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Debate climático tem voz paraibana

publicado: 01/12/2025 09h14, última modificação: 01/12/2025 09h14
Expostas desde cedo aos efeitos da crise ambiental, jovens constroem trajetórias que as levaram a conferências globais
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Mikaelle Farias representou o estado na COP30, em Belém | Fotos: Arquivo pessoal

por Joel Cavalcanti*

Mikaelle Farias cresceu ao lado de um lixão a céu aberto em Campina Grande. Ali, ainda sem compreender a dimensão daquele cenário, começou a sentir o que mais tarde reconheceria como racismo ambiental. A urgência por se dedicar ao tema ganharia contornos claros em 2019, quando o derramamento de óleo avançou pela costa do Nordeste. Um crime até hoje impune. “Esse incidente foi o que me impulsionou agir de fato”, lembra a ativista nascida em João Pessoa.

Maria Isabel Liberato, em Picuí, Seridó paraibano, observava a seca avançar como parte da rotina de sua comunidade. O calor extremo e seus efeitos sociais deixaram de ser apenas um desconforto para se tornar um alerta. “Eu vivia essas realidades climáticas sem perceber que elas tinham nome e eram parte de algo muito maior”, conta a ativista de 17 anos. Duas jovens, duas realidades distintas, um mesmo caminho: o protagonismo no ativismo climático paraibano.

Nos últimos anos, histórias como as de Mikaelle e Maria Isabel passaram a ocupar mais espaço no debate climático internacional. Existem cerca de 1,2 bilhão de jovens de 15 a 24 anos no mundo e serão eles que lidarão com as consequências mais graves do aquecimento global. Esse fenômeno de mobilização entre os jovens é impulsionado globalmente por figuras como a sueca Greta Thunberg, mas ele ganha contornos específicos no Nordeste brasileiro, uma das regiões mais vulneráveis às mudanças do clima.

As duas paraibanas representam uma geração que decidiu não esperar a vida adulta para assumir responsabilidades globais. Elas não enxergam a crise climática como uma ameaça futura, elas sentem isso no presente. “Na nossa geração de ativistas, nós não vemos mais a crise climática como algo distante: ela já faz parte do nosso cotidiano desde que nascemos”, confirma Isabel Liberato. 

Estudante do curso técnico em Informática do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB), Isabel iniciou sua trajetória como ativista influenciada pela mobilização de sua família, que vem da Comunidade Quilombola do Abreu. Ela acumula uma bagagem em conselhos e fóruns de direitos de crianças e adolescentes, atuando no Núcleo de Cidadania de Adolescentes (Nuca) e integrando o Conselho Jovem do Unicef Brasil.

Nas Reuniões de Altas Autoridades em Direitos Humanos do Mercosul, Maria Isabel foi eleita representante do país na Rede Sul de Adolescentes (Rede Surca) e foi recentemente empossada como ativista global do Unicef durante a COP30. Seu foco de atuação está na interseção entre justiça climática, direitos de crianças e adolescentes, racismo ambiental e direitos das mulheres.

Mikaelle Farias é graduada em Engenharia de Energias Renováveis pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e construiu uma trajetória de relevância internacional, atuando como voluntária do Greenpeace Brasil e foi delegada jovem brasileira da UK Youth Climate Coalition e da Foundation for the Economics of Sustainability Ireland, participando de conferências climáticas da ONU, como a COP26, COP27 e COP28. 

Caminhos cruzados com a ativista Greta Thunberg (D)

Atualmente, ela é diretora de Governança Energética e Transição Justa da Palmares Lab-Ação e, em 2024, assumiu o cargo de assessoria de incidência da presidência jovem da COP30. Sua atuação é centrada na justiça climática e na pauta da transição energética justa. “Para mim, a crise climática não existe no vácuo, tudo está conectado de alguma forma. Meu ativismo não foi uma escolha, foi uma reação ao mundo para meu corpo e o de tantas outras pessoas continuarem existindo”, defende.

Mesmo com caminhos distintos, ambas carregam as marcas de seus territórios e acabam de retornar de Belém, para onde levaram essas vivências para a COP30. O convite para a conferência global veio como reconhecimento de suas trajetórias. “Juntas, nós construímos um time de jovens por bioma para agregar à equipe, isso foi uma forma de quebrar paradigmas e incluir jovens nos espaços de tomadas de decisão”, explica Mikaelle.

“Estar na COP30 representa muito mais do que participar de um evento internacional. Para mim, é ocupar um espaço que historicamente não foi feito para meninas, adolescentes e muito menos para pessoas de comunidades tradicionais”, afirma Isabel. Ela integra a maior delegação de adolescentes presente na Zona Azul e entende que essa presença tem efeito simbólico e prático: “É mostrar que nós existimos, que temos voz, que estamos na linha de frente e que nossas vivências precisam influenciar as decisões globais”, acrescenta.

A visibilidade crescente das duas jovens já inspira novos ativistas na Paraíba. “Quando alguém chega para mim e diz que começou um projeto, participou de uma conferência ou simplesmente passou a olhar para as questões ambientais com mais seriedade depois de me ouvir falar, isso me toca profundamente”, sente Mikaelle. Isabel reconhece a responsabilidade atrelada a esse papel: “Sei que muitas pessoas olham para nós como exemplo e que, ao levantar pautas importantes, precisamos representar de forma ética, responsável e consciente”.

Apesar do cenário de urgência crescente e da proximidade do ponto de não retorno para a sustentação da vida humana na Terra, ambas rejeitam a ideia de que o futuro é inevitavelmente desastroso. Relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) reiteram que ainda é possível evitar os piores cenários, mas isso requer ações drásticas e imediatas. As narrativas de catástrofe total tendem a reduzir o engajamento social e favorecer a inação, um efeito conhecido como “ecoansiedade”.

O discurso de que “não há mais jeito” é apontado por climatólogos como um dos fatores que permite a continuidade de práticas predatórias. Para as jovens paraibanas, a dimensão do sonho permanece como motor político. “É no presente que a gente faz diferença e tenta fazer com que o futuro seja melhor”, defende Isabel. É nesse intervalo entre a crise e a solução que a juventude atua. Os sonhos que carregam revelam horizontes possíveis.

Mikaelle imagina um país em que mais jovens estejam mobilizados territorialmente: “Quero ver é mais jovens engajados, mais jovens fazendo mudança em seus territórios, a gente precisa de um grande mutirão”. Já Isabel projeta transformações que reduzam desigualdades: “Minha contribuição é poder agir agora, com os meus e por vários outros. Mostrar que a juventude existe, levantar a voz, pressionar, fazer projetos e mobilizar outros jovens”.

Formação de novas lideranças tem investimento de R$ 5 milhões

Na Paraíba, iniciativas governamentais têm buscado responder ao aumento desse protagonismo juvenil. O Programa Agente Jovem Ambiental (AJA), lançado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) em maio deste ano, pretende formar dois mil estudantes do Ensino Médio e da EJA em temas como educação ambiental, resíduos sólidos, energias renováveis e práticas de campo.

AJA tem a finalidade de levar conhecimento sobre meio ambiente aos alunos da rede pública

A iniciativa conta com um investimento de R$ 5 milhões e prevê que os participantes recebam uma bolsa--auxílio de R$ 200 durante seis meses e passem por um curso que combina formação teórica on-line com aulas práticas em unidades de conservação com acompanhamento técnico para intervenções em praças, casas e áreas verdes.

“O AJA tem a finalidade de levar conhecimento sobre meio ambiente aos alunos da rede pública, capacitando-os para se tornarem multiplicadores desse saber”, afirmou a secretária Rafaela Camaraense durante uma das entregas de kits do programa. Para o aluno Jhonny Nascimento, a iniciativa é uma oportunidade de transformação. “Eu me vejo atuando bastante no meio ambiente, pois é algo que precisa ser cuidado e preservado. Queremos trazer conscientização para nossa geração”, comentou.

A entrega recente de 800 kits do programa, em escolas de João Pessoa e outras regiões, reforça a meta de interiorizar a formação. Segundo a Secretaria de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Social (Sedes) e a Semas, a ideia é que cada jovem desenvolva um projeto ambiental alinhado à sua realidade. “Queremos que os jovens desenvolvam projetos que façam sentido dentro da sua realidade. A ideia é que eles assumam o protagonismo desse programa”, explicou o coordenador Adroilzo Fonseca.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 30 de novembro de 2025.