A locomoção entre vias e bairros até um destino final exige soluções viáveis, sobretudo em um contexto desigual de busca por mobilidade eficiente. Nesse cenário, o crescimento da frota de motocicletas é um dos indicadores da reconfiguração da mobilidade urbana no país.
De acordo com dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), até junho de 2025, João Pessoa registrava 137.539 motocicletas em circulação, contra 129.945 no mesmo período de 2024 — um aumento de 5,8% em um ano. O uso das motos como alternativa em plataformas de transporte, como Uber e 99, também se insere nesse contexto, com adesão expressiva de condutores e usuários.
A atuação dos mototáxis por aplicativo, segundo a geógrafa, professora e pesquisadora do Departamento de Geociências da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Andréa Porto Sales, enfrenta um “limbo” regulatório. Ela explica que a Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de João Pessoa (Semob-JP) considera o serviço ilegal e realiza fiscalizações e autuações.
Dados da Secretaria Nacional de Trânsito e do portal Cidades, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que, em julho de 2023, João Pessoa possuía 126.733 motocicletas em circulação — um aumento de 47% em relação a 2013, quando eram 86.219. De acordo com Andréa, esse crescimento é resultado de uma combinação de fatores: a busca por alternativas ao transporte público, vantagens em custo e tempo, e a possibilidade de gerar renda por meio do transporte de pessoas e mercadorias.
A escolha do modal de transporte em João Pessoa envolve fatores geográficos e de classe. De acordo com Andréa Porto Sales, a análise dos fluxos de deslocamento revela um padrão claro: uma grande massa de trabalhadores sai diariamente da zona Sul e de cidades-dormitório da Região Metropolitana, como Bayeux e Santa Rita, em direção às zonas Central e Norte da capital, onde concentram-se os empregos e serviços.
A geógrafa destaca que a redução de linhas, a superlotação e as tarifas consideradas altas são reclamações frequentes entre usuários do transporte coletivo. Nas áreas mais afastadas do Centro, como a Zona Sul, a falta de confiabilidade do sistema público de transporte reforça a percepção de ineficiência. Nesse contexto, a agilidade das motos para escapar de congestionamentos representa ganho de tempo e, para muitos, também retorno financeiro.
A pesquisadora ainda explica que o aumento no número de motocicletas e na circulação de passageiros por aplicativo não é causa, mas consequência direta dos problemas de mobilidade. Para ela, trata-se de uma resposta da população à busca por eficiência, economia e pelo direito de ir e vir — algo que o transporte público não tem garantido de forma satisfatória. “Criminalizar ou ignorar a presença massiva deste meio de transporte é fechar os olhos para uma realidade consolidada e para as necessidades de milhares de cidadãos que dele dependem”, argumenta a especialista.
O planejamento urbano, segundo Andréa, precisa incorporar o espaço da moto de forma inteligente e segura, o que passa pela regulamentação da atividade de mototáxi e pela criação de infraestrutura adequada. Ela cita campanhas de educação no trânsito e até a possibilidade de permitir a circulação de motos em faixas exclusivas de ônibus, como já foi proposto na Câmara Municipal.
A normatização do transporte de encomendas em motocicletas, lambretas, motonetas e similares em João Pessoa é regida pela Lei Municipal no 8.210, de 1997, que proíbe, em seu artigo 3o, o transporte remunerado de passageiros. Sem atualização dessa regulamentação, a atividade de mototáxi na capital funciona atualmente por força de liminar judicial obtida em ação coletiva. De acordo com a Semob-JP, continuam valendo as fiscalizações das regras de trânsito aplicáveis a qualquer veículo do tipo, enquanto questões relacionadas à relação entre passageiro e transportador ficam sob responsabilidade dos aplicativos.
Agilidade e economia atraem, mas índice de acidentes preocupa
- No primeiro semestre, 78,5% do casos de acidentes no Hospital de Trauma envolveram motos | Foto: Marco Russo/Arquivo A União
O transporte por aplicativo, que reúne motoristas de carros e, mais recentemente, de motos, já se consolidou como opção de locomoção nas cidades brasileiras. Segundo dados do módulo “Teletrabalho e Trabalho por Meio de Plataformas Digitais” da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), em 2022 o Brasil contabilizava 1,5 milhão de pessoas atuando por meio de plataformas digitais e aplicativos de serviços. Desse total, 52,2% — o equivalente a 778 mil trabalhadores — tinham como atividade principal o transporte de passageiros por aplicativo.
Pelo menos uma vez por dia útil, a arquiteta Camila Marcelino de Almeida utiliza o transporte por moto em aplicativo. Recém-formada, atua como atendente em uma empresa de telemarketing pela manhã e, no turno da tarde, como arquiteta e urbanista em um escritório. “O deslocamento até o trabalho matinal, no bairro José Américo, é feito com o Uber Moto, que, vez ou outra, também me leva ao segundo local de trabalho, no Altiplano”, relata.
Para Camila, a necessidade diária de percorrer extensas distâncias é um fator determinante na escolha do meio de locomoção. “Acabei me rendendo, pelo preço, praticidade, e por ser mais fácil que as corridas sejam aceitas em menos tempo. Normalmente, utilizo mais para ir trabalhar. Em outros momentos de lazer e passeios, eu prefiro o carro por aplicativo, ou o ônibus”, conta.
Apesar de considerar o serviço eficiente para o dia a dia, Camila admite desconforto com o uso frequente de motocicletas por aplicativo. “Honestamente, me sinto bastante insegura. Se tivesse opção, preferiria o carro ou o transporte público, pois tenho ouvido, cada vez mais, relatos de acidentes”, afirma.
Alternativa ao coletivo
Usuária também do transporte coletivo, ela aponta a falta de integração entre as linhas de ônibus como um problema recorrente. “As rotas mais afetadas são aquelas em que, para chegar a um bairro, é preciso pegar mais de um ônibus ou esperar muito tempo por determinada linha. Soma-se a isso a insegurança nas paradas e a falta de iluminação noturna em alguns pontos”, acrescenta.
Segundo a Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de João Pessoa (Semob-JP), o Sistema de Transporte Coletivo Convencional conta atualmente com 79 linhas, dois mil pontos de parada e uma frota de 482 veículos, com idade média de 6,4 anos. A média mensal de passageiros transportados é de 4.441.452, e a tarifa atual é de R$ 5,20.
Para o diretor institucional do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros no Município de João Pessoa (Sintur-JP), Isaac Júnior Moreira, a valorização do transporte coletivo é essencial para melhorar a mobilidade. “Ele é a alternativa mais ecológica e ambientalmente aceitável. Por transportar mais pessoas por viagem, polui menos e, ao retirar veículos das vias, contribui para que o trânsito flua melhor. João Pessoa possui hoje a terceira frota mais nova de toda a Região Nordeste”, relata Isaac.
A ilustradora Rayane Braga informa que, no auge, costumava utilizar o transporte por moto em aplicativo até nove ou 10 vezes por semana, especialmente para ir ao trabalho. “Passei a usar com mais frequência no fim do ano passado, quando comecei a trabalhar perto de casa. O valor era mais baixo que a passagem de ônibus, compensava financeiramente e eu chegava mais rápido no local. Era mais cômodo e prático. Também usava em trajetos curtos, sobretudo para ir visitar amigas”, conta.
Perigo
A percepção de insegurança, no entanto, cresce diante dos números de acidentes. No primeiro semestre deste ano, 78,5% dos atendimentos por acidentes de trânsito no Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena envolveram motociclistas. Do primeiro semestre de 2022 ao mesmo período de 2025, os casos aumentaram de 3.779 para 4.792. De acordo com o Relatório Anual da Coordenação do Registro Nacional de Acidentes e Estatísticas de Trânsito (Renaest), do Detran-PB, em 2024, 77,9% dos acidentes letais na Paraíba tiveram como vítimas ocupantes de motocicletas.
A preocupação com a segurança também alterou hábitos. Rayane afirma que evitava a moto quando o trajeto incluía rodovias. “Alguns amigos próximos sofreram acidentes, mesmo em percursos curtos, e isso me deixou em alerta. Utilizava a moto nesses trajetos, mas hoje tenho preferido o carro, que me dá maior sensação de segurança. Também recorro ao transporte público para ir ao trabalho, pois me sinto mais tranquila andando de ônibus, um tipo de veículo muito mais seguro”, relata.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 17 de agosto de 2025.