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Sem celular, rotina escolar melhora

publicado: 22/09/2025 08h44, última modificação: 22/09/2025 08h44
Proibidos de usar dispositivos eletrônicos, estudantes interagem mais e demonstram melhor desempenho nos estudos
2025.09.16 30 Escola sem celular © Leonardo Ariel (11).JPG

Jogar bola voltou a ser uma das formas de interação preferidas | Fotos: Leonardo Ariel

por Camila Monteiro*

No início deste ano, a regulamentação sobre o uso de celulares nas escolas mudou drasticamente a rotina estudantil, ao proibir que alunos utilizem os aparelhos, tanto na rede pública quanto na privada em todo o país. Aos discentes, restou a busca por alternativas para aproveitar os intervalos longe das telas. “A gente conversa mais, inventa alguma brincadeira, tem uma maior interação com os colegas”. Foi assim que a aluna do Ensino Médio, Ingrid Jamile, de 17 anos, definiu o seus períodos recreativos, na escola, após a proibição do uso dos dispositivos.

A Lei Federal nº 15.100, que dispõe sobre a utilização de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais pelos estudantes nos estabelecimentos públicos e privados de ensino da Educação Básica, entrou em vigor no dia 13 de janeiro deste ano. O impedimento não se limita à sala de aula, estendendo-se ao período do recreio e aos intervalos entre as aulas. A medida, conforme consta na norma, tem como objetivo salvaguardar a saúde mental, física e psíquica das crianças e adolescentes. 

O dominó tanto trabalha a mente quanto distrai os alunos

O diretor do Colégio Século, em João Pessoa, Bruno Pontes, explicou que, antes mesmo da nova normativa, a instituição já tinha como meta a proibição do uso de celulares.

“No ano de 2024, iniciamos um projeto para retirar gradualmente o aparelho das salas. Com o advento da Lei nº 15.100, realizamos uma reunião com as famílias, orientamos que essa já era uma ideia da escola — ratificada no ano anterior — e, então, passamos a executá-la neste ano, em conformidade com a legislação”, afirmou.

Para Ingrid, o início dessa transição foi difícil, mas com o tempo conseguiu adaptar-se à nova realidade. “Tínhamos o costume de estar com o celular sempre perto”, pontuou.

A visão da aluna é compartilhada pelo professor de Geografia Rodrigo Leite, que leciona em algumas escolas particulares da capital. Ele alegou enxergar uma melhora na convivência entre os estudantes. Além disso, percebeu uma maior interação nas dinâmicas realizadas na hora do recreio. “A atenção e a participação nas aulas melhoraram muito, mas a grande diferença é a interação entre eles em todos os momentos, principalmente nos intervalos, com jogos e brincadeiras que não se via, devido ao isolamento pelo uso do aparelho.

 Além dos benefícios no âmbito social, as melhorias em relação ao desempenho dos alunos são notadas pelos educadores. “Em relação à parte pedagógica, houve um avanço. Nós tivemos um crescimento de aproximadamente 32% nas notas, do primeiro para o segundo trimestre”, afirmou Bruno Pontes.

A diretora da Escola Estadual Cidadã Técnica Integral João Goulart (Ecit Jango), Gezair França, avalia que as vantagens da medida foram perceptíveis, sobretudo no que diz respeito à participação dos alunos. “A decisão da proibição foi muito apropriada, pois o uso excessivo de celulares em sala gera dispersão, atrapalha o andamento das aulas e compromete o rendimento escolar. Além disso, a restrição favorece a socialização, estimulando os estudantes a interagirem-se mais”, comentou.

Favorável à medida, o professor de Física da Ecit João Goulart, Mailson Pinto, pontua que, apesar de alguns estudantes ainda demonstrarem resistência para desvincular-se dos aparelhos no ambiente escolar, pode-se perceber, em linhas gerais, um maior senso de cooperação entre os alunos nas atividades em sala de aula.

Para implementar essa decisão, o Instituto Federal da Paraíba (IFPB) criou uma normativa própria, a Portaria Conjunta no 1, de 2025, publicada em 25 de fevereiro, bem como cartilhas educativas. Segundo o material, a instituição já definia o uso restrito do celular em sala, conforme Regimento Disciplinar–IFPB vigente, sendo permitido apenas com autorização docente. Com a lei, as restrições de uso de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais abrangem o recreio e horários de intervalo. A proibição atual abarca, também, os estudantes matriculados nos cursos técnicos integrados com o Ensino Médio na instituição

O folheto informativo sugere, inclusive, atividades para serem desempenhadas nas horas vagas, como clubes temáticos, momentos de expressão artística, sessões de relaxamento, sessões de cinema, momentos de acolhimento e rodas de conversa.

Uso permitido

Apesar de estar vetada a manipulação dos telefones móveis, há situações em que é permitida a utilização dos aparelhos, como, por exemplo, para fins estritamente pedagógicos ou didáticos, com orientação dos profissionais de educação. Além disso, em situações de perigo, estado de necessidade ou caso de força maior.

Em seu artigo terceiro, a Lei no 15.100/2025 regulamenta que o celular pode ser utilizado também quando tem por finalidade garantir a acessibilidade, a inclusão, atender às condições de saúde dos estudantes e garantir direitos fundamentais.

Conforme o diretor Bruno Pontes, os estudantes têm autorização para levar o dispositivo ao colégio, mas o uso é restrito a situações específicas: durante a compra do lanche na cantina, em casos de pagamentos necessários, e, no momento da saída, para solicitar carro por aplicativo ou entrar em contato com a família para o deslocamento.

Papel das famílias

O uso de celulares modifica as relações interpessoais na escola, prejudicando a comunicação entre alunos, professores e gestores, afetando a convivência e o aprendizado. A adaptação a essa nova rotina sem celulares envolve alunos, famílias, professores e técnicos. Assim, para colocar em prática essa norma que moldou o cotidiano dos estudantes de todo o país, a participação da família é primordial para o sucesso e efetividade da lei.

IFPB fez uma cartilha para orientar os discentes | Foto:Divulgação/IFPB

No Instituto Federal da Paraíba (IFPB), o papel dos pais e responsáveis foi pontuado no artigo sétimo da Portaria Interna, definindo que “a família será chamada a apoiar ativamente na conscientização sobre o uso excessivo de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais, com foco no desenvolvimento integral dos estudantes, na proteção à saúde física e mental, e no incentivo ao uso responsável da tecnologia, tanto no ambiente escolar quanto no familiar”.

A diretora Gezair França comenta que os pais têm colaborado de forma significativa para a aplicação desta norma, o que facilita bastante o trabalho dos educadores. “Eles reforçam em casa, orientando sobre a proibição do uso inadequado dos aparelhos no ambiente escolar”, informou.

Clévia Carvalho, diretora de Ensino e Gestão da Secretaria Municipal de Educação de João Pessoa, pedagoga e doutora em Educação, esclareceu que houve um tempo de adaptação na rede pública da cidade, e que contou com a cooperação dos pais e responsáveis para a implementação da norma. “Há o apoio dos pais, pois esse é também um trabalho educativo com as famílias”.

Nomofobia

A aplicação da normativa trouxe à tona um termo ainda pouco conhecido da população: nomofobia. De acordo com a cartilha do IFPB, essa expressão designa o medo irracional de ficar sem o celular ou ser impedido de usá-lo por algum motivo, como ausência de conexão ou bateria fraca. A nomofobia pode trazer graves consequências para a saúde física e mental das pessoas. Entre os sintomas estão ansiedade, isolamento social e alterações de humor, por exemplo.

Bruno Pontes observou que a presença da nomofobia foi maior nos alunos do Ensino Médio, apresentando resistência durante os dois primeiros meses. “Com o tempo, eles foram se adaptando e hoje é muito mais normalizado esse processo de não estar sempre com o celular”, pontuou. O diretor ainda comentou que a impossibilidade de acesso ao dispositivo, no começo, causou ansiedade em alguns discentes. “Alunos com alguns transtornos específicos ficaram mais ansiosos, mais nervosos, mais agressivos durante a fase de transição”.

A Lei nº 15.100/25 antecipou-se a esse cenário e afirmou que as escolas devem criar formas de abordar a saúde mental dos alunos, ensinando sobre os riscos, sinais e como evitar o sofrimento psíquico em crianças e adolescentes, incluindo o uso excessivo de celulares e o acesso a conteúdos inadequados. Além disso, as unidades de educação devem criar espaços de escuta e acolhimento para estudantes ou funcionários que sofrem de problemas de saúde mental, principalmente devido ao uso excessivo de telas e à nomofobia

O colégio Século implantou a disciplina socioemocional, que, segundo Bruno Pontes, foi fundamental para esse processo. “Ter um profissional de saúde mental em sala de aula, com um componente curricular trabalhando temas como estresse, depressão e ansiedade, acabou balanceando um pouco esse caminho”.

Para Clévia Cunha, estudos da Pedagogia, da Psicologia, da Psicopedagogia, da Pediatria e áreas afins têm demonstrados os danos do uso excessivo de telas para crianças e adolescentes em relação ao desenvolvimento e aprendizagem, considerando impactos cerebrais, que se reverberam no progresso do pensamento e da fala, bem como no desenvolvimento socioemocional das crianças e adolescentes. “Como pedagoga, professora e, no momento, atuando na gestão da rede municipal de ensino, sigo com o que diz a ciência, com o que a prática pedagógica nos revela sobre o uso excessivo das telas pelos estudantes e considero que essa é uma ação benéfica para a política de proteção das crianças e adolescentes”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 21 de setembro de 2025.