Notícias

música

Roqueiros clássicos

publicado: 15/08/2025 08h56, última modificação: 15/08/2025 08h56
Ira!, Biquíni, Paulo Ricardo e Pop3 são os artistas nacionais do Jampa Rock Festival, que acontece amanhã, na Domus Hall
WhatsApp Image 2025-08-13 at 19.31.04 (1).jpeg

Paulo Ricardo revisita clássicos do rock – não só dele | Foto: Isabella Pinheiro

por Daniel Abath / Esmejoano Lincol*

Ao mirar os colegas, Paulo Ricardo confidencia: gostaria de ter escrito “O tempo não para” e “Será”, faixas seminais de Cazuza e da Legião Urbana, respectivamente. Ainda assim, conseguiu regravá-las em tributos, enquanto ele mesmo tem obras marcantes. Desfilando sucessos como esses, o intérprete será uma das atrações de amanhã (15) do Jampa Rock Festival, na capital, que também reunirá as bandas Ira!, Biquíni e Pop3. Os paraibanos da Black Machine abrem a noite, a partir das 18h30, na Domus Hall do Manaíra Shopping. Os bilhetes estão à venda na plataforma Ingresso Nacional, de R$ 125 (meia/arena) a R$ 1000 (camarote).

Em conversa com A União, os artistas compartilham detalhes de suas apresentações no festival e relembram suas carreiras. Henrique Portugal, ex-Skank e agora na Pop3, fala do encontro com os parceiros Charles Gavin (ex-Titãs) e George Israel (ex-Kid Abelha). Edgard Scandurra lembra o fim e o reinício do Ira!. Já Bruno Gouveia fala da longevidade do Biquíni, que celebra 40 anos de carreira.

Ira!

Scandurra (primeiro à esquerda) volta a JP, agora com o Ira! | Foto: Ana Carina Zaratin/Divulgação

Edgard Scandurra já esteve em João Pessoa junto de Arnaldo Antunes, depois com Benzina (seu projeto de música eletrônica dos anos 1990) e com sua iniciativa de música infantil Pequeno Cidadão. “A gente vai pouco para o Nordeste em relação à vontade que a gente tem, pela distância e questões operacionais, como preço de passagem. Mas quando a gente vai é sempre uma celebração”, declara o guitarrista.

Scandurra retorna à capital, desta vez ecoando os riffs que o tornaram famoso com sua banda de origem, o Ira!, celebrando os 20 anos do mais bem- -sucedido álbum do grupo, o Acústico MTV (2004). A noite pretende seguir a ordem do DVD, privilegiando as melodias e letras sem rima da banda, como “O girassol” (1996), “Flores em você” (1986) e “Envelheço na cidade” (1986).

“Adoro fazer meus solos no violão e temos momentos instrumentais eletrizantes, mas acho que o grande lance no violão é a essência das canções”, pontua Scandurra. “E isso é muito bem aceito pelo público, que retribui cantando com a gente, virando um grande ensaio com um grande coral, que é a nossa plateia”, ele completa.

O ritmo frenético de shows semanais, brigas, destempero e mágoas acumularam-se ao longo de mais de 20 anos, levando à implosão em 2007. “Naquele momento eu jurava que nunca mais fosse existir o Ira!”, conta Scandurra, que passou a tocar com outros artistas e cuidar de sua carreira solo. Só depois de oito anos, o guitarrista voltou a falar com Nasi, vocalista do grupo e amigo de juventude. Com a cabeça no lugar e alguns pedidos sinceros de desculpa, a banda caiu na estrada outra vez.

“Eu sinto que o rock é uma música que tem essa força das novas gerações. Acho que apesar de todo mundo ouvir o funk, o trap e outros segmentos musicais, tem lá no seu coração duas, três, quatro bandas de rock que gosta de ouvir”, afirma. “O rock virou um estilo secreto de muita gente que diz que gosta de um outro som. Não acho que o rock agora esteja em um momento de protagonismo para a juventude, mas eu acho interessante quando isso acontece. O rock não pode ficar voltado a um estilo, ao passado. A gente tem de pegar as coisas do passado e transformar em uma linguagem nova. Então, eu vejo hoje o rock numa sala de espera, aguardando o momento pra que isso aconteça”, entoa.

Biquini

Quatro décadas de estrada e uma plateia formada por diferentes gerações. Sem o Cavadão, mas com a mesma energia de sempre, Biquini prepara-se para mais um encontro que, segundo a banda, celebra não apenas o passado, mas também o presente e o futuro do grupo.

“Não compusemos nossas canções pensando em serem eternas. Queríamos expressar nossos sentimentos, angústias e visões sobre o mundo”, afirma o vocalista, Bruno Gouveia. “Para nossa surpresa, mais do que o sucesso obtido à época, tivemos a grata satisfação de ver as canções atravessando décadas. Vemos de cima do palco, famílias completas nos assistindo e cantando juntas nossas canções. E isso não tem preço”, acresce. 

Biquíni celebra seus 40 anos de carreira | Foto: Marcos Hermes/Divulgação

Os sucessos mais conhecidos, como “Vento ventania” (1991), “Tédio” (1985) e “Janaína” (1998), não faltarão, mas há novidades. Biquini lançou, em junho, o EP A Vida Começa aos 40, com inéditas que integrarão o próximo álbum, previsto para este ano. Algumas das faixas devem entrar no setlist do show de amanhã.

Sobre a reunião com as outras bandas, Bruno destaca a afinidade musical entre eles: “Nossos colegas são excelentes músicos e compositores. Estar ao lado deles num evento como este é um grande prazer”.

João Pessoa é lembrada com entusiasmo. A banda recorda uma apresentação na praia de Tambaú, durante o dia, ao lado da descontinuada banda de rockabilly João Penca e Seus Miquinhos Amestrados. “Praia lotada, gente a perder de vista, um visual inesquecível e tudo isso com a energia característica do público paraibano”.

Ao avaliar o cenário atual do rock nacional, o vocalista observa mudanças significativas. “Existe um hiato entre a história que o rock escreveu até o final do século 20 e o que veio a partir de 2000. Perdemos espaço para outros ritmos. Isso se acentuou quando se assumiu a ideia de que número de views e likes é o mesmo que sucesso. Não é assim. Isso fez com que estratégias fossem criadas para chamar a atenção de tudo, menos da música, que ficou relegada à categoria de meme”, considera.

“Este é um show naturalmente especial, nesta celebração de 40 anos. A Paraíba sempre nos acolheu de maneira muito única”, conclui Bruno.

Pop 3

O Pop3 é composto por artistas que, no passado, foram membros de bandas importantes para o rock brasileiro: Charles Gavin, dos Titãs; George Israel, do Kid Abelha; e Henrique Portugal, do Skank. Ainda que os grupos originais tenham variações de estilo e de repertório, o trio reúne sucessos conhecidos há décadas por gerações de fãs, a exemplo de “Go back” (dos Titãs) e “Alice (Não me escreva aquela carta de amor)” (do Kid Abelha).

Portugal, Gavin e Israel: egressos do Skank, Titãs e Kid Abelha | Foto: Nando Chagas/Divulgação

O show amplia o leque de canções, dando espaço para outros êxitos da década de 1980: “Pessoa” (de Dalto, regravada por Marina Lima) e “Solidão que nada” (que ganhou um cover do Kid, mas é original de Cazuza). “A mistura das três bandas é o mais interessante. Acabamos criando uma identidade própria. Nos ensaios, moldamos um jeito diferente de mesclar e ajustar os arranjos”, sustenta o baterista Portugal.

Caçula do trio e fã assumido dos colegas do Pop3, Henrique tem nas memórias da juventude recordações dos lançamentos de álbuns importantes dos demais conjuntos. “Sempre escutei muito pop rock. Lembro dos primeiros LPs do Kid: era uma banda bem antenada, moderna. Chamava atenção a ousadia do George como saxofonista. Já os Titãs eu conheci um pouco depois e o álbum que mais gosto deles é o Õ Blésq Blom”, aponta.

De admirador a amigo e companheiro de trabalho: Henrique estreitou os laços com Charles e George a partir dos anos 1990. Ao lado do segundo, chegou a escrever uma música (“Outra vez”, na voz de Rhana Abreu). “A ideia de nos juntarmos veio do George e do seu empresário, Marcelo Reis. Eu adorei, pois temos muita sintonia musical. Fizemos uma imersão em Teresópolis, na casa dele, para formatar a banda e escolher o repertório “, explica.

Com o fim do Skank, em 2023, Henrique Portugal tem dedicado-
-se ao Pop3, ao passo que dá vazão a iniciativas solo ou acompanhado, seja como intérprete ou como produtor. “Eu já lancei canções com meus parceiros como Leoni, Zélia Duncan, Marcos Valle, Frejat e também com a Solar Big Band, que é um projeto bem interessante. Essas faixas podem ser escutadas em todas as plataformas de streaming”, informa. 

Paulo Ricardo

O carioca Paulo Ricardo celebra mais de 40 anos de caminhada na música, trajetória que deslanchou com o lançamento do disco Revoluções por Minuto (1985), estréia de sua ex- banda, RPM. Amanhã, em João Pessoa, ele apresenta um dos shows comemorativos que mantém no catálogo: Rock Popular com repertório de clássicos do gênero. Raul Seixas, Lulu Santos e Cazuza são alguns dos nomes reverenciados pelo artista. 

Foto: Isabella Pinheiro/Divulgação

 O projeto tem nome similar ao disco Rock Popular Brasileiro, de 1996, com regravações de êxitos de colegas como os Titãs (“Marvin”) e faixas de seu próprio repertório (“A cruz e a espada”, dueto marcante com Renato Russo). O álbum e o show representam parte de suas influências na arte, mas essas não são as únicas. “Em casa, ouvia Roberto e Erasmo e a Bossa Nova. Depois veio a Tropicália, Chico, Milton e Rita “, rememora.

Antes de conquistar as rádios brasileiras com o RPM e a carreira solo, Paulo morou na Inglaterra, onde atuou como correspondente internacional da revista Som Três. Acompanhou, na capital londrina, a ascensão de nomes importantes. “O ano de 1983 foi glorioso. Vi David Bowie com sua Serious Moonlight Tour, U2 com War, Culture Club, Human League, Tears for Fears... Enfim, foi uma imersão na riquíssima cena da época”, aponta. 

Na volta ao Brasil, ele decidiu unir-se ao amigo Luiz Schiavon montando o RPM, em formação clássica com Fernando Deluqui e Paulo Pagni. Mas aquele sucesso meteórico contrastava com um planejamento mais paulatino. “Tudo aconteceu de fato quando ‘London, London’ se tornou a música mais tocada do Brasil sem nunca ter sido lançada, nos obrigando a gravar o álbum Rádio Pirata ao Vivo, três milhões de cópias vendidas em 1986”, declara.

Comentando a repercussão menor dos artistas do rock junto às gerações mais novas, Paulo Ricardo assinala que o estilo musical é, por si só, “um senhor de 70 anos”, mas que ainda carrega elementos capazes de promover conexão com os jovens contemporâneos. “Ele é atitude, comportamento, filosofia, sentidos em todas as áreas da cultura na moda, no cinema, na literatura, nas artes plásticas. Rock’n’roll é a verdade e a vida”, termina, rindo. 

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 15 de agosto de 2025.