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Poesia através do tempo

publicado: 09/10/2025 08h32, última modificação: 09/10/2025 08h32
Sérgio de Castro Pinto lança amanhã, na Livraria A União, coletânea que passa em revista sua trajetória poética de quase 60 anos
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Foto: Edson Matos/Arquivo A União

por Daniel Abath*

Como as folhas do outono, aquelas que constituem os calendários do tempo parecem cair cada vez mais apressadas, conformando a máxima comum de que a vida é passageira; passa em um piscar de olhos. Tal imagem semantiza o espírito de Breves Dias Sem Freio – Poemas Escolhidos (1967-2024), antologia poética do escritor e colunista de A União, Sérgio de Castro Pinto, que será lançada amanhã, às 18h, na Livraria A União, no Espaço Cultural, em Tambauzinho, na capital.

Publicado pela Editora Patuá, o volume de 320 páginas, conta com capa de Flávio Tavares e reúne parte significativa da obra de um autor que atravessou cinco décadas de produção poética, desde o experimentalismo dos anos 1960 até a síntese formal e temática de seus títulos mais recentes. A obra, que será apresentada pelo poeta, cronista e ensaísta Francisco Gil Messias, está sendo vendida por R$ 50. 

“Breves Dias sem Freio” faz, em suas 320 páginas, uma retrospectiva da carreira do autor desde o primeiro livro, lançado em 1967 | Foto: Divulgação/Patuá

O título do livro reflete um antigo hábito do poeta: ele costuma aproveitar versos de seus próprios poemas para nomear seus livros, prática que vem desde A Ilha na Ostra (1970), repete-se em A Flor do Gol (2014) e no recente Brando Fogo das Palavras (2024). Dessa vez, no entanto, o verso escolhido veio de um poema que acabou excluído da antologia. “É a tal coisa: eliminar, excluir, é sempre doído, pois se, às vezes, o poema não se realiza esteticamente, acontece dele ter vindo a lume num momento feliz do poeta”, afirma Sérgio.

Afeito à raiz etimológica das palavras — o escritor ocupa a 39a cadeira da Academia Paraibana de Letras e é professor titular aposentado do curso de Letras da UFPB — lembra que o termo “antologia” significa o recolho das melhores flores; no caso do livro ora lançado, dos melhores poemas.

Breves Dias Sem Freio abarca um período de 57 anos da produção de Sérgio de Castro Pinto, desde os poemas de Gestos Lúcidos (1967), obra poética inaugural, até Brando Fogo das Palavras. Pretendendo oferecer ao leitor uma visão panorâmica de sua trajetória literária, o livro dá conta dos estágios e transformações estéticas que atravessaram sua produção — além de textos em periódicos e presença em antologias poéticas nacionais e internacionais, Sérgio publicou 11 livros.

“Da mais vanguardista até aquela em que eu fui deixando de lado os breviários estéticos para enfatizar o brevê, ou seja, a licença para voar, para dar asas à imaginação, sem descurar do construtivismo”, ressalta ele.

Publicar é preciso

O projeto estava previsto para 2027, quando o poeta completará 80 anos, mas foi antecipado por conjetura existencial. Sérgio relata que seu “arraigado sentimento de finitude”, questão reiterada em conversa amiga com o crítico de cinema e colunista do suplemento Correio das Artes, João Batista de Brito, levou--o a apressar o lançamento.

“Sérgio, ninguém tem a vida nas mãos. Você sabe se chegará aos oitenta anos?”, deu-lhe a deixa o amigo Joca, suficiente para que Sérgio organizasse de pronto os poemas, selecionasse o material e entrasse em contato com a editora paulistana. Assim, o que seria uma comemoração de oito décadas transformou-se em um gesto de urgência criativa.

A parceria com a Patuá não é recente. A mesma editora foi responsável por publicar Brando Fogo das Palavras, também com capa de Flávio Tavares — artista que acompanha a trajetória de Castro desde os anos 1970, quando assinou a arte de capa de A Ilha na Ostra. Ele destaca que a relação entre ambos remonta ao tempo do Grupo Sanhauá, movimento poético paraibano que buscou sintonizar a poesia local com as vanguardas do Sudeste, especialmente o concretismo.

“Não se pense, porém, que vínhamos a reboque das vanguardas, pois não nos subjugamos a elas, na medida em que procurávamos imprimir o sinete da nossa individualidade aos nossos poemas. Em última análise, transformávamos as influências em confluências”, atesta.

“Afinidades eletivas”

Essa ideia de confluência sintetiza o modo como Castro Pinto enxerga sua formação literária. Inspirando-se em Manuel Bandeira, costuma dizer que suas influências são numerosas e diversas, “tantas quanto as estrelas no céu e os grãos de areia na praia”. Lembrando de uma entrevista para a Panorama Editorial, revista da Câmara Brasileira do Livro, localiza as primeiras “afinidades eletivas” junto às crônicas escritas por seu pai, atentas aos temas correntes, como a Revolução de 1930 e os embates políticos da época entre liberais e perrepistas.

“As crônicas do meu pai eram lidas ao sabor de uma profunda nostalgia, sentimento estranho para uma criança que, ainda sem passado, sentia uma saudade atávica do menino antigo que fora o seu pai. Daí para também escrever as minhas ‘memórias’ foi um passo, apenas com uma diferença: impossibilitado de explorar o tempo pretérito, de convertê-lo em matéria bruta do meu texto, não me restou alternativa senão inventá-lo”, rememora. “O que o fiz inconscientemente, mais uma vez, na esteira de Bandeira: ‘A vida inteira que poderia ter sido e que não foi’. Só que, nessa fase, eu não tinha uma vida inteira, como não a tenho até hoje, que a vida jamais se completa e é inteira, por mais larga e comprida que seja”.

A nova antologia, ao reunir mais de meio século de produção, reforça essa dupla presença, de rigor formal e impulso imaginativo. Sérgio admite que escolher os poemas foi uma experiência difícil, pois nem sempre é possível atender às expectativas de todos os leitores. Os poemas mais recentes, ele confessa, talvez o atraiam pelo elemento surpresa, mas diz que a sensação tende a desaparecer com o tempo: quando o ineditismo se esvai, o poema passa a cair no esquecimento.

O ritmo de criação de Sérgio de Castro Pinto é parcimonioso. Ele afirma escrever pouco, mas de modo constante, e avalia que sua longevidade foi determinante para a extensão de sua obra. “Ultimamente, depois que enviuvei, tenho produzido mais, certamente pelo fato de a palavra ser um ponto de equilíbrio, uma espécie de ‘morada do ser’ na qual me refugio para suportar as intempéries do mundo. Mas tenho escrito mais ensaios, artigos, do que poesia”, comenta.

Mesmo com o lançamento de Breves Dias Sem Freio – Poemas Escolhidos (1967-2024), o poeta não considera encerrado o percurso literário. Trabalha atualmente em um novo projeto, provisoriamente intitulado — por considerá-lo um lugar comum — “Lira dos oitent’anos”. Por ora, Sérgio confere o conjunto de sua obra pelo retrovisor do tempo, digno da persistente permanência que condiz aos grandes mestres da palavra.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 09 de Outubro de 2025.