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Horta do Timbó

Obras atingem espaço comunitário

publicado: 18/07/2025 08h44, última modificação: 18/07/2025 08h44
Projeto criado por jovens da periferia teve parte do terreno ocupado para construção de centro recreativo da CMJP
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A iniciativa surgiu como uma atividade de extensão da Universidade Federal da Paraíba e ganhou maiores proporções com o engajamento da comunidade | Foto: Roberto Guedes

por Lilian Viana*

O que começou como uma iniciativa de jovens da periferia para enfrentar a insegurança alimentar e o abandono público, hoje é símbolo de resistência — e também de conflito. A Horta Comunitária do Timbó, localizada no bairro dos Bancários, em João Pessoa, teve parte de sua estrutura destruída no dia 14 de junho deste ano. No local, será erguido um centro recreativo da nova sede da Associação dos Servidores da Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP), obra orçada em quase R$ 2,9 milhões. Segundo os organizadores do projeto, a ação foi realizada sem aviso prévio ou diálogo com eles.

O episódio gerou indignação entre moradores, ativistas ambientais e integrantes da Horta Comunitária, que desde 2022 transforma um terreno urbano em espaço educativo, agroecológico e comunitário. De acordo com Tamires Amorim, líder do coletivo, a destruição não é apenas o fim de uma plantação, mas o rompimento de um processo de pertencimento e transformação social. “Onde eles veem só terra, a gente vê vida”, resume Tamires.

Um morador da região, que preferiu não se identificar, confirmou a versão dos jovens. “Havia plantação, sim. Era bem grande, até o fim desse terreno. Tinha plantação de tomate, batata, macaxeira, feijão. Muita coisa. Destruíram tudo. Acho que não tem mais como fazer nada ali”, lamentou. O Centro Acadêmico de Geociências da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) também se posicionou publicamente em defesa da Horta Comunitária, assim como instituições e movimentos sociais locais.

A horta nasceu como ação de extensão da UFPB, coordenado pela professora Vicentina Anunciação e por Tamires, bolsista do projeto na época. Após o encerramento da vinculação institucional em 2024, a iniciativa passou a ser mantida de forma voluntária, com encontros semanais e a participação ativa de mais de 15 crianças e adolescentes da Comunidade do Timbó.

Segundo os organizadores, as plantações foram construídas com apoio da comunidade, por meio de mutirões, doações e trabalho voluntário. O espaço, cedido informalmente por José Humberto, proprietário do terreno onde também funciona o Lar da Criança, é considerado um território educativo e símbolo de justiça ambiental e social. “A horta virou ponto de encontro, espaço educativo, refúgio comunitário. É mais do que solo, é símbolo de luta e dignidade”, afirma Tamires.

No ano passado, a Horta do Timbó conquistou reconhecimento dentro e fora do Brasil. Representantes do projeto participaram do Climate Justice Camp, na Tanzânia, onde apresentaram a experiência de jovens periféricos na luta contra a insegurança alimentar com base na agroecologia. Neste ano, a iniciativa foi contemplada com um financiamento internacional, para garantir bolsas de estudo para seis jovens da comunidade, além de ferramentas e estrutura para as atividades.

Câmara Municipal informa que não havia horta no local

De acordo com a Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP), a área onde as máquinas operaram não correspondia ao espaço da horta e o terreno — com escritura pública — foi doado legalmente para a construção da sede da Associação dos Servidores.

Segundo informações repassadas pela instituição, o espaço de 5 mil m2 — parte de uma área pública total de 20 mil m2 — será usado não apenas para fins institucionais, mas também em benefício da comunidade. Haverá práticas esportivas, como futebol e natação, além de atividades educacionais e de saúde, tudo sem ônus para o cidadão. A instituição afirma, ainda, que o espaço será arborizado.

A Câmara questiona também o uso atual de parte do terreno, mencionando que a chamada “Arena Bancários” funcionaria com locações de equipamentos esportivos sem transparência sobre os recursos arrecadados.

A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano de João Pessoa (Sedurb), para esclarecer os critérios de cessão da área à Câmara Municipal, bem como o histórico de uso do terreno por parte do projeto da Horta do Timbó e da Arena dos Bancários. Até o fechamento desta edição, não houve resposta.

Pedidos e mobilização

No último dia 14 de julho, os voluntários foram recebidos pelo vereador Marcos Henriques, que solicitou uma reunião com a Presidência da Câmara. A reunião, marcada para ontem, acabou cancelada, segundo informações dos jovens do projeto.

Os organizadores do projeto da horta pedem a suspensão imediata das obras, reparação dos danos, abertura de mesa de diálogo institucional, reconhecimento legal da horta como espaço de uso social e educativo, e elaboração de protocolos municipais de proteção a iniciativas semelhantes.

O grupo alerta, ainda, para possíveis infrações ambientais decorrentes da destruição da área, como danos à fauna local e ao ecossistema cultivado, citando possíveis violações das Leis nº 9.605/98 (Crimes Ambientais), nº 12.651/2012 (Código Florestal) e nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente).

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 18 de julho de 2025.