Durante discurso de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou as sanções impostas pelos Estados Unidos ao Brasil por causa do processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, e disse que “não há pacificação com impunidade”. Apesar de não mencionar nominalmente o ex-presidente brasileiro, os norte-americanos ou mesmo o presidente Donald Trump, o brasileiro deu um recado duro e avaliou, ainda, que a autoridade da Organização das Nações Unidas (ONU) “está em xeque”.
O petista avaliou que o Brasil, “mesmo sob ataque sem precedentes”, decidiu “resistir e defender sua democracia”. Segundo ele, em todo o mundo, forças antidemocráticas tentam subjugar as instituições e sufocar as liberdades, cultuam a violência, exaltam a ignorância, atuam como milícias cívicas e digitais e cerceiam a imprensa.
“Não há justificativa para as medidas unilaterais e arbitrárias contra nossas instituições e nossa economia. A agressão contra a independência do Poder Judiciário é inaceitável. Essa ingerência em assuntos internos conta com auxílio de uma extrema direita subserviente e saudosa de antigas hegemonias. Falsos patriotas arquitetam e promovem publicamente ações contra o Brasil. Não há pacificação com impunidade”, declarou.
Apesar de não falar nominalmente sobre Bolsonaro, o presidente foi explícito ao mencionar o caso de seu antecessor, condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 27 anos e 3 meses de prisão por cinco crimes relacionados à tentativa de tramar contra a democracia brasileira, depois da derrota eleitoral de 2022. Lula afirmou que ele foi condenado por tentar dar um golpe de Estado “em um processo minucioso” e que ele teve amplo direito de defesa.
“Há poucos dias e pela primeira vez em nossa história, um ex-chefe de Estado foi condenado por atentar contra o Estado Democrático de Direito. Foi investigado, indiciado e julgado e responsabilizado por seus atos em um processo minucioso. Teve amplo direito de defesa, prerrogativa que as ditaduras negam às suas vítimas”, afirmou.
O presidente ainda defendeu a soberania brasileira: “Diante dos olhos do mundo, o Brasil deu um recado a todos os candidatos a autocratas e aqueles que os apoiam. Nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis”, afirmou, sob aplausos. E continuou: “Seguiremos como nação independente e como povo livre de qualquer tipo de tutela. Democracias sólidas vão além do ritual eleitoral”.
Ao falar sobre a América Latina e o Caribe, Lula avaliou que as regiões vivem um momento de crescente polarização e instabilidade. “Manter a região como zona de paz sempre foi e é a nossa prioridade”, defendeu. Lembrou ainda que a América Latina é um continente livre de armas de destruição em massa e sem conflitos étnicos ou religiosos. “É preocupante a equiparação entre a criminalidade e o terrorismo. A forma mais eficaz de combater o tráfico de drogas é a cooperação para reprimir a lavagem de dinheiro e limitar o comércio de armas”.
Também destacou que o combate à fome deve ser a principal luta dos países e que pobreza é tão inimiga da democracia quanto o extremismo. “Foi com orgulho que recebemos da FAO [sigla em inglês para Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura] a confirmação de que o Brasil voltou a sair do mapa da fome, neste ano de 2025. Mas, no mundo, ainda há 670 milhões de pessoas famintas. E cerca de 2,3 bilhões enfrentam insegurança alimentar”, lamentou.
Ameaça às Nações Unidas
Lula destacou que a Assembleia Geral das Nações Unidas “deveria ser um momento de celebração”, já que a ONU “simboliza a expressão mais elevada da aspiração pela paz e prosperidade”. “Hoje, contudo, ideais que inspiraram seus fundadores estão ameaçados como nunca estiveram em sua história. O multilateralismo está diante de uma nova encruzilhada. A autoridade desta organização está em xeque. Assistimos à consolidação de uma desordem internacional marcada por concessões à política do poder. Atentados à soberania, sanções arbitrárias e intervenções unilaterais estão se tornando regra”, afirmou, em crítica direta ao poder da ONU, hoje em dia, e sua autoridade para evitar conflitos mundo afora.
“Nada justifica o genocídio em Gaza”
Por Paula Laboissière (Agência Brasil)*
Ao comentar sobre conflitos em curso, em Gaza, o presidente Lula afirmou que nenhuma situação é mais emblemática “que o uso desproporcional e ilegal da força do que a da Palestina”. “Os atentados terroristas perpetrados pelo Hamas são indefensáveis sob qualquer ângulo. Mas nada, absolutamente nada, justifica o genocídio em curso em Gaza. Ali, sob toneladas de escombros, estão enterradas dezenas de milhares de mulheres e crianças inocentes”.
Lula destacou que no local estão sendo sepultados o direito internacional humanitário e o mito da superioridade ética do Ocidente. “Esse massacre não aconteceria sem a cumplicidade dos que poderiam evitá-lo. Em Gaza, a fome é usada como arma de guerra. O deslocamento forçado de populações é praticado impunemente”, completou Lula.
Em sua fala, o presidente expressou admiração “aos judeus que, dentro e fora de Israel, se opõem a essa punição coletiva”. “O povo palestino corre o risco de desaparecer. Só sobreviverá como Estado independente e integrado à comunidade internacional. Essa é a solução defendida por mais de 150 membros da ONU, reafirmada ontem aqui neste mesmo plenário. Mas obstruída por um único veto”.
Ucrânia
Sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia, Lula avaliou que já é sabido por todos que não haverá solução militar. “Um recente encontro no Alasca despertou a esperança de uma saída negociada. É preciso pavimentar caminhos para uma solução realista. Isso implica levar em conta as legítimas preocupações de segurança de todas as partes”, disse Lula. “A Iniciativa Africana e o grupo Amigos da Paz, criados por China e Brasil, podem contribuir para promover o diálogo”, concluiu o presidente.
.*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 24 de setembro de 2025.