Lembradas por simbolizar transformações e ciclos, as borboletas são objeto de admiração, quando encontradas em áreas verdes ou próximas aos jardins, parques e praças. Outrora avistadas com mais frequência, elas parecem estar bem menos presentes, principalmente no ambiente urbano.
A aproximação do voo de uma borboleta sempre encantou a professora aposentada Maria Silva. “Elas representam renovação e são criaturas muito sutis. Até a década de 1990 e os anos 2010, sinto que as víamos mais, tanto na casa onde eu morava, no Bessa, quanto em algumas outras partes da cidade, mas os aparecimentos foram se tornando mais rarefeitos com o passar do tempo”, contou.
Mudanças habitacionais e de estilo de vida influenciam a percepção. Desde então, ela já morou em três apartamentos diferentes, até se aposentar. “Não sei se foi só o meu modo de vida que mudou, mas percebo a urbanização avançando, com mais ruas asfaltadas, por exemplo, e aí, eu penso, que esses ‘sinais’ da natureza, passam a ser menos vistos no cotidiano das cidades”, relatou.
Esse cenário não é apenas uma impressão, isso se deve à sensibilidade das borboletas às mudanças ambientais. Conforme explica a bióloga e especialista em ecologia, Solange Kerpel, a primeira espécie de borboleta ameaçada no Brasil, Parides ascanius, foi registrada em 1973, pelo ainda IBDF, que foi substituído pelo Ibama, em 1989. A diminuição das populações acontece com os animais, plantas e microrganismos de forma geral, porém, de forma muito intensa com os insetos, que são essenciais para um planeta sustentável.
De lá para cá, a lista só tem aumentado. “Atualmente, 63 espécies de borboletas e uma de mariposa encontram-se em algum grau de ameaça”, os dados são da lista de espécies ameaçadas de extinção do Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade (Portaria MMA no 148/2022). Na Paraíba, de acordo com levantamento, três espécies de borboletas estão ameaçadas: Morpho epistrophus nikolajewna e Morpho menelaus eberti, na Mata Atlântica, e Heraclides himeros baia, no Brejo de altitude.
Uma variedade de fatores contribuem para que uma espécie deixe de existir. “O uso abusivo de agrotóxicos; a perda de hábitat, ocasionada pela urbanização; a substituição de áreas de vegetação natural por áreas agrícolas, a construção de estradas, barragens, complexos solares e eólicos, entre outros; e ainda, as mudanças climáticas que vem acontecendo em ritmo cada vez mais acelerado”, alerta a bióloga.
Mariposas
Borboletas e mariposas pertencem à ordem Lepidoptera; tal nome é derivado da combinação das palavras gregas lepis, que significa escama, e pteron, asa. Há várias características morfológicas e comportamentais que nos ajudam a diferenciar as mariposas das borboletas. “Em geral, as borboletas apresentam antenas clavadas e as mariposas têm diferentes tipos de antenas que vão desde filiformes, com forma de fio, plumosas, até pectinadas, em forma de pena”.
Quando em repouso, as borboletas pousam com asas para cima, enquanto as mariposas com asas para baixo. “Além disso, a maioria das borboletas é diurna, enquanto a maior parte das espécies de mariposas é noturna, porém, na natureza, essas características tem muitas exceções, ou seja, algumas mariposas voando durante o dia e borboletas pousando de asas abertas”.
Ciclo de vida
Como os demais insetos, as borboletas passam por fases e transformações. “Dos ovos, que variam de forma e tamanho conforme a espécie, eclode uma pequena larva. Essa passará por diversas mudas, o que a fará crescer muitas vezes do seu tamanho inicial”.
Para crescer, a larva precisa alimentar-se muito, normalmente das folhas, caules e até flores das plantas. Ela terá que mudar seu exoesqueleto, estrutura de quitina que cobre o corpo. Ao ingerir alimento, a larva, ou lagarta, cresce, e quando o esqueleto não suporta mais seu volume, ocorre a muda por um exoesqueleto novo e maior, que acomoda o corpo crescido.
As mudas ocorrem sucessivamente enquanto a larva cresce, até que passe para a fase de pupa ou crisálida e tenha reservas suficientes para o processo de metamorfose. “Durante a metamorfose ocorrem modificações corporais drásticas que a tornam um adulto, macho ou fêmea. Após emergir da pupa, a fêmea coloca seus ovos reiniciando o ciclo, mas isso só acontece depois de ser fertilizada durante o acasalamento”, explica a pesquisadora.
A pupa, ou crisálida, não se alimenta e permanece fixa a um substrato, muitas vezes camuflada, pois essa forma é bastante vulnerável aos predadores e parasitas. “Durante a metamorfose, ocorrem modificações morfológicas que se refletirão nos novos comportamentos: as borboletas passam de mastigadoras de folhas para sugadoras de líquidos, além de trocar a baixa mobilidade pela capacidade de voar”.
Bicho tem função essencial na natureza
As borboletas têm participação em uma função essencial: a polinização. “Contribui para a conservação dos ecossistemas, ao manter o fluxo gênico das plantas e a garantia da produção de sementes”. Conforme explica a bióloga, esta ocorre quando as borboletas alimentam-se e voam tranportando o pólen de flor em flor, principalmente na sua língua.
O pólen, que é o gameta masculino da flor, é levado ao estigma para encontrar o gameta feminino e fertilizá-lo. “Só após a ocorrência desse processo é que muitas flores vão se reproduzir, ou seja, desenvolver o fruto e produzir sementes”. Estima-se que os insetos polinizadores são responsáveis por garantir a produção de frutos e sementes para 75% dos nossos alimentos, desta forma estão diretamente ligados à nossa segurança alimentar.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) tem se preocupado com a segurança alimentar mundial e dado atenção a esse problema, estimulando os países signatários a reduzir o uso de agrotóxicos e agir em prol da conservação dos insetos polinizadores.
Outro fator de importância ecossistêmica é que as borboletas servem de alimento para aves, mamíferos, anfíbios e répteis, sejam larvas ou adultos. “Entram nas teias alimentares e contribuem para a manutenção da população de animais que também são dispersores de sementes, função essencial para a continuidade da floresta ou qualquer vegetação”, explica Solange Kerpel.
Algumas plantas atraem as borboletas. “São aquelas que produzem néctar, de cores e tamanhos variados, muitas delas em forma de um tubinho que acumula néctar. Plantas da família Asteraceae, em forma de margaridas, caliandrada; e as da família Verbenaceae, como a lantana ou gervão, são ótimas para serem plantadas em jardins”. Ainda, as borboletas visitam as bromélias e plantas frutíferas como o umbú, acerola, flores de jerimum, pepino, melão, melancia etc.
A perda de espécies de borboletas, entre outros insetos, deve preocupar os gestores em todas as esferas. “De fato, há uma preocupação a nível mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo, estimulou países a criar planos de ação”. No Brasil, foi criado, em 2022, o Plano de Ação Nacional Para Conservação dos Insetos Polinizadores Ameaçados de Extinção (PAN Insetos Polinizadores), com vigência até 2027, e que se propõe a promover ações em todo território nacional, com sete núcleos gestores para cada região.
O PAN Insetos Polinizadores contempla 56 espécies de polinizadores ameaçados de extinção, encontrados em 22 estados do Brasil, abrangendo todos os biomas. Nele estão inseridas as borboletas, juntamente com as mariposas polinizadoras e as abelhas. Em relação às borboletas, 63 espécies e uma de mariposa encontram-se com algum grau de ameaça.
ICMBio lidera ações de proteção aos insetos polinizadores em risco
O PAN Insetos Polinizadores reúne ações voltadas à proteção dos insetos polinizadores ameaçados de extinção em todo o Brasil e é liderado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima. Foi elaborado a partir de oficinas on-line organizadas pelo ICMBio, entre 2020 e 2022, e contou com a participação de 277 pesquisadores de 124 instituições federais, estaduais e representantes de municípios.
Tem como objetivo reduzir o risco de extinção dos insetos polinizadores, com ações integradas da sociedade civil e instituições governamentais, promovendo a conservação de seus hábitats e a manutenção das funções e serviços ecossistêmicos de polinização. “Contém oito objetivos específicos e ações definidas para cada um, que vão desde a redução da perda e degradação de hábitat, até o manejo”, descreve Solange Kerpel.
O ICMBio disponibiliza o Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade (SALVE), que funciona como uma plataforma on-line que organiza e disponibiliza informações sobre a fauna brasileira em risco de extinção.
Estado
Na Paraíba, o PRONEX--PB (FAPESQ-PB), é um programa que tem reunido informações geradas pelos pesquisadores de cada grupo taxonômico e está mapeando a biodiversidade da estado, inclusive as borboletas. “Este projeto é importante, porque para preservar inicialmente precisamos saber onde cada espécie habita, para que suas localidades venham ter atenção especial e a sua conservação seja efetiva”, afirma a pesquisadora.
Parte do PRONEX-PB e do Núcleo G2(NG2) do PAN Insetos Polinizadores atua em trechos da Caatinga e da Mata Atlântica do Nordeste. O Laboratório de Ecologia e Interações de Insetos da Caatinga (LEIIC), coordenado pela professora Solange Kerpel, põe em prática ações previstas pelo PAN. “Desempenhados aquelas que estão ao nosso alcance, fazendo pesquisa científica por meio de levantamentos em diferentes localidades e promovendo ações de educação ambiental, sobre a importância da conservação dos insetos polinizadores, destacando sua função social, ambiental e econômica”, descreve.
O trabalho realizado visa a popularização da ciência, com a implantação de jardins nas escolas, e palestras e exposições na região de Patos e em outros municípios incluídos no PARNA Serra do Teixeira. “É importante trabalhar a conscientização nestas áreas, pois em 2011 registramos uma borboleta ameaçada de extinção, que não era vista há mais de 70 anos, Heraclideshimeros baia, uma das espécies alvo do PAN Insetos Polinizadores”, acrescenta a pesquisadora.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 6 de julho de 2025.