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caranguejo-uçá

Animal é indicador de bioqualidade

publicado: 22/09/2025 09h10, última modificação: 22/09/2025 09h10
Espécie está presente em boa parte do Litoral brasileiro e demonstra sensibilidade a diversos poluentes e metais pesados
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Comerciantes oferecem verduras e legumes durante o período de defeso e compram os animais de catadores quando permitido | Evandro Pereira

por Bárbara Wanderley*

Presente no cardápio de qualquer bar ou restaurante de beira de praia, o caranguejo-uçá é um velho conhecido de quem mora no Litoral paraibano, pelo seu uso na culinária. Poucos sabem, porém, de sua importância para o ecossistema.

De acordo com o biólogo e professor da Universidade Estadual da Paraíba, José da Silva Mourão, o caranguejo-uçá é uma espécie cavadora que proporciona a oxigenação e drenagem do sedimento. “A construção de tocas de caranguejos é um traço da intensa atividade biogênica nos solos dos manguezais. Esse comportamento influencia no fluxo e na exportação de matéria orgânica, bem como aumenta a biomassa em decomposição nas camadas inferiores do sedimento”, explicou.

Para Mourão, que é doutor em Ecologia e Recursos Naturais, o caranguejo-uçá tem papel central na degradação de matéria orgânica, por meio do consumo de resíduos vegetais, e na retenção de carbono e nutrientes. “Isto porque a degradação mediada pela atividade do caranguejo-uçá é 2,4 vezes mais rápida do que aquela que ocorre na superfície do solo”, disse.

Ele também destacou que o caranguejo-uçá pode ser um importante bioindicador de qualidade ambiental, pois, além de ser encontrado em grande parte do Litoral brasileiro, demonstra sensibilidade a diversos poluentes e metais pesados. “Dentro dessa mesma proposta, o caranguejo-uçá também é bioindicador da alta presença de benzeno nos manguezais, pois uma breve exposição ao benzeno é capaz de causar mudanças metabólicas significativas no animal, podendo comprometer processos vitais”, explicou o professor.

Hábitat

 O caranguejo-uçá habita regiões de mangue, em tocas que variam desde cerca de 50 cm até 1,5 m de profundidade, construídas nas zonas atingidas pelas marés. Pesquisas apontam que o caranguejo-uçá, além de habitar tocas, onde o consumo de oxigênio é baixo, vive sob o substrato do manguezal, onde o teor de oxigênio é mais elevado. Geralmente as tocas apresentam inclinação de 45o em relação à superfície e suas profundidades variam conforme a zona e época do ano.

Nutrição

José Mourão mencionou que o caranguejo constitui um alimento nutritivo e destaca-se por seu papel como recurso pesqueiro e fonte de renda para milhares de caranguejeiros ao longo da costa do Brasil. A captura do caranguejo envolve, portanto, aspectos culturais, financeiros e nutricionais.

O comerciante Dirceu Cardoso Leite vende caranguejos no Mercado Público de Cabedelo há cerca de quatro anos e contou que compra os animais de catadores do município de Marcação para revender. Dirceu ressaltou que tanto ele quanto os fornecedores respeitam os períodos de defeso, quando fica proibido pegar caranguejos. “A gente só trabalha enquanto está dando para trabalhar. Quando está proibido, a gente para”, garantiu. Ele também trabalha com outros produtos, como verduras e legumes, e foca nesses outros itens quando não é possível vender caranguejo.

Pesca predatória do crustáceo é proibida o ano inteiro

Para garantir que o consumo humano não se acabe levando o animal à extinção, existem os períodos de defeso, que são épocas em que a captura do caranguejo-uçá é proibida. O período, que também é conhecido como “andada reprodutiva” é quando os caranguejos saem de suas tocas e andam pelo manguezal para acasalamento e liberação de ovos.

Caça de animais pequenos e filhotes também é ilegal mesmo fora do período de defeso

“É um período em que o animal fica mais vulnerável, biologicamente comprovado, porque eles ficam mais expostos ao seu hábitat natural para poder se reproduzir”, explicou o major Wellington Aragão, chefe da Fiscalização da Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema).

“Vale salientar que, durante o ano inteiro, é proibido capturar caranguejo--uçá com algumas pescas ditas predatórias, como é o caso da redinha, que é muito comum aqui, no nosso território paraibano, além de animais com menos de 8 cm de carapaça. Então algumas pessoas, mesmo fora do período de defeso, insistem em fazer o resgate de animais que são pequenos, como filhotes, e não pode ser feito esse tipo de pesca”, ressaltou.

O major Aragão explicou que a fiscalização é feita tanto pela Sudema quanto pelo Batalhão de Polícia Ambiental e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

As equipes de quaisquer desses órgãos podem visitar, separadamente ou em ações conjuntas, bares, restaurantes, mercados e outros locais onde os animais sejam comercializados para verificar se está havendo venda. Caso haja, o responsável precisa apresentar uma declaração de estoque, previamente registrada no Ibama, que comprove que se trata de um animal que já estava armazenado previamente ao defeso e não foi capturado de forma ilegal.

“É importante dizer que quem comercializa no seu estabelecimento esse tipo de animal tem que buscar o Ibama, já antes do defeso, para poder declarar o seu estoque, para que, quando for fiscalizado, ele tenha comprovação de que esse caranguejo que ele já tem lá foi do estoque passado”, reforçou o major Wellington.

O Ministério da Pesca e Aquicultura, juntamente com o Ministério do Meio ambiente e Mudança Climática, divulga portaria determinando os períodos de defeso, que, neste ano, ocorreram em alguns dias de janeiro, fevereiro, março e abril.

Os períodos de defeso, que também podem ocorrer para outras espécies, garantem a pescadores artesanais profissionais o seguro-defeso, um benefício do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) para compensar o tempo em que ficam impossibilitados de trabalhar. É necessário, porém, cumprir alguns requisitos, inclusive comprovar que não possui outra fonte de renda.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 21 de setembro de 2025.