No dia em que Ariano Suassuna completaria 98 anos, o maior clássico do dramaturgo paraibano, “Auto da Compadecida”, ganhou uma nova forma de existir: impressa em braille. A novidade foi anunciada em um evento realizado na manhã do domingo (15), às 10h, na Biblioteca Pública Estadual Augusto dos Anjos, no Centro de João Pessoa, reafirmando o compromisso da Empresa Paraibana de Comunicação (EPC) com a inclusão social por meio da leitura.
A peça de Suassuna foi transcrita em dois volumes: o primeiro com 150 páginas e o segundo com 95. A divisão respeitou a estrutura da obra original, com seus dois atos, para preservar a fluidez da leitura. “É importante não interromper uma fala no meio. Fizemos a separação com muito cuidado, pensando na experiência do leitor”, explicou Hanna Pacho, gerente operacional em braille na EPC.
O processo de produção do livro durou cerca de dois meses, desde a transcrição até a impressão final. “Após a transcrição, faço uma leitura completa para verificar se tudo está de acordo com as normas do braille. Depois, ainda reviso a versão impressa para conferir a ordem das páginas e a integridade do conteúdo”, detalhou Otto de Sousa, revisor de braille da EPC e mestre de cerimônias do evento, ressaltando o rigor técnico e o cuidado afetivo envolvidos em cada etapa.
Para o diretor de Mídia Impressa da EPC, William Costa, o projeto representa um dos pilares da atuação da empresa. “Essa é uma das nossas ações de inclusão social. Começamos com ‘Fogo Morto’, de José Lins do Rego, depois lançamos ‘Eu’, de Augusto dos Anjos, e agora chegamos a Ariano Suassuna, conectando nossos clássicos literários às mãos de leitores que antes não tinham acesso a essas obras”, afirmou.
William também celebrou o simbolismo da escolha da biblioteca Augusto dos Anjos para o evento. “Aqui temos o patrono da casa, Augusto, que é um dos maiores poetas do país. Ariano, por sua vez, sempre disse que a poesia era o fundamento de toda sua arte. Hoje, fizemos esse encontro entre os dois. Tenho certeza de que ele teria gostado do presente”, completou.
Já a diretora-presidente da EPC, Naná Garcez, destacou o impacto da iniciativa e o esforço coletivo da equipe envolvida. “Para nós, é muito relevante fazer esse trabalho de inclusão. Otto, Hanna e toda a equipe da imprensa braille têm realizado um trabalho fantástico. A direção de William nesse projeto tem sido essencial. E esse trabalho da equipe não se limita à parte impressa; temos também um programa de rádio voltado à acessibilidade, toda quarta-feira, na Rádio Tabajara”, lembrou Naná, referindo-se ao programa Acessibilidade em Destaque.
A iniciativa faz parte de um projeto que transforma obras de grandes autores paraibanos em livros acessíveis às pessoas cegas ou com baixa visão. A primeira obra literária assim chegou ao público em 2023, com o livro “Fogo Morto”, de José Lins do Rego. No final do ano passado, a Imprensa braille do Jornal A União lançou a versão acessível do livro “Eu e outras poesias”, coletânea de poemas do escritor paraibano Augusto dos Anjos.
Fortalecimento da leitura
Durante a solenidade, a obra foi entregue à instituições que realizam empréstimos de livros como o Instituto dos Cegos da Paraíba Adalgisa Cunha, em João Pessoa, o Instituto dos Cegos de Campina Grande, a Fundação Centro Integrado de Apoio à Pessoa com Deficiência (Funad); e a Biblioteca Juarez da Gama Batista do Espaço Cultural, em João Pessoa.
Representando a Funad, o revisor braille José Roberto chamou atenção para a importância simbólica e pedagógica da iniciativa. “Vivemos um processo de ‘desbrailização’, em que muitos cegos têm deixado o braille de lado em função das tecnologias. Mas ele é essencial para a alfabetização. Um cego que estuda o dia inteiro como ouvinte pode se formar, mas, se não tiver contato com a leitura nesse formato, não está, de fato, alfabetizado. Essa impressão de ‘O Auto da Compadecida’ é inédita no Brasil. Nunca tivemos uma obra de Ariano em braille, e isso é louvável.”
Para a presidente do Instituto dos Cegos de Campina Grande, Adenise Queiroz, o momento é histórico. “Estamos em tempos de leitura virtual, mas colocar nas mãos das pessoas cegas uma obra como essa, em braille, é uma valiosa contribuição para a permanência desse sistema. E em 2025, que marca os 200 anos do Braille, essa entrega ganha ainda mais significado. Tenho certeza de que Ariano Suassuna e Louis Braille estão vibrando onde estiverem”, disse, emocionada. “Na nossa biblioteca, esse exemplar será disputadíssimo, como já aconteceu com ‘Fogo Morto’ e ‘Eu’. É literatura viva nas pontas dos dedos”, ressaltou.
Vanessa Veloso, diretora de educação do Instituto dos Cegos da Paraíba Adalgisa Cunha, também celebrou o gesto. “Essa iniciativa só reforça a importância do braille, que não pode desaparecer diante do avanço tecnológico. Estamos muito felizes por receber esse exemplar e parabenizamos a EPC por esse trabalho tão significativo”.
Já a gerente executiva de educação cultural da Biblioteca Juarez da Gama Batista, da Fundação Espaço Cultural , José Lins do Rego (Funesc), Tatiana Cavalcanti, destacou o impacto imediato da doação. “A partir de amanhã, o ‘Auto da Compadecida’ estará disponível no nosso catálogo braille. Agradecemos à EPC por essa parceria que já está na sua terceira edição e que representa uma verdadeira celebração da inclusão.”
Além das quatro instituições, a Empresa Paraibana de Comunicação enviará uma obra para a Biblioteca Augusto dos Anjos. “Receber essa obra em braille é uma maneira de trazer as pessoas com deficiência para o nosso espaço, também. É uma maneira de dizer que estamos de portas abertas e disponíveis para incluir todos os perfis de leitores”, resumiu.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 17 de junho de 2025.