Sessões recheadas com filmes de todo o mundo, todas com entrada gratuita. Muita gente circulando pelos corredores do cinema. Assistir filme na praia, com o pé na areia. Ver show de Sidney Magal. Bater-papo com Fernando Morais (autor das biografias de Assis Chateaubriand, Olga Benário e do presidente Lula), sentar ao lado de Hermila Guedes, encontrar Caco Ciocler jantando, sozinho, na praça de alimentação do shopping. Conhecer vários colegas jornalistas e críticos de cinema de outras cidades. Encontrar e reencontrar atores, atrizes, diretores e muitos amigos que fazem do cinema não só uma expressão artística, mas um meio de vida. O Fest Aruanda é isso.
Adoro festivais. Minha persona profissional, enquanto jornalista, foi criada em festivais de música, em meio a shows, bastidores, encontros e entrevistas. Sigo amando esses eventos, e estive em quatro deles recentemente: o Imagineland On The Road, em Campina Grande, o FliParaíba, o Fest Aruanda e o Natal na Usina, esses três em João Pessoa.
Entre um papo rápido sobre a Revolta de Princesa com Fernando Morais — que pretende dedicar um livro à Revolução de 1930 —, recomendar um bolo de tapioca ao casal de críticos de cinema Maria do Rosário Caetano e Luiz Zanin e apertar a mão do professor Celso Sabadin, cujo programa na TV Band, nos anos 1990, ajudou minha formação enquanto cinéfilo, vi alguns curtas e longas, e fico feliz em dizer como a atual fase do cinema paraibano está esplendorosa, criativa e com muito a dizer.
Também tive duas missões bastante honrosas nessa 20a edição do Aruanda: autografar meu livro Luz & Sombra – 32 Pensamentos sobre Cinema (Editora A União) e integrar o júri do Prêmio EPC Vladimir Carvalho de melhor documentário. Neste aqui, eu, Renato Félix e Audaci Júnior, os três da equipe de jornalismo e crítica cinematográfica da EPC, avaliamos quatro produções.
O Nordeste Sob a Caravana Farkas, de Arthur Lins e André Moura Lopes, reconecta o Nordeste de hoje à produção que Victor Farkas realizou nos anos de 1960, atualizando aspectos como a vida do vaqueiro, os cantadores, o cangaço e a arte do barro. Ainda na seara paraibana, em A Pedra do Reino e o Sertão de Dom Pantero, Manuel Dantas Vilar, o Dantinhas, retratou a geografia de Ariano Suassuna à luz de sua obra, tendo como fio condutor uma entrevista com o professor Carlos Newton Júnior, amarrada com depoimentos afetivos do artista visual Manuel Dantas Suassuna, filho do escritor paraibano.
Dirigido por Catherine Murphy e Iris de Oliveira, Lendo o Mundo parte do curso de alfabetização de adultos promovido por Paulo Freire junto à comunidade rural de Angicos (RN), nos anos 1960. Bastante didático e detalhado, mostra como a alfabetização não apenas ensinou parte da população a ler e escrever, como também a ter um senso crítico capaz de modificar o ambiente em que vivem, e para melhor.
O documentário aborda o chamado “projeto das 40 horas”, que chegou até o presidente João Goulart. Ao se empolgar com a iniciativa e projetá-la para todo o Brasil, Jango foi deposto por um golpe militar e o educador Paulo Freire, obrigado a se exilar no exterior.
E por fim, mas não menos importante, o vencedor do prêmio, Honestino, de Aurélio Michiles, um filmaço sobre o líder estudantil Honestino Guimarães, um dos 434 militantes assassinados e/ou desaparecidos durante o regime militar, um grupo que se soma a 8.350 indígenas e outros 1.654 camponeses, todos assassinados, além de 80 mil brasileiros perseguidos pelos militares.
A trajetória de Honestino, que tinha apenas 26 anos quando foi levado pelo regime militar e nunca mais visto — caso semelhante ao do ex-deputado Rubens Paiva, também retratado nas telas em Ainda Estou Aqui, vencedor do Oscar — é um desses casos que precisam ser contados para mostrar o quão cruel foi a Ditadura, cujas atrocidades não respeitavam nem idosos, nem crianças, nem ninguém.
A transformação da Universidade de Brasília (UnB), onde Honestino estudava Geologia, e foi desestruturada pelo governo militar (com ajuda dos norte-americanos, segundo o filme), tem papel de destaque na narrativa, que conta com inúmeros depoimentos, e ainda tem Bruno Gagliasso atuando como personagem-título. Vencedor de três estatuetas no Aruanda (além de melhor documentário, melhor longa nacional pelo júri popular e melhor edição), estreia nos cinemas em março do próximo ano.
Os quatro filmes são muito importantes e merecem ser vistos. Em comum, os quatro versam sobre educação e memória, e dois deles, sobre o nefasto véu da manipulação de coroneis e militares para com o povo brasileiro. São lições para que jamais esqueçamos, e que lembremos sempre que esse Brasil não pode voltar jamais!
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 16 de dezembro de 2025.