Antes de se tornar um direito consolidado, o voto feminino no Brasil foi resultado de uma longa trajetória de mobilização e resistência. As mulheres brasileiras conquistaram o direito de votar em 24 de fevereiro de 1932, por meio do Decreto nº 21.076, do então presidente Getúlio Vargas, que instituiu o Código Eleitoral. O voto feminino foi incorporado à Constituição de 1934, mas ainda era facultativo. Somente em 1965 tornou-se obrigatório, sendo equiparado ao dos homens.
Hoje, as mulheres representam a maioria do eleitorado brasileiro. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontam que, nas eleições de 2024, mais de 52% dos títulos eleitorais no país pertencem a mulheres. Na Paraíba, o cenário segue a mesma tendência: 1.696.849 paraibanas estão aptas a votar, o equivalente a 53% do eleitorado do estado. A presença da mulher nas urnas é, portanto, força determinante para a escolha de representantes em todos os níveis da política.
Resistência e mobilização
A conquista do voto feminino representou um marco de reconhecimento social e político. Segundo a advogada e especialista em Direito Eleitoral Laura Veras, compreender essa vitória é entender também o momento histórico em que ela surgiu.
“O voto, naquele período, representava mais que um direito político — era um ato de reconhecimento social e de ruptura com séculos de exclusão. Quando a mulher conquistou o direito de votar, ela conquistou também o direito de ser ouvida, de existir no espaço público e de influenciar as decisões do Estado”, contextualiza.
Ao longo das últimas décadas, a legislação eleitoral brasileira passou por diversas transformações para ampliar a presença das mulheres na política. O direito de votar, conquistado em 1932, foi apenas o primeiro passo de um processo que ainda busca garantir igualdade real de representação.
Igualdade
As políticas afirmativas começaram a surgir nos anos 1990, quando a Lei nº 9.100/1995 determinou que os partidos reservassem ao menos 20% de suas candidaturas para mulheres. Dois anos depois, a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997) ampliou o percentual mínimo para 30% e máximo de 70% para cada sexo. Em 2009, uma mudança significativa substituiu a expressão “deverá reservar” por “preencherá”, tornando obrigatório o efetivo preenchimento das vagas por gênero.
“As mudanças foram graduais, e há muitas dúvidas se foram efetivas, pois os avanços foram lentos. O gênero minoritário costuma ser o feminino, o que faz com que a cota de gênero seja conhecida como a ‘cota de mulheres’. Mesmo com progressos, ainda enfrentamos fraudes e candidaturas fictícias que desvirtuam o propósito das cotas”, observa Veras.
Desde a adoção das cotas, a presença feminina na Câmara dos Deputados cresceu de 6%, em 1998, para 18%, em 2022. Apesar do avanço, o Brasil ainda está muito atrás de vizinhos latino-americanos, como a Argentina (42%) e o México (50%).
Atualmente, as cotas de gênero e a destinação proporcional de recursos eleitorais são os principais instrumentos legais de incentivo à participação feminina na política. Em 2018, o Tribunal Superior Eleitoral consolidou o entendimento de que o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) deveria ser distribuído de forma proporcional entre os gêneros. Com isso, as candidatas passaram a ter garantido o acesso a recursos específicos para suas campanhas — uma conquista que, mais tarde, foi incorporada à legislação.
Em 2022, uma portaria do TSE determinou que a destinação dos recursos das cotas de gênero e de raça fosse informada até 30 de agosto, o que fez com que, pela primeira vez, as mulheres recebessem os repasses antes dos homens. Essa mudança representou um marco simbólico na busca por equidade nas eleições.
“As cotas de gênero e o acesso proporcional aos recursos eleitorais são conquistas fundamentais para equilibrar a disputa política. Durante muito tempo, as mulheres concorriam em condições desiguais, sem financiamento adequado e com pouca visibilidade. Quando o TSE passou a exigir essa proporcionalidade, as candidatas finalmente começaram a disputar em pé de igualdade — ainda que de forma inicial”, analisa Veras.
Ela acrescenta que a discussão sobre o novo Código Eleitoral pode trazer avanços significativos, caso seja aprovada a proposta de reserva de cadeiras no Parlamento, em vez de apenas reserva de vagas para candidaturas.
Construção da democracia
As mulheres são mais da metade da população brasileira e da base eleitoral do país, mas ainda são sub-representadas nos espaços de poder. Para Laura Veras, essa é uma distorção que precisa ser superada.
“As mulheres são mais de 50% da população, mas historicamente foram alijadas dos espaços de poder. O voto feminino e a participação das mulheres na política são direitos fundamentais. Não há democracia sem a participação efetiva das mulheres”, defende.
Ela lembra que a representatividade feminina também tem impacto direto na formulação de políticas públicas:
“Quando o Parlamento discute temas como direitos reprodutivos, combate à violência de gênero, educação ou maternidade, é impensável que a maioria dos votantes sejam homens. A presença das mulheres traz sensibilidade, equilíbrio e pluralidade de olhares para o país que queremos construir”.
Desafios locais e protagonismo político
Na Paraíba, o debate sobre representatividade manifesta-se tanto nas câmaras municipais quanto na Assembleia Legislativa, revelando diferentes faces da luta feminina por espaço político.
Em João Pessoa, apenas duas mulheres ocupam cadeiras na Câmara Municipal. Para a vereadora Jailma Carvalho, o número revela tanto os desafios quanto as oportunidades de mudança.
“Esse número mostra que ainda temos um longo caminho a percorrer quando o assunto é representatividade feminina na política. É contraditório que, em uma cidade com tantas mulheres que constroem sua história com coragem e protagonismo, ainda sejamos minoria nos espaços de poder. A minha eleição como a mulher mais votada de João Pessoa mostra que a sociedade está pronta para mudar essa realidade”, afirma.
A vereadora destaca que, apesar dos avanços, a desigualdade de gênero na política ainda tem raízes estruturais. “Essa desigualdade persiste porque a política, historicamente, foi construída em um espaço masculino, pensado e ocupado majoritariamente por homens. Durante muito tempo, as mulheres foram afastadas das decisões públicas e confinadas ao papel de cuidadoras — da casa, da família, da comunidade —, enquanto a política institucional se consolidava como um ambiente de poder e exclusão”, pontua.
Caminhos abertos
Para a deputada estadual Cida Ramos, presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) na Paraíba, a presença feminina em espaços de comando ainda é exceção — mesmo em partidos com tradição de militância feminista.
“A minha eleição é um marco histórico. Em 45 anos de história do Partido dos Trabalhadores, é a primeira vez que uma mulher assume a presidência estadual. Isso mostra o quanto ainda precisamos lutar. A minha eleição marca, de forma muito forte, a presença das mulheres em locais de mando e comando, como é o PT. É importante porque a militância deu a maior demonstração de que queria, sim, uma mulher — e, mais ainda, uma mulher com deficiência, o que ainda é raro na política”.
Cida reforça que a atual legislatura da Assembleia Legislativa da Paraíba é a mais representativa da história, com seis mulheres, e que esse avanço deve servir como inspiração para novas lideranças femininas.
“Dá para perceber como ainda estamos distantes desses postos de comando, seja no Legislativo, no Executivo ou no Judiciário. O PT avança nesse sentido na Paraíba, e eu tenho a missão de fazer com que novas mulheres adentrem o partido, se candidatem e ocupem postos de liderança”.
História transformada
O voto feminino não foi um presente — foi uma conquista. Quase 100 anos depois do decreto de 1932, as mulheres continuam ampliando seu espaço na política, nas instituições e nas decisões que moldam o futuro do Brasil.
A deputada estadual Danielle do Vale reforça que celebrar os 93 anos do voto feminino é também reafirmar o papel transformador das mulheres na política: “Os 93 anos do voto feminino lembram a força das mulheres que abriram caminho para que hoje a gente pudesse estar aqui, participando e decidindo o futuro do nosso país. Como mulher e parlamentar, vejo essa conquista como um compromisso diário de representar bem, de inspirar outras mulheres e de mostrar que o nosso lugar também é na política”, declarou.
Para Veras “a verdadeira transformação virá quando não precisarmos mais de cotas para garantir o que deveria ser natural: a presença feminina nos espaços de decisão”.
Quase um século depois, o 3 de novembro segue como um símbolo de luta, conquista e igualdade. Cada mulher que vota reafirma o legado das pioneiras e contribui para a construção de uma democracia mais justa, diversa e plural.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 21 de novembro de 2025.

