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ódio nas redes

Jovem é acusado de incitar violência

publicado: 29/10/2025 08h37, última modificação: 29/10/2025 08h37
Caso ocorrido em Santa Rita expõe os limites da liberdade de expressão na internet, conforme a legislação
Polícia Civil cumpre mandado contra jovem que incentivava violência contra minorias pelas redes sociais2.jpeg

Investigado teria estimulado homicídios | Fotos: Divulgação/PCPB

por Priscila Perez*

Equipes da Polícia Civil da Paraíba (PCPB) cumpriram, ontem (28), no município de Santa Rita, que fica na Região Metropolitana de João Pessoa, um mandado judicial de busca e apreensão na residência de um jovem de 18 anos, suspeito de incentivar crimes sexuais e assassinatos, por meio das redes sociais. As postagens que deram origem à denúncia tinham como alvo mulheres, bebês e pessoas LGBTQIA+ — grupos pelos quais, segundo as investigações preliminares, o acusado afirmava nutrir sentimentos de ódio.

Além de chamar atenção pelo discurso extremista e pela incitação explícita à violência, o caso serve de alerta para os riscos da banalização do ódio on-line. Mas, afinal, é possível responsabilizar quem ofende ou incentiva esse tipo de crime na internet? O consenso diz que ninguém está acima da lei. 

A Polícia Civil cumpriu ordem de busca e apreensão, ontem (28)

Responsabilização

Para a advogada Fernanda Carvalho, especialista em Direito Cível e Digital, o caso é um exemplo claro de como o ambiente virtual está sujeito à legislação penal. “A conduta de compartilhar conteúdo incentivando crimes sexuais ou assassinatos pode, sim, ser enquadrada em diversas leis, mas depende muito da especificidade do conteúdo e da intenção de quem compartilhou”, explica. Mesmo assim, ela destaca que o simples ato de induzir ou incentivar publicamente alguém à prática de um crime já é, por si só, uma conduta criminosa prevista no Código Penal — mesmo que o autor “tenha apenas falado algo”. 

Além disso, quando essa provocação é direcionada a uma pessoa específica e resulta em danos psicológicos graves ou até em suicídio, a responsabilização é ainda mais severa. Casos de cyberbullying e exposição pública, que levam a constrangimentos ou humilhações continuadas, também entram nessa categoria. Na prática, além de responder pelo discurso de ódio, o indivíduo também é responsabilizado pelo crime quando for praticado. “Ele foi incentivando e xingando até o ponto de aquela pessoa vir a se suicidar. Então, sim, ele vai responder por essa indução ao crime”, exemplifica. Em outras palavras, conforme Fernanda, a legislação não trata apenas da ação propriamente dita, mas também da “palavra” que instiga o ato violento. E quem provoca dessa forma responde como quem participou do ato, já que, no contexto digital, uma publicação pode alcançar milhares de pessoas em segundos.

De acordo com a Delegacia de Crimes Cibernéticos (Decc), o jovem de Santa Rita utilizava perfis em redes sociais para estimular outras pessoas, inclusive de outros estados, a praticar atos de violência sexual e homicídio. Durante o cumprimento do mandado, as autoridades apreenderam um aparelho celular, que passará por perícia técnica para extração de dados. À família, o jovem teria confessado ser o autor das postagens. O caso segue em investigação.

Tipificações

A especialista em Direito Digital reforça que existe uma diferença essencial entre liberdade de expressão e discurso de ódio. Uma opinião pode gerar desconforto, mas ofensas direcionadas causam sofrimento real às vítimas, sobretudo quando envolvem grupos vulneráveis como mulheres, crianças e pessoas LGBTQIA+. Casos assim, segundo Fernanda, podem ser enquadrados como crimes de injúria, calúnia, difamação, preconceito ou misoginia, além de ferirem direitos constitucionais à honra, à imagem e à dignidade humana. Ela lembra que a Constituição Federal garante o direito de se expressar, mas impõe limites claros.

“Precisamos entender que rede social não é um lugar onde se pode falar o que bem entender. Ao incitar crimes, o indivíduo deve, sim, ser responsabilizado. Nenhum direito é absoluto”, ressalta, lembrando que muita gente ainda tenta enquadrar esse tipo de conduta como liberdade de expressão.

Advogada orienta como agir diante de caso similar

Mas, afinal, o que fazer quando nos tornamos vítimas de discurso de ódio ou nos deparamos com publicações que incentivam a violência? A orientação da advogada é clara: registrar e preservar as provas desde o primeiro momento. “O print é importante, mas o ideal é fazer uma ata notarial em cartório. Ou seja, o próprio cartório registra o que está naquela tela, incluindo o conteúdo compartilhado e os comentários feitos. Também é fundamental salvar os links e registrar Boletim de Ocorrência, que pode ser feito on-line”, detalha.

Fernanda recomenda, ainda, que a vítima procure um advogado especializado ou a Defensoria Pública, para adotar medidas que vão desde a remoção imediata do conteúdo até a identificação de perfis falsos. “Hoje, muita gente se acha no direito de criar um perfil fake para esconder a identidade e causar danos. Mas existem, sim, meios de quebrar esse anonimato e responsabilizar quem está por trás do constrangimento”, afirma.

A especialista enfatiza que é fundamental não se omitir diante da violência digital, já que, quanto antes a vítima agir, mais fortes serão as provas. “Não existe isso de ‘não dar em nada’. Eu tenho diversos processos judiciais que resultaram em quebra de sigilo de dados e em condenações criminais por constrangimentos cometidos no ambiente digital”. De acordo com ela, a dica é: assim que o problema surgir, reunir todos os documentos possíveis, porque só um conjunto consistente de provas dá sustentação a uma ação judicial, seja ela cível ou criminal.

Vale lembrar que qualquer cidadão que encontre conteúdo criminoso na internet pode — e deve — comunicar a ocorrência às autoridades, seja recorrendo à delegacia física ou canais virtuais, como o site.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 29 de outubro de 2025.