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Linhas de créditos incentivam trabalho rural comunitário

publicado: 18/08/2025 08h46, última modificação: 18/08/2025 08h46
Quase 600 famílias receberam R$ 8,4 milhões para infraestrutura e produção agrícola, em todo o estado
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Geraldo Gomes, produtor rural da comunidade Senhor do Bonfim, cuida de sua horta | Foto: Arquivo pessoal

por Bárbara Wanderley*

Comprar sementes, animais, maquinário, pagar mão de obra. Viver de agricultura tem seus custos, mesmo que a terra tenha vindo gratuitamente. Para auxiliar os recém-assentados a se estabelecerem, o Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) disponibiliza recursos que permitem a instalação em um assentamento e o desenvolvimento de atividades produtivas. O chamado Crédito Instalação é a primeira etapa de financiamento garantida pelo Instituto de Reforma Agrária (Incra) às famílias.

Na Paraíba, o Incra liberou, em julho, R$ 8,4 milhões em Crédito Instalação para 589 famílias de 22 assentamentos da reforma agrária e quatro comunidades quilombolas localizadas nas regiões do Agreste e do Sertão do estado.

“Os créditos produtivos do Incra para famílias assentadas e quilombolas geram significativo impacto social, promovendo o aumento da produção de alimentos e a melhoria da qualidade de vida. Além disso, a construção de moradias dignas eleva a autoestima e fortalece a dignidade dessas comunidades”, relatou Antônio Barbosa Filho, superintendente do Incra na Paraíba.

Uma das comunidades quilombolas beneficiadas foi a de Senhor do Bonfim, localizada no município de Areia, Brejo paraibano, onde 18 famílias receberam moradias. Esse foi o primeiro território quilombola do estado a receber casas do instituto, construídas com recursos do Crédito Instalação na modalidade Habitacional — contando com um investimento de R$ 1,35 milhão.

As casas, feitas de alvenaria, possuem 64 m², distribuídos em varanda, sala, cozinha, dois quartos, um banheiro e lavanderia. As próprias famílias beneficiadas escolheram a planta da edificação, gerenciaram o dinheiro e acompanharam todo o processo de construção por meio da Associação dos Pequenos Produtores de Timbaúba e Araras (Appta), entidade credenciada pelo Incra para a elaboração e a execução das obras.

A maioria das 45 famílias da comunidade já obteve o Crédito Instalação na modalidade Apoio Inicial, no valor de até R$ 8 mil, para a compra de itens de primeira necessidade, bens duráveis de uso doméstico e equipamentos produtivos. Os quilombolas também puderam acessar as modalidades Semiárido (até R$ 16 mil) e Fomento Mulher (até R$ 8 mil).

O agricultor Geraldo Gomes de Maria, morador da comunidade Senhor do Bonfim, contou que, com o crédito que conseguiu junto ao Incra, adquiriu sementes e adubação para sua plantação de laranjas e bananas, além de um garrote para criação. “Na agricultura, não podemos fazer uma coisa só, senão a gente não sobrevive”, pontuou Geraldo.

Trabalhando no cultivo da terra desde os nove anos de idade, o agricultor disse, ainda, que precisava expandir sua produção e o crédito, que recebeu no mês passado, chegou em boa hora. “Já estava ficando preocupado em perder o período da chuva”, contou o morador da comunidade Senhor do Bonfim, complementando que ele e seus colegas de assentamento, além do plantio, também investiram em maquinário, irrigação e criação de bovinos.

Os quilombolas conseguiram, ainda, um crédito para instalação de energia solar, mas este último chegou por meio do Governo do Estado.

Financiamento público impulsiona assentamento há 29 anos

O assentamento Dona Antônia, localizado no município do Conde, Litoral Sul da Paraíba, existe há 29 anos e hoje abriga 110 famílias, conforme explicou o presidente da Associação de Agricultores do assentamento, Allan Kardec Matias, mais conhecido como Jangada. Segundo ele, “na época da divisão das terras, os agricultores tiveram acesso a diversas linhas de crédito, que foram essenciais para começar e melhorar a produção”.

Tubérculos, como macaxeira, são cultivados nas plantações | Foto: Roberto Guedes

De acordo com a secretária da Associação, Betânia Santos da Silva, os créditos foram usados para começar a explorar a terra, cada um à sua maneira. “Muitos começaram a comprar sementes, pagar mão de obra que não tinha, fazer o serviço de maquinário, comprar animais para criar. Então, ajudou muito”, disse. Posteriormente, já como associação, eles conseguiram crédito do Empreender Paraíba para aquisição de um trator.

O agricultor Ernande Herminegildo Santos, conhecido na região como Baiano, contou que sempre teve receio de pegar os empréstimos específicos para a produção rural e depois ter dificuldade para pagar, por ser uma área de atuação muito incerta.  “Agricultura, às vezes, está bom, às vezes não”, comentou. Apesar disso, ele lembra que há algum tempo sua esposa teve acesso ao Pronaf Mulher, linha de crédito do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf) e foi de grande ajuda para os dois.

Para driblar as dificuldades, Herminegildo tenta diversificar a produção. Além de plantar tubérculos e raízes, como batata doce e macaxeira, completamente orgânicos, ele também produz, de forma artesanal, farinha, goma de tapioca e queijo coalho. Nada se perde, os restos da produção de farinha e goma servem de alimento para os animais do sítio — vacas, galinhas e um jumento.

“Eu trabalho com tudo natural, não uso agrotóxico, nada químico. Comercializo vários tipos de culturas, leite, goma, farinha, batata doce, milho, macaxeira, sempre varia, o que sair melhor vai ser vendido. É assim, porque não plantamos só uma cultura, sabe? Tem que cultivar várias coisas, um pouquinho de cada um até chegar no pirão completo”, disse o agricultor.

Acesso

O Crédito Instalação conta com 10 modalidades: Apoio Inicial, Fomento, Fomento Jovem, Fomento Mulher, Semiárido, Florestal, Recuperação Ambiental, Cacau, Habitacional e Reforma Habitacional.

Para ter acesso a qualquer uma das modalidades, a família deve estar em situação regular na relação de beneficiários e com seus dados atualizados junto ao Incra; estar inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico); não possuir pendências de inadimplência no Sistema Nacional de Concessão de Créditos de Instalação (SNCCI); e ter firmado título provisório ou definitivo, no caso de famílias assentadas em projetos criados pelo Incra.

Além disso, é exigida a elaboração de um projeto técnico, que detalhe a atividade produtiva a ser desenvolvida. A única exceção é a modalidade Apoio Inicial, que não requer esse tipo de planejamento. O projeto deve ser feito por um profissional habilitado, que pode ser um servidor do Incra, representante de prestadoras de assistência técnica ou órgãos públicos ou integrante de organizações da sociedade civil, que façam parceria com o instituto.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 17 de agosto de 2025.