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Em Jaguaribe, todo mundo tá no coco (e na ciranda)

publicado: 30/09/2025 08h22, última modificação: 30/09/2025 08h22
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Pedro Osmar e Paulo Ró juntos no palco: novo disco do Jaguaribe Carne | Foto: Márcio Miranda/Divulgação

por André Cananéa*

Disponível desde o último sábado (27) nas plataformas digitais e com edições limitadíssimas em LP e CD a caminho (lançamento exclusivo da Taioba Music), Isabel, Sete Cirandas Negras e um Apito sintetiza os 50 anos de carreira de um grupo, cuja arte não faz concessões, cuja música é livre - parafraseando Hermeto Pascoal - e que, discograficamente, se resume a apenas três álbuns, incluindo o novo. Esse é o Jaguaribe Carne de Pedro Osmar e Paulo Ró.

O grupo tem uma longa caminhada pautada pela defesa intransigente da cultura nordestina, pela valorização da arte, da musicalidade raíz e da família, sempre voltado ao bairro de Jaguaribe, onde o Jaguaribe Carne foi criado em meados dos anos 1970. “Eu saí de Jaguaribe, mas Jaguaribe não sai de mim”, costuma dizer Paulo Ró, radicado há anos no município de Lucena.

O duo - que no mesmo sábado, celebrou o lançamento do álbum nas redes digitais com um show no Clube dos Veteranos, localizado em Jaguaribe, claro - escolheu um título que resume bem a proposta do álbum de oito músicas, das quais sete são “cirandas negras” e uma faixa (“Ciranda satélica”) é instrumental, por suposto representada pelo “apito” do título, apesar do instrumento não estar presente.

A “Isabel” é Maria Isabel do Nascimento, mãe dos irmãos Pedro e Paulo, escolhida para batizar um repertório que diz muito sobre a família, de modo geral. As letras nasceram de poemas escritos por Pedro e musicadas por Paulo Ró, metodologia adotada desde sempre pela dupla - e aqui cabe um parênteses: Pedro é um poeta e tanto, vide as letras do novo trabalho, mas também clássicos como “Baile de máscaras” e “Nó cego”, ambas gravadas por Elba Ramalho, respectivamente, no primeiro e no segundo disco dela.

Nos poemas contidos no novo álbum estão lembrados muitos familiares dos irmãos que já partiram, como me contou Paulo Ró em uma entrevista na Parahyba 103.9 FM, sexta-feira (26) última: “Nós, irmãos, sempre fomos muito ligados uns com os outros. E aí quando Pedro sentiu essa necessidade de registrar esse ‘acarinhamento’ familiar, ele foi colocando o nome das pessoas, inclusive das pessoas que se foram”.

Estão lá os pais, Isabel e Osias, irmãos que partiram, como Osias Filho e Fátima, sobrinhos, como é o caso de Yanomami, e até a filha que Pedro perdeu, Maíra. “Ele (Pedro, autor da letra) começou a escrever isso, botando o nome das pessoas para para que esse núcleo familiar chegasse a mais gente, porque as pessoas só conhecem Pedro Osmar e Paulo Ró, né? Mas tem Augusta que também é da área de arte, faz teatro”, comentou Paulo na mesma entrevista.

A família não está presente apenas nas letras, mas também deu voz às faixas. As filhas de Paulo, Tereza Cristina, Glória Nascimento e Naderdane Uloth, fazem coro nas faixas, junto a esposa do músico, a cantora Tina Nascimento. “Eu as chamei de ‘Coro das Praias’”, disse ao repórter Daniel Abath, em entrevista publicada aqui, no Jornal A União.

As músicas foram amadurecidas no palco. É que embora este seja o primeiro disco do Jaguaribe Carne em 22 anos, o grupo se manteve distante do estúdio, mas não recusou convites para subir ao palco. No estúdio da 103.9, Paulo Ró revelou que há quase três anos, no Natal da Usina de 2022, o duo apresentou o show "Isabel, Sete Cirandas Negras e um Apito" na Usina Cultural com o mesmo repertório registrado em disco. No dia 12 de setembro passado, no Festival Funetec, o mesmo set list foi passado à limpo mais uma vez.

Das oito faixas, apenas uma, “Ciranda da Rua da Paz”, não é da lavra dos irmãos Pedro e Paulo. A música e a letra são de Totonho, que também canta na faixa. A faixa seria uma típica música de Totonho, não fossem os vocalizes e experimentações (inclusive estereofônica) típicas do Jaguaribe Carne.

Gravadas no Estúdio Peixe Boi, em João Pessoa, as cirandas (e o coco que encerra o disco, “Cocada”, dos versos “ Em Jaguaribe, todo mundo tá novo coco”) ganharam frescor com a qualidade que o estúdio dos Bancários e a mixagem de Marcelinho Macedo. Com esse apuro técnico, é possível apreciar o diálogo sempre genial entre a viola de Paulo Ró e a percussão de ‘Hora certa’ que adornam a letra lúdica de Pedro Osmar (melhor faixa do disco), ou as guitarras em brasa que pontuam ‘Ecoou’, e ainda a beleza dos cellos das gêmeas Mayra e Mayara Ferreira (o duo Bravia) em “Ciranda satélica”.

Isabel, Sete Cirandas Negras e um Apito traz o apuro de 50 anos de música do Jaguaribe Carne, e mostra que Pedro Osmar e Paulo Ró atravessaram do século 20 para o século 21 não só afiados, mas necessários à cultura paraibana. Hoje, mais do que nunca!

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 30 de setembro de 2025.