“Filhos, filhos? Melhor não tê-los! Mas, se não os temos, como sabê-los?”, provocou o poeta Vinicius de Moraes. Mas o jovem casal Juliana Cardoso e Vitor Barbosa preferem não saber. Com 26 e 29 anos, respectivamente, moram juntos e dividem as obrigações da vida adulta. Contas a pagar, famílias para acompanhar e planos futuros são parte da rotina. Menos a presença de filhos. Para eles, gerar uma vida e criar uma pessoa desde a infância, passando pela adolescência até a vida adulta demanda muita responsabilidade, e pesa na hora de fazer a escolha. “Acho que tem várias coisas que temos que abrir mão, o lance de grana, de não poder fazer mais certas coisas, por exemplo, viajar tanto. Essas limitações é o que não queremos para nossa vida”, explica Vitor. “A vida está muito difícil, por mais que você faça tudo certinho em casa, não faz sentido colocar uma criança neste mundo. Considero egoísta querer ter [filhos] apenas para que os genes se multipliquem”, alinha Juliana.
A opção do casal em não procriar, segue a lógica observada no número de nascimentos, em queda, tanto localmente quanto nacionalmente. Segundo levantamento realizado pelo Jornal A União, a partir de dados da Associação dos Notários e Registradores da Paraíba (Anoreg-PB), o estado apresentou um decréscimo de 5,4% no número de nascimentos nos meses de janeiro e abril dos anos de 2024 e 2025. No comparativo dos últimos cinco anos, ou seja, de 2021 a 2025, também houve uma diminuição, são 12% a menos de nascimentos. Em 2022, inclusive, a Paraíba foi o estado com a maior taxa de redução no território brasileiro, 10%. Nacionalmente, no comparativo entre 2022 e 2023,a queda foi de 0,7% para todo o país.
Mulheres empregadas
Juliana considera que a visão da sociedade sobre filhos começou a mudar a partir da experiência com o mercado de trabalho. “Não faz sentido ficar cuidando dos filhos e da casa. Acaba que a mulher se sente muito sobrecarregada. Por mais que ela esteja inserida no mercado, o parceiro não entende que ele também tem que se dispor 100% para a criança, acho que as pessoas têm falado mais sobre isso”.
Vitor, por sua vez, aponta que as decisões podem variar, até em um mesmo contexto de criação — mas que a questão geracional pesa. “Vai muito do ambiente e do meio em que a pessoa cresce. Há diferenças entre eu e minha irmã, por exemplo, porque, por mais que ela seja muito mais nova, vê isso como um plano de vida, crescer, casar, ter filhos. Mas eu vejo que a galera da nossa idade, talvez não esteja nessa onda de querer cuidar de uma criança”.
A professora de Estatística e coordenadora do Laboratório de Estudos Demográficos da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Everlane Silva coaduna com a perspectiva apontada por Juliana. “Tem influência das mulheres que, inseridas no mercado de trabalho, querem logo organizar essa parte da vida e pensam em ter filhos cada vez mais tarde. A fecundidade adolescente no Brasil também vem passando por declínio. Tudo isso contribui para esse cenário de queda nos números de nascimentos. Na pandemia, como era esperado, teve uma diminuição importante. Então ficou a aposta: será que depois desse período, vai ter uma recuperação grande desse número? Mas não é observado. Há alguns anos se mantém essa tendência de queda”. Outro aspecto apontado pela professora é o de que, mesmo em cidades menos desenvolvidas, onde normalmente a taxa era mais alta que a média, os números de nascimentos também têm decrescido.
Esse é um dos pontos reforçados pelo geógrafo e pesquisador da UFPB Sinval Almeida. À medida que a mulher acessa o mercado de trabalho, vai ganhando independência e autonomia econômica, conforme explica. Com isso, ela passa a ter decisões próprias, o que atinge a fecundidade, tendo vista que decide se vai querer ter filhos, quantos serão e como isso vai interferir em sua vida profissional, na sua incorporação no mercado de trabalho e autonomia. “Não será mais aquela mulher que apenas cuida da casa e faz filho, como na sociedade do século 19, totalmente patriarcal, da mulher ter muitos filhos durante o período da fertilidade completa, que vai de 15 aos 45 anos”.
Conhecimento
Outro fenômeno é o aumento da escolaridade. Segundo lembra o docente, desde a chegada da família real ao Brasil Colônia, a taxa de analfabetismo vem decrescendo gradualmente, com diminuição intensa detectada no último século. Em 1900, 85% da população brasileira era analfabeta. Atualmente, essa taxa está em cerca de 7%. “Na medida em que você diminui o analfabetismo, você também aumenta a escolaridade. Uma população mais consciente, mais informada, tem tendência a ter menos filhos”, explica. Mais conhecimento também leva a uma sociedade com menos tabus, como a virgindade, e com papeis sociais menos definidos, como a mulher progenitora e o homem viril. Associa-se a isso, ainda mais investimentos em políticas públicas do Estado voltadas para ampliação e generalização das técnicas contraceptivas.
O pano de fundo de todos esses pontos, fator apontado, por Almeida, como preponderante para essas transformações, é o processo de urbanização — que influencia diretamente no bolso de quem (não) pensa em ter filhos. “A criança no campo, quando o país é rural, é um braço a mais, agrega trabalho ao contexto familiar. Na cidade, a criança é uma boca a mais, é dependente da família. Então na cidade, a criança é muito cara. A escola, o transporte, o uso do solo, morar, divertir-se. Tudo é caro na cidade. Isso tem um rebatimento demográfico”, analisa o geógrafo.
Nesse ponto os calos de Juliana e Vitor também apertam. “A gente tinha justamente a ideia de crescer, fazer faculdade, casar, comprar uma casa, cumprir aquelas etapas certinhas, porém, hoje em dia está tudo meio do avesso. A economia está ruim, ninguém consegue comprar uma casa, casar. Não existe mais aquele papel da mulher dona de casa cuidando dos filhos, simplesmente porque a grana não dá”, expõe Juliana.
Quantidade de óbitos reduz e idosos vivem cada vez mais
No levantamento realizado pelo Jornal A União, foi verificado que houve queda, também, no número de óbitos na Paraíba. Nos quatro primeiros meses de 2024 e 2025 foram contabilizados, respectivamente, 10.195 e 9.600 mortes, um decréscimo de quase 6% de um ano para o outro.De 2021 até agora pode-se perceber uma reduçaõ de 20% na quantidade de mortes. “Avanços médicos e tecnológicos dão expectativa de vida maior à população, por consequência, a gente vai vendo a diminuição do número de mortes. É um fenômeno de envelhecimento populacional”, explica a estatística Everlane Silva.
Não se trata de um resultado inovador ou surpreendente, pois a tendência nacional também tem sido de queda no número de óbitos. No Brasil, em 2023 houve uma redução de 5% no número de óbitos em relação a 2022. A Paraíba, no mesmo ano, ficou em 1o lugar no ranking na comparação às demais unidades federativas, com queda de cerca de 12%. “É claro que o Estado, cada vez mais, tem desenvolvido políticas para melhorar a qualidade de vida da população idosa. E ela mesma vem criando resistência, estratégias, ginástica, melhor habitação, inclusão e conscientização da vida”, explica o geógrafo Sinval Almeida.
É com essa consciência que age, na vida, a coordenadora do grupo Creusa Pires, Shillon Gama, que também acompanha outros grupos de pessoas idosas. Ela diz que a estratégia de um envolvimento mais ativo em coletivos e formas comunitárias tem aumentado a qualidade do grupo e a sua longevidade. “Tem pessoas no nosso grupo que dizem: ‘Aqui é a minha segunda família’. Nossa vida melhora muito, ficamos com mais entusiasmo, nos sentimos felizes, vivos. No grupo somos gente, temos palavra, temos decisões”, coloca.
No mesmo sentido pensa Severina Ferreira, Miss Simpatia Longevidade 2023 e Miss Longevidade 2024. “Minha vida mudou, completamente para melhor, com as pessoas do grupo de que participava e participo também. Só me dão coisas boas. A gente sempre procura viver o melhor, saúde para ter mais vida, fazer muitas atividades de ginástica, dançar, academia. Vejo assim. Há muitas amigas que não iam, estão indo, estão melhorando e estão gostando”, afirma.
No entanto, segundo o pesquisador Sinval Almeida, ao contrário do número de nascimentos, cuja tendência é manter-se decrescente em todo o globo, o número de óbitos, embora em queda, deve voltar a subir. “Cada vez mais, idosos têm mais qualidade de vida, mas a verdade é que, com o envelhecimento demográfico, as taxas de óbitos vão caindo, até chegar a um patamar no qual voltam a aumentar lentamente. Não muito, mas voltam a aumentar, porque o normal é viver e morrer velho”, conclui o professor.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 08 de junho de 2025.