Há lugares que não são apenas feitos de concreto, vidro e madeira. São feitos de história, de memória afetiva, de sonhos embalados pelo som das ondas e pela brisa do mar. O Hotel Tambaú é um deles. Agora, depois de anos fechado, o cartão-postal da capital paraibana — idealizado por Sérgio Bernardes e inaugurado na década de 1970 — prepara-se para viver um novo capítulo.
Se tudo correr conforme o planejado, o Réveillon de 2026 para 2027 poderá ser celebrado sob os arcos e curvas do novo Ocean Palace Tambaú, nome que unirá a marca do grupo potiguar AG Hotéis — que já administra empreendimentos de luxo em Natal — com a força simbólica do nome Tambaú, conhecido mundialmente desde os tempos em que figurava nos bilhetes da antiga Varig.
A revelação foi feita, na manhã de ontem, pelo empresário Ruy Gaspar, diretor do grupo, durante entrevista à imprensa, concedida em um hotel da orla do bairro do Bessa. “Estamos trabalhando para isso. Meu sonho é ver o Tambaú reaberto no Réveillon de 2026, com gente se emocionando aqui de novo. O hotel merece, a cidade merece. É um patrimônio que não é só do pessoense ou do paraibano, é do Brasil”, afirmou.
Gaspar está em João Pessoa resolvendo pendências jurídicas e já articulando com arquitetos e engenheiros paraibanos o início do projeto de revitalização. Segundo ele, a ideia é respeitar integralmente a arquitetura original do hotel, considerada “uma das mais lindas do mundo”, como ele mesmo ressaltou. A emblemática fachada, que projetou João Pessoa no cenário turístico internacional, será mantida em sua integralidade. “Só um louco mexeria nisso. A identidade do Tambaú está ali. O que vamos fazer é dar nova vida ao interior, trazer conforto, tecnologia, acessibilidade e serviços modernos, mas sem apagar a história”, garantiu.
O empresário, que já comandou a bem-sucedida revitalização do antigo Hotel Parque da Costeira, em Natal, reconhece o desafio que tem pela frente. O Tambaú está fechado desde 2006, sem qualquer manutenção. Fotografias e inspeções aéreas indicam um estado de deterioração profunda. “É possível que a gente precise de reforço estrutural. Vamos refazer instalações elétricas, hidráulicas, subestação, sistemas de combate a incêndio, tudo. Mas isso não assusta. Pior seria começar do zero. Aqui temos uma base, um ícone a ser restaurado”, explicou.
O projeto arquitetônico será elaborado por profissionais da Paraíba, com estimativa inicial de investimento de R$ 100 milhões, quase três vezes mais do que o valor pago no leilão (R$ 40,6 milhões). A reforma incluirá, além da revitalização dos apartamentos, a construção de um parque aquático com cascatas e rampas integradas ao desenho original, áreas comerciais internas, espaços para eventos corporativos e mudanças funcionais.
Gaspar destacou, ainda, que o modelo de operação do novo hotel não deverá ser all inclusive, como acontece nos outros empreendimentos do grupo. A ideia é manter o restaurante do Tambaú aberto ao público, valorizando a gastronomia local e o prestígio que o espaço sempre teve. O projeto também prevê a geração de empregos. Serão de 250 a 300 postos diretos, além de milhares de vagas indiretas em setores como alimentação, serviços, turismo e construção civil. “Vamos priorizar mão de obra e fornecedores paraibanos. O hotel é da Paraíba e vai ser reconstruído com gente daqui”, frisou.
O Hotel Tambaú fazia parte da Rede Tropical de Hotéis, que pertencia à antiga Varig. A partir de 2006, passou por diversas dificuldades, até fechar as portas em 2020. Em 2020 e 2021, houve leilões para pagamento de dívidas da rede. O local chegou a ser arrematado duas vezes, no entanto, entre polêmicas, desistências e batalhas judiciais a decisão definitiva foi tomada, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), no último dia 13.
Contenda
Em outubro de 2020, o Hotel Tambaú foi arrematado, em leilão, por R$ 40,02 milhões pelo Grupo AG Hoteis. Pouco tempo depois, o grupo desistiu da compra, o que levou à convocação do segundo colocado, o jornalista e advogado paraibano Rui Galdino, que teria feito um lance de R$ 40 milhões.
Contudo, Galdino afirmou que seu lance real teria sido de R$ 15 milhões e também renunciou do negócio. Diante do impasse, a Justiça determinou a realização de um novo leilão. Antes que isso ocorresse, Galdino decidiu pagar os R$ 40 milhões, efetuando o sinal e a comissão do leiloeiro. No entanto, não honrou as parcelas restantes, comprometendo a compra.
Em fevereiro de 2021, o Grupo AG venceu o segundo leilão com um novo lance de R$ 40,6 milhões. A empresa pagou a primeira parcela e dividiu o restante em 80 vezes. Enquanto isso, Rui Galdino foi substituído no processo pelo empresário e ex-deputado paraibano André Amaral, sócio da Ampar Hotelaria.
Em junho de 2022, a Ampar quitou todas as pendências do primeiro leilão, inclusive impostos e taxas, e formalizou a documentação para consolidar a posse do imóvel. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro anulou o segundo leilão e reconheceu a validade do primeiro, confirmando a vitória de Rui Galdino.
Contudo, o Grupo AG Hoteis recorreu ao STJ, alegando que a Ampar não havia participado do leilão. Mesmo diante do impasse judicial, o grupo continuou pagando as parcelas do segundo leilão. Em decisão final, o STJ deu ganho de causa ao Grupo A. Gaspar, concedendo à empresa o direito de posse definitiva do Hotel Tambaú, encerrando a disputa após cinco anos.
“Essa demora prejudicou todo mundo. João Pessoa deixou de arrecadar impostos, de gerar empregos. Mas agora, com a decisão do STJ, temos segurança jurídica para seguir adiante. Já estamos em campo, conversando com a Prefeitura, com arquitetos, com técnicos. Vamos fazer tudo dentro da legalidade e com transparência”, finalizou Gaspar.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 21 de maio de 2025.