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Primatas voltam a ser vistos na Mata Atlântica

publicado: 14/07/2025 09h28, última modificação: 14/07/2025 09h28
Espécies ameaçadas de extinção passeiam em áreas recuperadas
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Paraíba é o estado com maior númerode populações do macaco-prego-galego | Foto: João Pedro Souza/Colaboração

por Sara Gomes*

O Programa de Restauração Florestal recuperou 450 hectares de áreas degradadas na Usina Japungu, localizada em Santa Rita, no Corredor ecológico Pacatuba-Gargaú entre duas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN’s) Fazenda Pacatuba e Engenho Gargaú. A iniciativa, liderada pelo Centro de Projetos Ambientais do Nordeste (Cepan) em parceria com a Usina Japungu e a empresa Eco Ocelote, vem gerando impactos positivos. Além de recompor a vegetação nativa, as espécies guariba-de-mãos-ruivas e o macaco-prego-galego, macacos ameaçados de extinção, voltaram a ser vistos nas áreas em processo de restauração.

Esses primatas são encontrados no Centro de Endemismo Pernambuco — uma faixa de Mata Atlântica litorânea que se estende de Alagoas até o Rio Grande do Norte.

De acordo com o artigo “Ocorrência de Sapajus flavius e Alouatta belzebul no Centro de Endemismo Pernambuco”, a Paraíba é o estado que apresenta um maior número de populações de ambas as espécies. “Segundo o estudo, existe registro nos municípios de Santa Rita, Mataraca, Rio Tinto, Mamanguape e João Pessoa, na Mata do Buraquinho.

João Pedro Souza, doutor em Biologia e professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal de Pernambuco, esclarece que a criação de corredores ecológicos contribui para o aumento da diversidade genética. “Quando esses indivíduos expandem a área de circulação aumenta o fluxo genético entre as populações. Afinal, quando um grupo de primatas fica restrito a uma área, a diversidade genética daquela população vai reduzindo a longo prazo. Ou seja, além de reconectar fragmentos de Mata Atlântica, permite o contato entre populações distintas. “Isso impede, por exemplo, o cruzamento entre parentes”. acrescentou.

Reflorestamento

A projeção é que até o fim do ano, a agroindústria Usina Japungu alcance 1.050 hectares restaurados, sendo 600 com recursos próprios. Os serviços ecossistêmicos estão se regenerando por meio da recuperação do solo. Segundo o geógrafo e coordenador geral do Cepan, Joaquim Freitas, existem áreas onde o solo já demonstra sinais de recuperação, com presença de matéria orgânica e diminuição de erosão. “Isso contribui para a melhoria na infiltração e na disponibilidade de água, considerando que essas áreas estão próximas de nascentes e riachos. Quanto ao carbono, o crescimento das plantas indica o aumento da quantidade de biomassa armazenada”.

Dentro do processo de restauração, a equipe realiza um monitoramento periódico, no qual se acompanha o crescimento do plantio, identificando a flora nativa que está se desenvolvendo e verifica se existe algum fator de degradação. Outro indício de equilíbrio ecológico é a fauna que está circulando na região. “Identificamos pegadas, pelos e fezes de animais”, afirmou o coordenador.

Técnicas

Existem diversas técnicas de restauração que vão desde o plantio de mudas tradicionais até a condução de regeneração natural, que ajudam áreas próximas de fragmentos de mata atlântica a se recuperarem. Para alcançar esse objetivo, por exemplo, a equipe removeu gramíneas invasoras, cana-de-açúcar e capins, criando condições favoráveis à regeneração.

A semeadura direta foi outra inovação pioneira na Mata Atlântica do Nordeste. A técnica utilizou sementes colhidas localmente por moradores da região, conforme explica o coordenador do Cepan. “Compramos essas sementes e realizamos os primeiros plantios, fortalecendo a participação da comunidade na recuperação sustentável dessas áreas”, detalhou. Joaquim Freitas enfatiza, ainda, que todo esse conjunto de técnicas é planejado de forma estratégica, levando em consideração a flora nativa da região, o contexto da paisagem e o grau de degradação das áreas. “Quanto mais próximo de um fragmento florestal e menos degradada a área estiver, menor será a intervenção. Por outro lado, áreas mais distantes de áreas florestais exigem maior intensidade de manejo, como o plantio de mudas e sementes para que a área seja reflorestada”.

Financiamento

O Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan) busca por meio de seu Programa de Restauração Florestal financiadores dentro e fora do Brasil. O objetivo é captar recursos identificando empresas e instituições que tenham perfil para investir em áreas de restauração, as quais cerca de 90% das motivações são por responsabilidade social dessas empresas.

Um dos principais financiadores do projeto é a Ecosia — uma empresa de tecnologia sediada em Berlim, na Alemanha. Para cada buscador direciona um aporte financeiro para o plantio de árvore em regiões tropicais. Desde 2017, o Cepan vem colaborando com a Ecosia na realização de projetos de reflorestamento em sete estados do Brasil, tendo plantado mais de cinco milhões de árvores nos biomas Mata Atlântica e o Cerrado. 

Sementes usadas para reflorestamento de 450 hectares foram colhidas por moradores da região, viabilizando a restauração da vegetação nativa e da biodiversidade | Foto: Divulgação/Cepan

Usina faz ações sustentáveis que envolvem a comunidade

A Usina Japungu produz etanol hidratado (utilizado como combustível em veículos) e álcool em gel 70%. Além disso, a agroindústria produz bioenergia — uma instalação que converte biomassa (matéria orgânica de origem vegetal ou animal) em energia elétrica.

O engenheiro ambiental da Usina Japungu, Antônio Campos, enfatiza que a Usina Japungu capacitou 10 moradores da comunidade Lerolândia para coleta de sementes, o beneficiamento e a produção de mudas. “Parte dessa produção é feita pelos colaboradores da Usina e a outra parcela são os moradores da região”. Além disso, a agroindústria ministra cursos de viveirista, produção de mudas e restauração florestal. Dentro desse contexto surgiu o projeto Adote uma Muda, em que crianças de escolas da comunidade acompanham o crescimento da planta até se tornar uma árvore.

Além do projeto em parceria com o Cepan, a Japungu desenvolve outras iniciativas sustentáveis, a exemplo da irrigação por gotejamento e a colheita mecanizada da cana-de-açúcar. De acordo com Antônio Gomes, a irrigação por gotejamento — uma tecnologia agrícola de alta eficiência — vem sendo aplicada na empresa há mais de 16 anos. “Esse sistema permite uma economia significativa de água, na qual o aproveitamento de água chega a 97% e o desperdício a menos de 3%”. A técnica também proporciona ganhos de escala na produção agrícola, dobrando a produtividade. Enquanto na irrigação convencional, a eficiência se limita a 70%.

Outro destaque importante da Usina Japungu é a colheita mecanizada da cana-de-açúcar feita sem a queima da palha. Segundo o engenheiro ambiental, essa técnica traz benefícios significativos ao meio ambiente, pois reduz as emissões de gases de carbono. “Cerca de 60% do cultivo da cana-de--açúcar é mecanizada. Isso contribui diretamente para a preservação da biodiversidade, pois aumenta a umidade do solo e microfauna. Ou seja, um ganho enorme em termos de sustentabilidade”. Tanto é que a Usina Japungu recebe benefício por Redução de Emissão de Carbono na Atmosfera.

Todas as ações ambientais, incluindo as voluntárias, exigem cumprimento de obrigações legais | Foto: Divulgação/Cepan

Compensação ambiental

Alciênia Albuquerque, coordenadora da Divisão de Florestas da Superintendência de Administração do Meio Ambiente( Sudema), considera fundamental essas ações ambientais da iniciativa privada, tendo em vista que elas possuem responsabilidade socioambiental. “As empresas impactam diretamente na pressão dos recursos naturais. Ao desenvolver ações de compensação e de reflorestamento demonstram o interesse e o compromisso com o desenvolvimento sustentável”, ressaltou.

Além de ações ambientais voluntárias, existe o cumprimento de obrigações legais que norteiam essas práticas. “As atividades empresariais no ato da implantação, alteração e/ou ampliação, requerem  uso alternativo do solo, exigindo medidas compensatórias, como a reposição florestal. Isso é cobrado no Código Florestal e indispensável dentro do processo de licenciamento”, completou.

A exigência está prevista na Lei no 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza(SNUC), conforme o artigo 36: “Todo empreendimento de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório — EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação” , diz a lei.

Quando uma empresa é responsável por emissões significativas de gases de efeito estufa, torna-se necessário adotar medidas mitigadoras com o objetivo de reduzir ou compensar esses impactos, conforme explica Alciênia Albuquerque, que também é doutora em Engenharia Florestal. “No âmbito do mercado de carbono, empresas que emitem abaixo de seus limites podem gerar créditos de carbono, os quais podem ser adquiridos por empresas que ultrapassam o limite. Uma das estratégias de mitigação mais utilizadas é a implementação de projetos de restauração ecológica com espécies nativas, que promovem a captura e o sequestro de carbono da atmosfera”, explicou.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 13 de julho de 2025.