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Caatinga retém até 7t de CO2 por ano

publicado: 08/09/2025 09h00, última modificação: 09/09/2025 15h16
Apesar da aridez, ecossitema demonstra grande capacidade do que os cientistas chamam de captura de carbono
Foto de Antonio David no sertão paraibano (6).jpg

Estudos de observatório nacional mostram que mesmo em anos de seca extrema, o ecossistema mantém a capacidade de tirar carbono da atmosfera | Fotos: Antonio David/Arquivo A União

por Emerson da Cunha*

“Caatinga”, do tupi-guarani, significa “mata branca”, visual especialmente vinculado ao período de seca, no qual o bioma perde suas folhas. Por muito tempo, essa visão de terra árida a colocou em uma espécie de limbo de importância ente outras vegetações, especialmente as úmidas, como a Mata Atlântica e a Floresta Amazônica. No entanto, pelo menos nos últimos 20 anos, essa perspectiva vem mudando. Por um lado, cada vez mais pesquisadores nordestinos vêm se debruçando sobre a ecologia de sua região de nascedouro, com descobertas sobre seu funcionamento. Por outro, em vistas do efeito estufa e das consequentes mudanças climáticas, a Caatinga vem demonstrando uma potencial capacidade para o que se chama de “captura de carbono”, ou seja, o quanto de CO2 consegue armazenar e sintetizar da atmosfera.

“A eficiência em captura de carbono significa a adoção de práticas sustentáveis que visam desenvolver atividades produtivas com uma quantidade cada vez menor de carbono”, explica o geógrafo Saulo Vital, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e coordenador do Núcleo de Estudos em Urgências e Desastres. “Sobretudo no período úmido, a Caatinga é muito eficiente na fotossíntese, tornando-se um dos biomas mais eficientes no chamado sequestro do carbono. Até mais do que a Amazônia. Foi uma pesquisa realizada pelo Observatório Nacional da Dinâmica da Água e do Carbono no Bioma Caatinga (OndaCBC), em parceria com várias universidades nordestinas, inclusive a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG)”. Isso porque é no período de chuvas que ela fica mais “verde”, com mais vegetação, o que aumenta o fluxo da fotossíntese e, com ela, a captura de carbono da atmosfera.

É sobre esse tema também que vem se debruçando o pesquisador do Instituto Nacional do Semiárido (INSA), professor do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação (PPGec) e um dos coordenadores do Observatório da Caatinga e Desertificação (OCA), Aldrin Pérez, além de correspondente científico do Brasil na Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca. “A Caatinga é uma floresta seca, que aprendeu a ser eficiente. Mesmo em anos de estiagem prolongada, sua vegetação mantém poder de capturar carbono”, explica o pesquisador.

De acordo com estudos realizados pelo OndaCBC, mesmo em anos de seca extrema, o ecossistema mantém a capacidade de sacar carbono da atmosfera. “Em áreas de Caatinga hipoxerófila, mais úmida, os valores podem alcançar até sete toneladas de CO2 por hectare por ano, ou seja, que ela retira da atmosfera, em folhas, em galhos. Na região hiperxerófila, ou seja, mais seca, essa taxa varia entre 1,5 tonelada a três toneladas por hectare anual. Isso demonstra que mesmo com limitações ambientais, especialmente de água, a vegetação da Caatinga apresenta notada eficiência no sequestro de carbono”, coloca.

O pesquisador e professor do Departamento de Ciências Atmosféricas e Climáticas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e pesquisador do OndaCBC, Bergson Bezerra, lembra que a eficiência de carbono se dá a partir da razão entre o saldo líquido do carbono retido pela atmosfera dividido pelo saldo total de carbono absorvido via fotossíntese. No caso da Caatinga, o valor chega a 0,35 e 0,40. “Está hoje entre os cinco ecossistemas mais eficientes do mundo. Quando você diz que a eficiência é de 0,40, quer dizer o correspondente a 40% da absorção bruta foi de fato fixado na superfície” explica Bergson. “As regiões semiáridas têm produtividade primária baixa, fotossíntese mais baixa, vegetação mais rala. Em compensação, a perda de carbono ao oceano é baixa e nossos solos são praticamente minerais, sem decomposição de matéria orgânica praticamente”, coloca.

Bioma demonstra ser um bom repositório

Além do recolher CO2 pela fotossíntese, a Caatinga também demonstra ser efetivo repositório de carbono, onde rochas, vegetação e solo concentram gás carbônico. Segundo Aldrin, em áreas conservadas, há cerca de 185 toneladas de CO2 estocadas no bioma, 71% no solo e 30% na vegetação. “Não é apenas um sumidouro ativo, mas também reservatório de carbono a longo prazo. Esse carbono no solo, se não é antropizado, é estável. Mas se é antropizado, é altamente sensível, porque na hora que corto a vegetação e transforma em pasto ou em área de agricultura, eu libero aproximadamente 50% desse carbono e acentuo a mudança climática”. Os processos antrópicos são as ações humanas de modificação do bioma, que podem “desnudar” o solo, provocar ações erosivas, retirar para a atmosfera ainda mais CO2 e levar áreas a verdadeiros processos de desertificação. 

Em áreas conservadas, há cerca de 185 toneladas de CO2 estocadas no bioma

A emissão desse CO2 intensifica o efeito estufa, uma vez que esses gases são mister em agregar calor, o que implica em um aumento da temperatura do planeta e um consequente efeito de mais tornar esses biomas ainda mais áridos e secos. O período de 1850 a 2020, segundo um último estudo do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), foi considerado o período mais quente dos últimos dois mil anos, após o planeta ter visto sua temperatura subir quase 1 oC. “Isso causou fenômenos globais, enchentes, seca, furacão, basicamente essas alterações no clima estão associadas à ação humana, porque existe uma relação direta entre quanto mais CO2 lançado na atmosfera, maior aumento da temperatura”, coloca Pérez.  Como exemplo, ele diz que, a que cada mil gigatoneladas emitidas, a temperatura pode aumentar 0,5 ºC. A tendência é uma mudança que afeta o planeta todo e que pode tornar até 7% dele mais seco.

Ativos

A Caatinga tem hoje quase 12 bilhões de toneladas de carbono estocadas e quase três bilhões por ano são por ela retiradas da atmosfera. Esse valor não é apenas um dado biológico, e pode tornar-se um ativo financeiro para o próprio país. Isso porque eles podem ser transformados em créditos de carbono, uma espécie de “vale-carbono” que empresas, indústrias e mesmo outros países podem comprar para compensar a liberação de carbono na atmosfera. Nesse caso, apenas em áreas de conservação, as quantidades estocadas de carbono se transformariam em cerca de 48 bilhões de reais, com tendência a retirar da atmosfera nove bilhões a cada ano. Nas áreas de territórios indígenas e quilombolas, seriam três bilhões de reais em carbono estocado e 600 milhões anualmente, segundo aponta Aldrin.

Portanto, trata-se de uma questão climática envolvida, em que a Caatinga é vista como setor ativo dentro em nova dinâmica de relações comerciais de carbono, que começam a se regular no mundo. O pesquisador reclama que, embora haja muito boas iniciativas, especialmente envolvidas em práticas sustentáveis de pequenos produtores de convivência com a Caatinga, falta ainda uma regulação do próprio Estado, capaz de regulamentar as diretrizes desse comércio. Essa iniciativa de regulação pode, inclusive, levar a situações em que os povos que mais preservam seus territórios e as emissões de carbono no bioma da Caatinga possam receber recursos e fazer com que a preservação seja uma fonte de renda. “Os lugares mais conservados, hoje, são as áreas indígenas e quilombolas e pequenas propriedades, camponeses, famílias. É uma questão de justiça climática traduzida em dignidade e renda para os povos historicamente invisibilizados”, defende Pérez.

Reduzir para preservar

Há também iniciativas que visam que próprios produtores diminuam a emissão de gases de efeito estufa, no caso, o metano (CH4), proveniente principalmente dos arrotos de ruminantes (gado, ovelhas etc.) e de formas de decomposição de resíduos animais. Nesse caso, os pequenos produtores, a partir de ações como recuperação de pastagem, manejo adequado do esterco, uso de biodigestores ou integração lavoura-pecuária, podem ter a diminuição de emissão de metano convertida em créditos de carbono, que podem ser vendidos para terceiros.

“Esses créditos podem ser negociados em mercados voluntários ou regulados, gerando receita adicional para os empreendimentos. Na prática, o agricultor continua produzindo leite, carne ou outros produtos, mas ao mesmo tempo passa a gerar um ativo ambiental que pode ser vendido. É uma forma de unir sustentabilidade e renda, fortalecendo a permanência da agricultura familiar no Semiárido”, coloca o extensionista rural da Empresa Paraibana de Pesquisa, Extensão Rural e Regularização Fundiária (Empaer) e membro do projeto PB Rural Sustentável, promovido em parceria com o projeto Cooperar, Igor Melo.

“O objetivo desse trabalho piloto é justamente criar uma linha de base confiável, para que, a partir de agora, o monitoramento das emissões de metano possa ser feito periodicamente, vinculando os investimentos a metas de sustentabilidade. O método considera variáveis como alimentação e manejo animal, digestibilidade e uso de insumos”, explica.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 7 de setembro de 2025.