Uma das cidades que mais constrói e se urbaniza no país, João Pessoa enfrenta o desafio de crescer sem “cortar” suas raízes. Dados do Censo Demográfico de 2022, do IBGE, mostram que 53,2% das vias da capital paraibana são arborizadas, com pelo menos uma árvore por trecho — número expressivo, mas inferior ao de capitais como Natal (55,2%), Teresina (57,7%) e Fortaleza (59,7%). A taxa também fica abaixo dos 78,4% registrados em 2010, o que traz à tona o impacto que a expansão urbana teve sobre a paisagem pessoense ao longo da última década. Para se ter ideia, a cidade é apenas a 17a mais arborizada do país, segundo o levantamento. E é justamente aí que reside o maior dos desafios da atualidade: estabelecer um modelo de desenvolvimento sustentável que não suprima o verde.
Em meio ao avanço do concreto, algumas das principais vias da cidade já dão sinais de que é hora de repensar o processo de urbanização por aqui. A Avenida Josefa Taveira, em Mangabeira, e o Retão de Manaíra são exemplos de corredores onde o asfalto predomina. Até a Avenida Epitácio Pessoa, cartão-postal da capital, parece menos verde do que há 40 anos — ao menos na memória de quem a viu arborizada de ponta a ponta.
Mas é na Avenida Cruz das Armas, que corta o bairro de mesmo nome, que essa transformação revela--se de forma mais evidente. Com as calçadas tomadas por estabelecimentos comerciais, o espaço para o verde quase desapareceu. Severino Ramos de Albuquerque, que trabalha no Mercado Público do bairro há mais de 10 anos, acompanha de perto essa mudança. “As árvores envelheceram e ninguém fez nada. Não tem mais sombra aqui. A maioria das pessoas derrubou suas árvores nos quintais e ficou muito quente”, conta.
A mesma percepção é compartilhada pelo colega de mercado, Arnaldo da Silva Nascimento, morador do bairro Valentina Figueiredo. Segundo ele, o verde desaparece na mesma velocidade em que os prédios sobem. “Estão arrancando muitas árvores aqui. E, lá onde eu moro, também estão derrubando tudo, fazendo prédios e mais prédios”, diz. O replantio, para ambos, precisa ser um compromisso coletivo, compartilhado entre Poder Público e população.
Para o arquiteto e urbanista Ricardo Vidal, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Paraíba (CAU-PB), o calor decorrente da ausência de sombra não é um mero efeito térmico, mas sintoma de um problema já enraizado. “A arborização não é um detalhe estético, mas parte central do planejamento urbano. Uma avenida bem arborizada é mais agradável de percorrer e valoriza o entorno, equilibrando infraestrutura e qualidade de vida”, reforça.
Como ele explica, quando o verde deixa de acompanhar a expansão da cidade, o resultado é imediato: aumento das ilhas de calor, piora na qualidade do ar e perda da identidade paisagística. Na prática, uma simples árvore consegue reduzir a poluição sonora, melhorar a drenagem local e amenizar o calor, deixando o ambiente muito mais confortável ao pedestre. “E preservação exige manutenção constante, política pública e integração entre urbanismo e meio ambiente”, acrescenta.
Futuro mais verde
A solução, no entanto, não brota do solo sozinha. Um novo ciclo de arborização já está em curso para devolver à cidade o título do passado: o programa João Pessoa + Verde. De olho no futuro, a Prefeitura quer alcançar 500 mil árvores até 2030, requalificando corredores urbanos e recuperando áreas degradadas. Segundo Anderson Fontes, engenheiro agrônomo e diretor de Controle Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente (Semam), apesar do desafio que é equilibrar crescimento urbano com preservação ambiental, a capital ainda mantém uma boa cobertura vegetal, com cerca de 35% a 37% de sua área composta por parques, reservas e unidades de conservação. Já nas ruas e avenidas, estima-se a presença de 250 mil a 300 mil árvores viárias, distribuídas por canteiros, praças e calçadas, dentro de um universo de mais de oito mil vias. “É um bom número para uma cidade com 37% da área verde preservada. Estamos bem”, afirma. Para ele, a proporção entre quantidade de árvores, população — hoje próxima de 900 mil habitantes — e território (210 km²), é satisfatória, mas ainda há espaço para crescer.
Urbanização
Mas o problema não está apenas na quantidade de árvores nas vias pessoenses. Com a expansão urbana, outros fatores têm dificultado a presença do verde na cidade, de calçadas estreitas a canteiros centrais minúsculos, especialmente em bairros que cresceram sem o devido espaço para o plantio. Na Avenida Josefa Taveira, a falta de padronização dos passeios é um dos principais entraves, por exemplo. “É quase impossível ter arborização por lá. Em gestões anteriores, houve um descontrole. As calçadas não existem. É muito difícil fazer um trabalho de rearborização no local, mas não quer dizer que não estamos estudando isso”, explica o engenheiro agrônomo. O mesmo ocorre no Retão de Manaíra, onde o comércio intenso deixou pouca área livre para as raízes.
Por isso, ele reforça que não é “só chegar e plantar uma árvore”, como muita gente acredita, já que cada via exige um tipo de intervenção. “Você abre a cova e encontra tubulação de gás, rede de esgoto ou cabeamento subterrâneo. Não adianta plantar 100 mudas se todas elas morrerem. A arborização precisa ser pensada para durar”, complementa. Na Epitácio Pessoa, por exemplo, o replantio vem sendo guiado por estudos de solo e testes com espécies mais resistentes, assim como nas avenidas Beira Rio e Tancredo Neves, que passam por diagnósticos específicos. Já na Cruz das Armas, a reposição já acontece no canteiro central.
“Plantando” a cidade possível em meio ao concreto
Definitivamente, entre os desafios de “plantar” uma cidade mais verde, o espaço é um dos mais difíceis de resolver — ainda mais em um território em pleno crescimento. Anderson Fontes lembra que boa parte dos bairros antigos de João Pessoa foi construída sem qualquer padrão de passeio, o que, hoje, dificulta o plantio de novas árvores. Já nas áreas mais recentes, a legislação passou a exigir calçadas mais amplas, com 2 m de largura, garantindo espaço tanto para o pedestre quanto para a vegetação. Segundo ele, toda rua ou loteamento novo já segue esse modelo. “Hoje, a cada calçamento concluído, a Prefeitura já entrega a via com a árvore à frente, desde que o morador aceite”, completa.
Essa diferença entre o que foi construído antes e o que está sendo planejado agora revela um problema ainda maior: a falta de integração entre infraestrutura, mobilidade e paisagem urbana. Quem faz o apontamento é o arquiteto e urbanista Ricardo Vidal. Para ele, é preciso abandonar a ideia de que adensamento e arborização são processos opostos. “O crescimento urbano pode — e deve — vir acompanhado de calçadas amplas, arborização planejada e espaços de convivência. Não se trata de escolher entre crescimento ou verde, mas de colocar ambos no mesmo plano de prioridade”, defende. O especialista lembra que a solução passa por revisar a legislação urbanística, a fim de garantir as dimensões adequadas para as calçadas, e tratar a árvore como parte da infraestrutura da cidade. “Calçada não é sobra de terreno, é espaço público essencial para a vida urbana. Se não corrigirmos essa distorção agora, corremos o risco de perder a condição de cidade verde no futuro”, alerta.
Já em bairros consolidados, especialmente nas áreas históricas, ele aponta algumas alternativas criativas, como ruas compartilhadas, niveladas à altura das calçadas, com carros e pedestres circulando juntos; recuos específicos e canteiros lineares no meio-fio, que permitem o plantio de árvores mesmo em vias estreitas. São soluções que, segundo ele, ampliam o espaço de convivência e o fluxo de pedestres sem comprometer a mobilidade. Também é importante considerar o cabeamento aéreo, que muitas vezes inviabiliza o crescimento de espécies de maior porte. “Integrar arborização com calçadas acessíveis, drenagem eficiente e iluminação pública fortalece a função das árvores no conjunto urbano”, finaliza o urbanista.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 12 de Outubro de 2025.