Daura Santiago Rangel foi uma professora que marcou a educação paraibana. Ela dedicou quase 50 anos de sua vida ao ensino e foi superintendente da Educação de Adultos no Estado de 1955 a 1958. Ao deixar esse cargo, assumiu a direção da Escola de Professores, atualmente Instituto de Educação da Paraíba, e do Liceu Paraibano. A professora morreu em 1986, e os relatos apontam que ela se preocupava com a formação integral dos estudantes, que eram vistos como atores sociais capazes de transformar suas realidades e o contexto onde estavam inseridos. Hoje, seu legado também é lembrado pelas instituições de ensino que levam seu nome. Uma delas é a Escola Cidadã Integral Técnica (Ecit) Daura Santiago Rangel, no bairro José Américo, em João Pessoa. A instituição do Governo do Estado mantém projetos que, semelhante ao que acreditava a educadora, buscam estimular o desenvolvimento dos alunos em diversas áreas.
Uma dessas ações, a rádio Nas Ondas do Daura é um espaço de experimentação para os alunos. Lá, eles podem desenvolver não só habilidades ligadas à comunicação, como também o trabalho em equipe, além de fortalecer o planejamento, a organização e a pesquisa sobre diversos temas. A iniciativa surgiu em 2019, inicialmente como uma disciplina eletiva, como explica o diretor da Ecit Daura Santiago Rangel, André do Egito. “Com a rádio, os alunos fazem podcasts, na hora do intervalo. As músicas tocadas são selecionadas por eles, seguindo as regras que foram estabelecidas, de que não podem ter músicas que estimulem o uso de drogas, nem com teor racista ou sexualizado”, afirma. O espaço físico da rádio foi montado em um banheiro desativado, que passou por adequação, e a partir de doações e de equipamentos que a escola possuía.
A professora de Sociologia que coordena o projeto, Acsia Lino, relembra como foi o início do Nas Ondas do Daura. “Na época, uma amiga minha que trabalhava na Rádio Tabajara ajudou nesse processo. Uma equipe veio fazer uma oficina de Comunicação com os alunos, mostrando como criar uma pauta, fazer uma matéria, como se portar diante das câmeras, etc. Também fizemos um trabalho interdisciplinar com a professora de Física, para tratar das ondas de rádio, como elas funcionam”, explica.
Ela reforça que a ação contribui com a formação dos estudantes de forma integral: “A gente percebe como isso transforma a vida do estudante. Ele consegue se comunicar melhor, amadurece enquanto líder, tem um senso de organização, pesquisa sobre os temas que serão abordados, adquire mais conhecimento. É uma formação pessoal e para a vida de forma geral”, afirma Acsia.
Hoje a rádio conta com três equipes, do 1o, 2o e 3o anos do Ensino Médio, e ao todo cerca de 25 alunos integram diretamente o projeto, mas toda a escola está envolvida. “A liderança é muito autônoma, eles são muito responsáveis, e a gente trabalha isso logo cedo, quando eles entram. Fazem suas reuniões semanais, escolhem as regras da rádio, fazem a seleção para formação de novas equipes, a seleção de músicas. É um processo que movimenta a escola toda”, destaca a professora. Mesmo os alunos que não estão na liderança da rádio podem usar o espaço para gravação de podcasts, pedir músicas, trazer ideias e sugestões. O projeto já foi premiado em iniciativas que reconhecem ações de ciência e inovação nas escolas, e quem quiser conhecer melhor a iniciativa pode acompanhar o perfil da rádio nas redes sociais: instagram.com/nasondasdodaura.
Outros projetos
Além da rádio, a escola possui outros projetos que se destacam, como o de educação fiscal. Com o tema “Você sabe o que é sonegação fiscal? E o que isso tem a ver com a escola? Promovendo a consciência e atitudes de combate à sonegação fiscal na comunidade escolar”, ele é coordenado também pela professora Acsia Lino. De acordo com ela, o objetivo é conscientizar os estudantes sobre a sonegação fiscal, diferenciá-la da corrupção e mostrar seus impactos negativos, especialmente para quem mais depende de políticas públicas, como os alunos da rede pública.
Dentro do projeto, os alunos produziram um material educativo sobre o tema, em parceria com a rádio. “Esse processo da educação fiscal foi tratado por entendermos que esse tema é muito valioso para a escola. A gente queria que eles entendessem que, quando as empresas sonegam, vai faltar dinheiro para a educação e vai afetar toda a sociedade em diversas áreas, e trabalhar isso de uma forma que fosse numa linguagem acessível aos jovens”, explica a professora. Como parte das atividades, os alunos entrevistaram uma promotora e auditores fiscais, sendo eles os responsáveis por toda a produção do material, desde a elaboração do roteiro dos vídeos, à realização das entrevistas, filmagem e edição, com a coordenação e orientação de Acsia. “O vídeo que foi feito pela rádio, produzido pelos próprios estudantes, com a linguagem dos estudantes, é exibido e trabalhado nas salas de aula, e abrimos a discussão a partir disso”, ressalta.
A iniciativa recebeu recentemente o Prêmio Afrafep de Educação Fiscal, que está em sua nona edição, sendo agraciada com um certificado de reconhecimento e uma premiação de R$ 5 mil. Outro projeto, que está ainda se iniciando, acontece em parceria com o Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). É o Enetrix, uma plataforma de registro, monitoramento e análise de acordos Internacionais relacionados à Energia. Uma aluna da escola recebeu bolsa para atuar junto à iniciativa. “O projeto atua em três eixos: na parte de desenvolvimento de tecnologias, de sites, sistemas; a sustentabilidade e energias renováveis; e o outro ponto é a ética. Esse grupo trabalha em parceria com a ONU. Estão envolvidos eu, como diretor, e mais dois professores da escola, além da aluna bolsista”, relata o diretor da Ecit Daura Santiago Rangel, explicando que a ação ainda está sendo estruturada para efetivamente ter início.
André do Egito ainda destaca que a escola foi pioneira na realização do projeto Afrocientista, voltado ao trabalho de letramento racial, valorização da cultura afrobrasileira e estímulo ao desenvolvimento de um ambiente escolar antirracista. A ação começou em 2019, em parceria com o Núcleo de Estudos e Pesquisas Afrobrasileiros e Indígenas (Neabi), da UFPB. A escola também já fez parcerias com empresas privadas para que os alunos possam estagiar dentro das áreas dos cursos técnicos da instituição — Vendas e Informática — e participa do programa Primeira Chance, do Governo da Paraíba, que incentiva o acesso a estágio e a primeira experiência profissional.
Comunicação entre os estudantes ajuda muito no aprendizado
Integrando as equipes de liderança do projeto da rádio, a aluna Francelina Júlia Gomes Bento da Silva está na 3a série do Ensino Médio. Ela diz que participa do Nas Ondas do Daura desde 2023, e que a experiência ajudou-a a se comunicar melhor. “Eu sempre gostei muito de falar, mas eu também tinha muita vergonha de falar com pessoas que eu não conheço, e a rádio me ajudou muito nisso. Fui desenvolvendo mais a comunicação”, afirma.
Em datas e períodos comemorativos, os alunos elaboram uma seleção específica de músicas para a rádio. Por exemplo, na Consciência Negra, só tocavam artistas negros, no Dia da Mulher, também eram as cantoras que animavam o intervalo na escola, e, no São João, o forró trazia o clima junino.
Para Francelina, a rádio também ajuda a integrar os alunos, pois muitos pedem música ou comentam sobre algum cantor ou banda que tocou, e assim se inicia uma conversa. “A gente também divulga muito a cultura, porque aqui não toca só música internacional ou o que está fazendo mais sucesso. A gente toca MPB, rock, músicas de artistas nacionais e da Paraíba também”, ressalta ela.
A experiência da aluna também vem influenciando na sua escolha profissional. “Ela [a rádio] me despertou um pouco de vontade de fazer Jornalismo, mas também penso nas áreas de Marketing e Publicidade. Essa parte de fazer entrevista, conhecer o outro, é muito legal”, comenta.
Outra aluna da Ecit Daura Santiago Rangel que integra a rádio é Maria Eduarda Medeiros, que está no 1o ano do Ensino Médio. Recentemente ela também foi selecionada como bolsista do projeto Enetrix, e diz que está com grandes expectativas para o início das atividades. “Ele é um site que está em desenvolvimento, e agora criaram essa bolsa de iniciação científica para o Ensino Médio. A experiência desde já está sendo uma maravilha. Eu nem sabia que existia o curso de Relações Internacionais, e agora ele é um dos que eu penso em fazer na universidade futuramente”, afirma. Ela diz que integrar alunos do Ensino Médio em projetos desse tipo ajuda na expansão dos conhecimentos.
Já Larissa Raiane Ferreira, ex-aluna da escola, foi da primeira turma que iniciou o projeto da rádio Nas Ondas do Daura. Hoje com 19 anos, ela está na universidade, cursando Administração, e acredita que a experiência foi um divisor de águas. “A rádio ajuda a gente a saber se comunicar, e isso foi muito importante. Aplicando hoje no meu dia a dia, na universidade e no contexto profissional, vejo que isso contribuiu imensamente. E a experiência de trabalho em equipe, de reuniões, de organização das atividades, também contribuiu muito”, relata.
Parceria
Recentemente, a presidente da Empresa Paraibana de Comunicação (EPC), Naná Garcez, visitou a escola para conhecer o projeto da rádio, a convite dos gestores. Na ocasião, ela destacou a importância da comunicação: “O fato de eles terem uma rádio própria, comunitária, que cria programações, isso estimula discussões, é maravilhoso, e reforça a importância da informação, do jornalismo para ajudar na conscientização e formação de cidadãos”, destaca.
A EPC também vai contribuir com a estruturação do espaço, por meio da doação de algumas caixas de som da Rádio Tabajara FM que estão em desuso e suporte técnico para instalação de equipamentos.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 17 de Outubro de 2025.