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voto distrital misto

Motta tenta emplacar texto polêmico

publicado: 17/11/2025 09h20, última modificação: 17/11/2025 09h44
No comando da Câmara Federal, paraibano quer derrubada do sistema proporcional, mas há riscos envolvidos
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Projeto de Lei nº 9.212, que passou pelo Senado em 2017 e estava parado na Câmara desde 2021, pode modificar dinâmica das Eleições Gerais de 2030 | Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

por Paulo Correia*

A proposta de implementação do voto distrital misto no Brasil, contida no Projeto de Lei (PL) nº 9.212/2017, volta à agenda do Congresso, após o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciar que a matéria será pautada ainda neste ano, passando a valer nas Eleições Gerais de 2030.

“Penso que é plenamente possível mudar para 2030, porque, se não fizermos isso, teremos parlamentares financiados pelo crime organizado”, disse o parlamentar paraibano, no início do mês, em entrevista para a GloboNews.

A retomada do PL foi iniciada em abril, quando Motta indicou o deputado Domingos Neto (PSD-CE) para a relatoria do projeto. Para o cearense, o voto distrital misto pode reduzir a importância do dinheiro e das redes sociais nas campanhas, além de fortalecer os partidos políticos.

Em entrevista recente à Folha de S.Paulo, Domingos Neto também enfatizou a relação da medida com segurança pública, destacando que “tem visto na eleição o fortalecimento da entrada do crime organizado na política”. O relator afirmou, ainda, que possui um texto pronto e que “agora é só a condução de timing para trazer isso para a pauta”. Das principais mudanças com o texto aprovado pelo Senado, o relator ressaltou que “a mais substancial é a alteração para um voto só [sendo que voto ao candidato distrital também valeria para as cadeiras destinadas aos partidos]”.

Atualmente, a votação para os cargos legislativos baseia-se no sistema proporcional em lista aberta, em que os votos destinados a partidos e candidatos são somados para determinar a distribuição de cadeiras por legenda.

O voto distrital misto, por sua vez, propõe um modelo híbrido: no mesmo território, haveria uma votação proporcional e uma votação por distrito. Os candidatos eleitos pela legenda seriam previamente definidos pelos partidos por meio de uma lista fechada. Atualmente, os votos de legenda são distribuídos entre os candidatos mais votados.

Por exemplo, como na Paraíba existem 12 cadeiras na Câmara, o estado seria dividido em seis distritos, com um deputado eleito em cada um. O eleitor votaria no candidato exclusivamente do seu distrito, o que também contabilizará para a contagem da legenda.

O PL nº 9.212 foi aprovado no Senado em 2017, mas estava parado na Câmara desde 2021. De autoria do então senador José Serra (PSDB-SP), a pauta agora é retomada sob o pano de fundo da segurança pública, sendo vista por especialistas como uma busca por uma “agenda positiva”, após o recente enfraquecimento da Câmara em outras matérias de repercussão nacional.

“Hugo Motta precisa de uma agenda positiva, precisa demonstrar que ‘saiu das cordas’, porque, nessa discussão sobre a PEC da Blindagem, a Câmara dos Deputados ficou muito fragilizada. Ele próprio, como liderança, foi fortemente questionado. Então, ele tem essa ansiedade por levantar pautas que são tidas como positivas, de reforma política etc.”, afirma o cientista político João Paulo Ocke.

O especialista lembra que o debate não é novidade, mas é preciso considerar seus benefícios e riscos, já que não existe um “sistema eleitoral perfeito”.

Solução ou perigo?

O principal argumento para a adoção do voto distrital misto, apontado pelo presidente da Câmara, é o combate à inserção do crime organizado na política institucional. Porém, na visão de João Paulo Ocke, misturar uma reforma eleitoral importante com um debate já ideologizado sobre segurança pública não contribui para uma discussão adequada da proposta.

“Isso não contribui para que a proposta seja discutida nos termos mais adequados, que são os termos mesmo propriamente da política, do funcionamento do sistema eleitoral, da apreciação de custos, da tentativa de minorar os efeitos ruins que o voto distrital misto possa vir a estabelecer”, observa.

Para a advogada Thiciane Carneiro, da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil — Seccional Paraíba (OAB-PB), tal combate depende muito menos do sistema eleitoral e mais de mecanismos de controle institucional, como “uma fiscalização financeira rigorosa, um rastreamento de doações, uma proteção a denunciantes, uma atuação efetiva do Ministério Público Federal, Estadual próxima das próprias polícias”.

A jurista reforça que a divisão dos territórios em distritos pode apresentar um risco de “captura local”, especialmente em áreas onde o crime organizado exerce força total no controle territorial. “Em distritos pequenos, pode facilitar inclusive o domínio político por esses grupos”, aponta.

O presidente da OAB-PB, Harrison Targino, é outro crítico da medida. Apesar de reconhecer falhas no atual sistema proporcional, ele destaca o risco de fortalecimento das regionalidades e do “caciquismo político”, especialmente em regiões como o Nordeste, o que dificultaria a renovação política, favorecendo líderes regionais já estabelecidos.

 “Quando você regionaliza a escolha, termina favorecendo talvez esse tipo de distribuição. O sistema aberto, a lista aberta, o voto aberto têm muita complexidade, mas, por outro lado, permite maior capacidade de arejamento, sobretudo em estruturas políticas como as nossas”, diz.

Os defensores do voto distrital apontam outras justificativas para a alteração do sistema de votação, como a redução no custo das campanhas eleitorais, devido à divisão do território em distritos; e a maior proximidade entre o eleitor e o candidato eleito, promovendo a “accountability” — prestação de contas contínua ao eleitorado. No entanto, essas supostas vantagens também são refutadas por especialistas.

Com relação à redução de custos, diz-se que o candidato investirá apenas em seu distrito, e não no estado inteiro. Contudo, as candidaturas da lista da legenda partidária são disputadas por todo o território. “O partido vai continuar tendo que investir na campanha para que a sua lista seja eleita”, pondera a advogada Thiciane Carneiro.

A alegada aproximação entre o eleitor e o candidato eleito, principalmente nas Casas Legislativas, também é questionada. O presidente da OAB-PB enfatiza que o problema da relação entre representante e representado é mais uma questão de “engrenagem política e formação política do que de estruturação”.

“Se a gente revigorar esses canais [de diálogo permanente com o eleitor], naturalmente a capacidade de escolha será mais qualificada e o sistema, majoritário ou proporcional, ou mesmo misto, terá menos significado do que essa redescoberta do valor do voto, do valor da política com ‘p’ maiúsculo”, sustenta.

Deputados e vereadores divergem sobre o projeto de lei

Mesmo podendo alterar a forma como o Legislativo é eleito, a discussão entre os parlamentares ainda é incipiente. A reportagem entrou em contato com deputados federais e estaduais, além de vereadores da capital.

O deputado estadual João Gonçalves (PSB) é contrário à retomada da discussão, sobretudo pela falta de consulta popular. Para ele, a justificativa de combate ao crime organizado na política é inadequada e a solução é o combate direto e efetivo das autoridades.

“Tem coisas que têm que ser debatidas com os fatos da realidade do problema. Repito: todo mundo sabe onde é que está o envolvimento; é só querer apurar e querer punir”, enfatizou.

Já para a deputada Camila Toscano (PSDB), o modelo do voto distrital misto é fundamental para fortalecer a democracia e estreitar a relação entre o cidadão e seu representante. “Isso significa mais responsabilidade, mais transparência e mais vínculo entre o eleito e a comunidade que ele representa. O eleitor passa a saber exatamente quem o representa e pode acompanhar sua atuação de forma mais próxima”, opina.

O vereador Wamberto Ulysses (Republicanos) defende que a medida é crucial para aprimorar a representatividade, possibilitando “que haja uma maior dedicação do Poder Legislativo, do deputado, do vereador naquela localidade”.

Raoni Mendes, vereador pelo DC, é favorável à proposta, entendendo-a como um mecanismo “que fortalece a formação de novas lideranças, porque aí você vai ter uma disputa partidária e uma disputa por região”. Apesar disso, o vereador manifesta preocupação com a lista partidária, questionando os critérios de escolha e quem seria responsável por ela. “Acredito que, se o debate se fortalecer no Brasil, principalmente ali na Câmara Federal, eles encontrarão um caminho que estabilize o fortalecimento da democracia e que banalize de uma vez por todas o crime organizado da política”, frisa.

A reportagem tentou contato com a bancada federal paraibana, diretamente ou por meio de suas assessorias, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição de A União.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 16 de novembro de 2025.