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Pesquisas avançam com novas descobertas

publicado: 18/08/2025 09h08, última modificação: 18/08/2025 09h08
Mais de 40 espécies desconhecidas de fungos foram catalogadas na Paraíba desde os anos 1960
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Foto: Reprodução

por Emerson da Cunha*

1961. O pesquisador alemão Rolf Singer vem ao Brasil e, nas proximidades da capital, cataloga os primeiros fungos paraibanos. Pleurotus djamor, Trogia cantharelloides, Paxillus guttatus constam como as primeiras espécies fúngicas catalogadas em solos do estado. Ao longo de 16 anos, mais descobertas seriam realizadas pelo pesquisador estrangeiro, que acabou fazendo a sua última em território paraibano, em 1977, com a catalogação do cogumelo Camarophyllus paraibensis. Um hiato passou-se até chegar ao ano de 2013, quando os trabalhos de outro pesquisador, o professor Felipe Wartchow, do Departamento de Sistemática e Ecologia, do Centro de Ciências Exatas e da Natureza (CCEN) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), e sua equipe, desvendam mais uma nova espécie de fungo no estado.

Foi o “nascimento”, ou melhor, a catalogação do cogumelo Hydropus griseolazulinus, espécie da ordem Agaricales. As pesquisas seguiram nos anos seguintes e, até neste ano, Wartchow e equipe têm registradas mais 22 novas espécies de fungos na Paraíba. As mais recentes foram descobertas na Área de Proteção Ambiental (APA) da Barra de Mamanguape, os cogumelos Tylopilus curtipes e Tylopilus simulissimus. No total, o estado registra mais de 40 espécies propriamente “paraibanas” de fungos, encontradas e catalogadas por aqui.

Esse processo de buscas por novas espécies de fungos é o principal trabalho de Wartchow e sua equipe, formada por outros pesquisadores e estudantes do curso de Ciências Biológicas. É o que se chama de sistemática e taxonomia, que atua na descrição e descoberta de espécies. Eles especializam-se em fazer a busca ativa de fungos em geral, especialmente cogumelos, em áreas de floresta e mata, tentando identificar, por meio de diversas características, se o fungo encontrado pertence a uma espécie conhecida ou se é uma novidade.

É a chamada pesquisa macroscópica, na qual as análises ainda estão no campo de visão maior, junto de outras caracterizações, como cheiro, por exemplo. Além disso, o trabalho continua no laboratório, com análises microscópicas de DNA e outras partes. Quando esse momento finda, é hora de desidratar os fungos, que permanecem armazenados para estudos e pesquisas posteriores. No caso das descobertas de Wartchow e equipe, eles ficam no Laboratório de Morfo-Taxonomia Fúngica.

Um dos locais de pesquisa do grupo é a Floresta Nacional de Restinga de Cabedelo, ou Mata do Amem, área federal de conservação. “Em 2012, foram as primeiras vezes que eu coletei naquela Unidade de Conservação. Fiz seis viagens de abril a julho, foram encontradas 70 espécies de cogumelos. E eu não estou nem considerando todos os tipos de fungos. Tem orelha de pau e outras morfologias”.

Mesmo com a riqueza de biodiversidade, os impactos urbanos ambientais são sentidos, e pode-se deixar de conhecer e catalogar fungos antes que eles desapareçam no nosso território. “É uma área que sofre muita pressão urbana, de trem, de rodovia, constando grande diversidade de espécies de fungos. Eu devo ter aqui quase 150 espécies de fungos que não consegui ainda trabalhar, algumas delas já descritas pela ciência e muitas outras ainda sequer conseguimos trabalhar”, explica o biólogo, sobre a necessidade de preservação das áreas naturais.

“A princípio, a importância do meu trabalho é catalogar as espécies para confirmar que o Brasil realmente é o país com o maior número de espécies do mundo, de vários organismos. O Brasil é o primeiro lugar em biodiversidade”, explica, ainda, o pesquisador. “Os estudos indicam o Brasil como país megadiverso em vários tipos, em vários organismos, inclusive para fungo. E meu tipo de trabalho de catalogar, de descrever espécies novas, de descobrir fungos novos ajuda a melhorar essa premissa do que o Brasil é o mais megadiverso também para o fungo”, defende Wartchow.

Suplementos alimentares

A relação do professor Fillipe Oliveira, farmacêutico, professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e coordenador do grupo Fungi, com os fungos mudou ao longo do tempo. Tendo iniciado suas pesquisas com fungos agentes de doenças, como as de pele ou do couro cabeludo, ao iniciar suas atividades em um curso de Nutrição, começou a perceber como os fungos poderiam, deteriorando alimentos, influenciar ainda em efeitos adversos aos seres humanos.

Mas, foi apenas na convivência com uma de suas alunas produtora de cogumelo que viu o papel promissor entre alimentos disponíveis, seja nutritivamente, seja nas funções biológicas. Atualmente, o professor tem atuado sobre fungos que podem servir de nutracêuticos, ou seja, produtos alimentícios ou partes de alimentos que oferecem benefícios à saúde, incluindo prevenção e tratamento de doenças, além de complementar dieta. Ou, como é o termo mais comum, no caso dos fungos, suplementos alimentares.

Atualmente, ele e seu grupo de pesquisa estão dedicados ao cultivo de dois tipos de cogumelos shimeji, cujo nome científico é o Pleurotus, um rosa e um branco, na cidade de Cuité. Nesse momento, ocorre a fase de análise do potencial nutricional dos cogumelos, das quantidades de fibra, proteína e de compostos bioativos. A idéia é ver a possibilidade de eles atuarem como potencial probiótico, que “ajudam na saúde da nossa microbiota intestinal”. Ele explica que é como se bactérias boas se alimentassem desses cogumelos ao consumirmos, e vão povoando o intestino, trazendo benefícios, como melhoria da imunidade. “Tendo efeito probiótico, a última etapa é fazer o desenvolvimento de nutracêuticos, ou seja, um suplemento alimentar em cápsula que ajudaria os consumidores a alcançar concentrações ideais de nutrientes, de compostos bioativos e dos benefícios que os cogumelos poderiam oferecer. Essas últimas etapas, só ano que vem”, explica o pesquisador.

Fungos no espaço urbano

Porém, é preciso ter cuidado porque contextos urbanos podem ser um bom cenário para a disseminação de doenças causadas por fungos, como é o caso da esporotricose, causada por fungos do gênero Sporothrix. Tendo como foco inicial o Rio de Janeiro, no fim dos anos 1990, e tendo pouca incidência no estado paraibano, desde 2017 o número de infecções por essa doença vem aumentando sistematicamente, sendo considerada endêmica no estado. Até 2023, ano do último Boletim Epidemiológico do estado para a doença, haviam sido registradas 577 casos, em 43 municípios, com preponderância de casos na Região Metropolitana de João Pessoa.

“Em 2017, por mais que a gente estudasse esporotricose, a gente via dois, três casos no ano, normalmente relacionada a pessoas que trabalhavam com solo e vegetação. Até chamava de ‘doença do jardineiro’”, lembra o professor e pesquisador de fungos Felipe Queiroga, do curso de Farmácia da UFPB, coordenador do Laboratório de Micologia Clínica, que estuda a criação de potenciais antifúngicos.

 “A partir de 2016, 2017, 2018, houve aumento nos casos, principalmente em pessoas em contato prévio com animal contaminado, particularmente gato. É uma doença fúngica que acomete o tecido subcutâneo, a região mais profunda da nossa pele, e que tem característica zoonótica. A principal vítima é o gato, que termina pegando esse fungo do solo, da vegetação, de outros animais, em contato com ratos, com outros gatos. A gente não tem controle adequado dessa população, eles ficam muito suscetíveis no ambiente urbano, a gente vê muitos animais desprezados na nossa cidade, principalmente quando estão doentes”, finaliza.

Sustentabilidade no cultivo

O processo de buscas e descobertas de novas espécies de fungos é o principal trabalho do professor Felipe Wartchow e sua equipe, na Universidade Federal da Paraíba | Foto: Evandro

Para além de produzir o cogumelo, que pode ser comestível, a pesquisa também avança na sustentabilidade do substrato utilizado, ou seja, a base sobre a qual os cogumelos ganham vida e reproduzem-se, a partir de resíduos locais. “A gente utiliza resíduo agronômico. Em Areia, no Brejo da Paraíba, se produz muita banana. E as folhas de bananeira são produtos que iriam para o solo, por exemplo, o que pode causar problemas e impactos negativos no ambiente. Então, a ideia é a gente utilizar esse material como substrato para o fungo crescer. Utilizamos também resíduos oriundos de indústria de polpa de frutas, em Nova Floresta, pertinho de Cuité. A gente escolheu o cajá como modelo e saiu fazendo formulações, misturando folha de bananeira e cajá para entender se de fato servem como meio nutritivo, como substrato para o cogumelo”. 

Além disso, o que sobra do material, o pós-substrato, pode ser reutilizado no próprio solo com menor impacto e mesmo como fertilizante “porque o fungo tem essa habilidade de degradar componentes que são muito duros, muito rígidos na estrutura desses resíduos agrícolas”, explica Oliveira. “O pequeno produtor, por exemplo, pode usar a folha de bananeira para produzir cogumelo, que serve para sua dieta ou seu comércio. E ainda retorna para o seu para o próprio solo para produzir outras plantas, outros alimentos”, ressalta o professor.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 17 de agosto de 2025.