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Meio ambiente

PL muda regra de licenciamento

publicado: 26/05/2025 08h20, última modificação: 26/05/2025 08h30
Medida prevê a simplificação para a emissão de licenças ambientais e gera discordância entre juristas e ambientalistas

por Samantha Pimentel*

Aprovado, recentemente, no Senado Federal, o Projeto de Lei (PL) n° 2.159/2021, cria a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (LGLA), que busca uniformizar os procedimentos para a emissão de licença ambiental em todo o país e simplificar a concessão para os empreendimentos de menor impacto, desburocratizando processos. Mas, as novas regras dividem opiniões, e ambientalistas vêm manifestando-se contra o projeto, alegando que ele representa riscos à segurança ambiental brasileira, além de afetar territórios indígenas, quilombolas e Unidades de Conservação (UC). Aprovado com mudanças no Senado, a medida ainda vai voltar para votação na Câmara dos Deputados.

Caso entre em vigor, a LGLA pode alterar as regras, por exemplo, para licenças que são necessárias para a construção de rodovias, aeroportos, indústrias, postos de gasolina, hidrelétricas e também empreendimentos turísticos e urbanísticos, como hotéis e loteamentos. Uma das mudanças apresentadas é a criação de um tipo de licenciamento com rito simplificado, dispensa de etapas e predileção de análise para projetos considerados prioritários pelo Governo — a Licença Ambiental Especial (LAE). Ela pode possibilitar, segundo a expectativa de alguns parlamentares, o avanço da autorização para exploração de petróleo na Amazônia, por parte da Petrobrás.

Outro ponto do PL, que vem causando polêmica, é uma modalidade que permite que as licenças ambientais possam ser emitidas com base apenas na autodeclaração e compromisso do empreendedor, sem análise técnica prévia é a chamada Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC). Atualmente, ela é aplicada para empreendimentos de baixo risco e pequeno potencial poluidor. A proposta do Senado estende a possibilidade para empreendimentos de médio porte e médio potencial poluidor.

Em entrevista ao Jornal Estadual da Rádio Tabajara FM, o advogado especialista em Direito Ambiental, Océlio Francelino, defendeu o impacto positivo do texto para desburocratizar os processos de licenciamento. Segundo ele, a mudança pode acelerar projetos que possuem impactos ambientais, presumivelmente, significantes, e a novas regras não iriam causar enfraquecimento ambiental. “Nós tomamos por base dois pontos que são essenciais para serem trazidos nesse momento: primeiramente, o projeto traz questões que buscam simplificar, mas não de todo e a qualquer modo. A legislação ambiental, hoje em dia, traz mais de 27 mil resoluções, leis, atos normativos de inúmeros órgãos. No entanto, isso, muitas vezes, faz com que o próprio empreendedor não saiba o que seguir”, comenta ele.

Océlio defende que o PL vai manter esse arcabouço jurídico de proteção, porém trazendo mais simplificação aos processos a depender da complexidade de cada caso. “Por exemplo, empreendimentos ambientais que tenham um alto potencial poluidor vão continuar atrelados às normativas vigentes. Eles devem ter a licença de instalação, a licença prévia para o empreendimento. Então, esse regramento vai continuar. No entanto, outras situações passam a ser simplificadas”, explica Océlio.

O advogado acrescentou que a lei pretende reorganizar as competências dos entes federativos em matéria de legislação ambiental e que o projeto não enfraquece o papel do Estado. “Ao contrário. A gente vê que o PL traz uma maior autonomia aos estados e municípios, isso porque quem conhece a realidade local são eles”.

Segundo MMA, mudança ameaça áreas protegidas

Já o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), comandado por Marina Silva, alega, em nota divulgada nesta semana, que a proposta representa uma desestruturação do regramento existente, e que pode desarticular a ação conjunta dos entes federativos. “Ao permitir que a definição de atividades sujeitas ao licenciamento ambiental ocorra sem coordenação nacional e fora do âmbito de órgãos colegiados — como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e os Conselhos Estaduais e Municipais — o projeto pode promover a ação descoordenada entre União, estados e municípios no processo de licenciamento ambiental e desarticular os mecanismos de participação social”, destaca a nota.

O MMA ainda afirma que a proposta afronta, diretamente, a Constituição Federal, ferindo o artigo 225, que garante aos cidadãos brasileiros o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, com exigência de estudo prévio de impacto ambiental para instalação de qualquer obra ou atividade que possa causar prejuízos à natureza. Sobre as mudanças visando facilitar e agilizar a obtenção de licenças, informa que: “O texto também viola o princípio da proibição do retrocesso ambiental, que vem sendo consolidado na jurisprudência brasileira, segundo o qual o Estado não pode adotar medidas que enfraqueçam direitos. Contraria, ainda, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceram a inconstitucionalidade da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para atividades de médio impacto ambiental”, aponta o texto.

Além do impacto negativo para a gestão socioambiental, a nota do ministério alerta que o PL pode trazer, ainda, altos índices de judicialização, em decorrência da contestação de licenças. O que causaria, ao contrário do que acreditam seus defensores, ainda mais burocratização, onerosidade e demora nos processos. Outro ponto citado é que a LGLA é omissa em relação à crise climática, não mencionando a questão em seu conteúdo.

O posicionamento do órgão é seguido por muitas entidades, institutos e profissionais que atuam na área ambiental, a exemplo do biólogo Fábio Olmos. Ele afirmou, durante entrevista ao Jornal Estadual da Rádio Tabajara FM, que o projeto, ao prometer simplificar os processos, acaba por comprometer todo um sistema de aparato e proteção legal ao meio ambiente.

“E eu diria que um dos grandes problemas é a falta de clareza sobre responsabilidades dos entes federativos — União, estados e municípios —, além dos diferentes critérios que esses entes podem adotar na classificação dos vários empreendimentos e como  será o licenciamento deles. Isso está sendo apontado por todo mundo, por todos os especialistas, como um dos problemas desse PL. Outro problema é essa novidade, de você ter um processo de licenciamento que é basicamente autodeclaratório”, critica o biólogo. Fábio ainda chama a atenção para o risco que a proposta pode representar para comunidades tradicionais, como indígenas e quilombolas.

“O PL considera, dentro do processo de licenciamento ambiental, apenas aqueles territórios que já sejam reconhecidos. E nós sabemos que existem várias terras indígenas e quilombolas, e outros territórios de comunidades tradicionais, que estão aí na fila do reconhecimento. Esses territórios que estão aguardando, e que podem ou não ser reconhecidos, não teriam uma voz ativa, por assim dizer, no processo do licenciamento ambiental. Isso, obviamente, enfraquece, principalmente a sociedade civil, que deve ter voz, sim, nesse processo”, afirma. Outro ponto que ele destaca é a ameaça aos territórios considerados Unidades de Conservação(UCs) — áreas protegidas, com o objetivo de conservar a natureza e seus recursos, contribuindo para a biodiversidade, a educação ambiental e a pesquisa.

“Ficou bem claro que, para os proponentes do PL, as Unidades de Conservação não valem muita coisa e devem ser desconsideradas no sistema de licenciamento ambiental, o que é completamente absurdo. As UCs servem a toda sociedade, e são uma das coisas mais essenciais que a gente tem para a gestão do território e para a salvaguarda da coisa mais importante que esse país tem, que é o seu patrimônio natural. Isso foi completamente desconsiderado”, destaca Fábio Olmos acrescentando que a medida fere a Constituição Brasileira e viola convenções internacionais das quais o Brasil é signatário.

O biólogo também demonstra preocupação com a possibilidade de um enfraquecimento generalizado dos processos e órgãos de licenciamento ambiental. “A gente pode entrar em um momento no qual pode começar a acontecer um processo de competição entre municípios e estados, naquela linha de quem tem a regra mais frouxa para atrair empreendimentos. Entraremos, aí, em um ciclo crescente de impactos ambientais, de mais desmatamentos e de projetos ruins sendo aprovados, com consequências como o estouro da barragem de Mariana (MG) mostra. É isso o que acontece quando um processo de licenciamento mal feito é executado, e temos aí vários outros exemplos”, frisa.

Ele declarou que, atualmente, já existem processos de licenciamento para grandes empreendimentos de alto impacto que vêm sendo tratados de forma mais política do que técnica, e que o PL pode facilitar situações como essas.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 24 de maio de 2025.