Essencial. É assim que a atriz paranaense Denise Stoklos define o teatro, tanto como meio de vida, em cinco décadas de carreira, quanto como técnica, que compartilha com artistas em formação. Segundo ela, são três os elementos cruciais para esse exercício desse tipo de dramaturgia: o corpo, a voz e a mente. Foi, justamente, com essa tríade que ela compôs o espetáculo Mary Stuart, que faz parte da programação do 50º Festival de Inverno de Campina Grande (FICG). A peça ganha uma sessão única e gratuita hoje, às 20h, no Teatro Severino Cabral (Centro). Antes, às 10h, ela ministra a palestra “O teatro essencial: Uma linguagem de liberdade” — esta será no Miniteatro Paulo Pontes, anexo ao Severino Cabral.
Denise voltou a encenar Mary Stuart, em 2025, depois de um hiato de duas décadas. A peça remonta, em um monólogo, a complexa relação entre as rainhas Mary, da Escócia, e sua prima Elizabeth I, monarca da Inglaterra; coroada ainda criança, aquela foi prometida a um nobre francês com parte de uma aliança política — esse viria a morrer pouco tempo depois do casamento.
Jovem e viúva, chegou a governar de fato por um curto período de tempo, mas foi forçada a abdicar do trono e pedir refúgio à parente inglesa. Esse asilo político tornou-se, na verdade, uma prisão, quando os planos para conduzir Elizabeth ao trono escocês vieram à tona. Mesmo que, supostamente, alheia à traição, Mary foi condenada à morte em 1587.
O espetáculo de hoje, no FICG, por sua vez, é livremente inspirado na peça Maria Stuarda, da italiana Dacia Maraini. No texto original, Mary e Elizabeth mantinham diálogos com suas respectivas criadas; a indicação era que os quatro papéis fossem revezados por duas atrizes. Mas Denise optou por conduzir sua adaptação por outro caminho — ela dá vida às duas monarcas.
“Então, eu fui moldando de uma forma que, quando acabou o espetáculo, quando ficou pronto, estava um novo texto. Tanto que Dacia veio da Itália para assistir a estreia e disse, ‘Olha, é melhor você registrar essa peça como de sua autoria, porque agora não tem nada mais a ver com a minha, são duas propostas diferentes’”, rememora.
Estreia em Nova York
Por meio de recursos de voz e de gestual, Denise consegue marcar a diferença entre ambas. De acordo com a artista, Mary, alçada à vítima daquela trama política, é mais introvertida. Já Elizabeth, déspota, é mais histriônica; para dar vazão ao exagero de expressões, a atriz recorre a recursos do clown para montar as máscaras faciais da personagem.
“E acabou saindo um espetáculo que tem muito como base o ritmo e o timing, numa alternância entre comédia e drama, entre tragédia e comédia. E a repetição, quase como numa proposta do minimalismo. É como a música do Philip Glass, que tem uma aparente repetição de melodia, mas que se transforma a cada vez que se repete”, explica.
A peça estreou em 1987, no Teatro La MaMa, em Nova York. As encenações passaram a ser mais frequentes a partir dos anos 1990, mantidas, ao longo das décadas, com poucas alterações desde então. Apesar de ter circulado com Mary Stuart, em palcos dentro e fora do país, ela recorda com carinho e orgulho as críticas que recebeu em solo estadunidense.
“Saí na primeira página do The New York Times, com uma chamada dizendo que era uma peça importante, que valia a pena ver. Aquilo chamou o público. Acho que o que mais me marca é que a peça funciona em qualquer lugar. Há uma comunicação artística. E a arte releva tudo que é geográfico, se comunica de uma forma contundente, universalmente”, sustenta.
Ela aponta, ainda, que percebe um interesse crescente pelo teatro no Brasil, verificado junto às platéias de Mary Stuart, parte delas, motivados pela memória: após uma das sessões em São Paulo, viu, nas mãos de um fã, um ingresso da primeira apresentação no Brasil, há 37 anos. Ao mesmo tempo, as gerações mais jovens têm sido atraídas pela curiosidade.
“Eu fui tateando a partir de uma criatividade do que é que eu gostaria de dizer, do eu poderia dizer e do que é que eu achava que, politicamente, era importante trazer à cena. Porque compreendo o teatro como uma expressão política das mais importantes, onde as pessoas vão para refletir sobre sua vida, mas com a intenção de saírem mais felizes”, afirma.
Inspiração em Mazzaropi
Bissexta em outros segmentos da arte, Denise Stoklos dedicou quase que a totalidade de sua carreira como atriz ao teatro. Mas a inspiração para seguir nessa trajetória veio de outras linguagens, mais acessíveis na sua juventude: a primeira delas, o circo e os artistas mambembes que chegaram à cidade de Irati, sudeste do Paraná. Em seguida, veio o cinema.
“Principalmente, os comediantes da Atlântida, que também eram todos mambembes — portanto, não defendiam classe burguesa nenhuma. Ao contrário, questionavam. Oscarito, Grande Otelo, Dercy Gonçalves, Zezé Macedo, Zé Trindade, Mazzaropi, todos esses foram estabelecendo para mim a vontade de ir contra o sistema”, revela.
Participou de uma única telenovela — Ninho da Serpente, escrita por Jorge Andrade, na Band, em 1982. O convite partiu do diretor Antônio Abujamra, com quem havia contracenado na peça Hamleto, adaptação do original de Giovanni Testori. Na trama, ela deu vida à misteriosa Oriana, personagem que observava de perto a degradação da fictícia família Taques Penteado.
“Jorge tinha escrito um papel sobre o que ele fazia na sociedade, que era entrar na alta aristocracia paulista, ver os conflitos e retratar nas suas peças. Ele inventou essa personagem que era uma pintora, disfarçada de governanta. Então, eu tinha, praticamente, a responsabilidade de representar o autor da novela”, assevera.
Denise, que já esteve no Festival de Inverno de Campina Grande, foi convidada para fazer parte dessa edição especial junto de atrações de edições anteriores passadas, como Elba Ramalho e Carlinhos de Jesus — este último também está na grade do dia.
“Onde o teatro puder acontecer, ele está não só trazendo um público novo que talvez não estivesse disponível só por um chamado natural do próprio teatro estabelecido, mas, sim, por meio de sua passagem por outros locais, como as praças, as feiras livres. É reconhecer ali alguma coisa. Identificar-se com a linguagem e tornar-se um espectador a partir de então”, conclui.
Programação / HOJE E AMANHÃ
TERÇA, 19 DE AGOSTO
- Miniteatro Paulo Pontes
- 10h — Palestra: “O teatro essencial: uma linguagem de liberdade”, Denise Stoklos (SP)
- 19h — Cinema: Ninguém (Mais) Verá, de Fabiano Raposo
- Centro Cultural Loures Ramalho
- 14h — Palestra: Carlinhos de Jesus (RJ)
- Parque Evaldo Cruz
- 20h — Música: Alexandre Tan
- 21h — Música: Grazi Vilanueva
- Teatro Municipal Severino Cabral
- 20h — Teatro: Mary Stuart, Denise Stoklos (SP)
QUARTA, 20 DE AGOSTO
- Feira Central
- 10h — Teatro: Medusa, Fabiana Pirro (PE)
- Parque Evaldo Cruz
- 16h — Teatro: Titá Moura
- 19h — Música: Hijack
- 22h — Música: Candeeiro Natural
- Centro Artístico Cultural — Procult/UEPB
- 18h — Teatro: Réquiem para Geralda, Ana Marinho (PB)
- Praça da Bandeira
- 18h30 — Cinema: Bloco da Saudade — Melhores Momentos: 91, 92, 93..., de Romero Azevedo; Biu do Violão e o Diamante Cor-de-Rosa, de Romulo Azevedo; Habeas Pinho, de Aluízio Guimarães e Nathan Cirino.
- Teatro Municipal Severino Cabral
- 20h — Dança: Quebra Nozes e Ziggy, Cisne Negro (SP)
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 19 de agosto de 2025.