o suicídio do namorado, vítima de intolerância religiosa. As chegadas de sua filha rebelde, Ellie (Gabriela Freire), de sua ex--esposa, Mary (Alice Borges), e de um missionário, Thomas (Eduardo Speroni), modificam substancialmente sua vida.
- Com a ajuda de uma cuidadora, o professor se mantém dando aulas on-line | Foto: Renato Mangolim/Divulgação
A Baleia foi escrita pelo estadunidense Samuel D. Hunter e estreou em 2012. O êxito de crítica e de público conduziu o projeto para teatros maiores e para palcos fora dos Estados Unidos — Japão e Austrália também produziram montagens.
Ganhou versão para a grande tela pelas mãos de Darren Aronofsky: além do troféu para Fraser, que vestiu próteses para chegar à caracterização necessária. A empreitada levou o Oscar de Melhor Maquiagem e alcançou mais uma indicação: Melhor Atriz Coadjuvante, para Hong Chau.
O responsável pela versão brasileira é o gaúcho Luís Artur Nunes, com quase seis décadas de experiência em dramaturgia. O contato prévio com o texto de Hunter foi por meio do longa, mas o diretor brasileiro afirma que o espetáculo não se trata de uma tradução.
“O público que viu o filme poderá constatar que este, sim, é uma ‘adaptação’. Embora o roteiro tenha sido escrito pelo próprio autor da peça, é uma versão ‘empobrecida’. Nesta os personagens são muito mais ricos, tridimensionais, impactantes”, sustenta.
Nunes foi convocado para esse projeto pelo próprio José de Abreu, com quem havia trabalhado em outros espetáculos — A Mulher sem Pecado, texto de Nelson Rodrigues encenado em 2000; e Fala, Zé!, de Walter Daguerre, de 2006. “Perdi a conta de quantas peças tenho no currículo. Sempre realizei pelo menos uma encenação por ano. Teve anos em que foram três”, rememora.
Assim como em montagens anteriores, na versão brasileira, os atores que dão vida a Charlie não são obesos — os artistas fazem uso do fat suit, figurino ou conjunto de próteses que aumentam suas dimensões corporais. Aliado ao ruído provocado pelo título — que, propositalmente ou não, pode ser confundido como um apelido preconceituoso —, não ter posto em cena um ator que de fato fosse obeso para esse papel trouxe críticas à adaptação cinematográfica de 2022, taxada, por alguns, como nada representativa.
Comentando essa impressão de parte do público dos cinemas, Luís Artur Nunes rechaça qualquer acusação de preconceito, assinalando que o espetáculo nos teatros tem sido bem recebido: “É uma estupidez chamar de ‘gordofóbico’ o filme. Por que gordofóbico? Muito pelo contrário, ele chama a atenção para o problema, para o sofrimento, para a vulnerabilidade da pessoa que sofre de obesidade severa”.
O diretor continua: “Estupidez maior é exigir que o ator que desempenha o papel de Charlie seja obeso. Há muitos atores gordos, mas não conheci nenhum com obesidade severa. Alguém nesta condição não teria condições físicas para executar a tarefa. Teria problemas de respiração, não teria energia para sustentar o imenso esforço”.
Em cena com paraibanos
Com A Baleia, José de Abreu retorna aos palcos 10 anos depois da última experiência — Bonifácio Bilhões. Ele alega como motivo principal para o afastamento a sua saída do país — ele chegou a ensaiar uma ida para a Argentina, mas rumou para a França.
“Continuei trabalhando na Globo. Passava um tempo no Brasil fazendo televisão e ia embora para Paris. Depois morei na Grécia, EUA, Nova Zelândia, onde eu passei a pandemia, e depois em Portugal. Então, eu só ficava aqui gravando novela, eu não queria fazer junto [com teatro]”, afirma.
Ele conta que já conhecia a peça antes da versão para o cinema, mas que, assim como o diretor, optou por dar novos direcionamentos para Charlie em sua produção. De modo a simular o aspecto do personagem — cujo peso gira em torno dos 270 kg —, o ator recorre às próteses desenvolvidas pelo figurinista Carlos Alberto Nunes e pela visagista Mona Magalhães.
“A gente ensaiou tanto que, hoje, a preparação é feita em meia hora. No começo era muito mais demorado, mas depois a gente pegou a ‘manha’”, informa.
Emprestando corpo e voz a um indivíduo LGBTQIAPNb+, tipo que interpretou poucas vezes ao longo da carreira, Abreu revelou que uma das razões que lhe fez dar vida a esse papel foi ter contato com a complexidade de Charlie, para além do fato de ele se relacionar com pessoas do mesmo sexo.
“Ele se descobriu gay já na meia-idade, já tinha sido casado, tinha uma filha”, conta. “Tem a questão de ele ter perdido o seu amor por um motivo religioso, quase uma ‘cura gay’, não fica bem claro na peça. O que é que fizeram para o namorado dele se matar, parando de viver, parando de comer, parando de se cuidar, abandonar a vida? O que aconteceu na igreja para ele fazer isso?”.
José de Abreu chegou à televisão em 1980, já com experiência vasta no teatro. Dentre os papéis mais marcantes, estão o delegado Motinha, de A Indomada (1997) e o vilão Nilo, de Avenida Brasil (2012). Em seus últimos trabalhos, Mar do Sertão (2002), Volta por Cima (2024) e Guerreiros do Sol (2025), contracenou com muitos atores paraibanos.
“Com Isadora Cruz nas três vezes. É sempre muito bom encontrá-los. Thardelly [Lima], Nanego [Lira] e Suzy [Lopes] já têm uns 300 anos de carreira”, brinca.
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*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 07 de agosto de 2025.