Nas últimas semanas, escrevi sobre duas novidades no mundo da música: o novo disco de inéditas dos Rolling Stones, Hackney Diamonds, e o novo single dos Beatles, ‘Now and then’. O que ambos têm em comum, além da massiva aclamação mundial? São obras criadas por senhores que estão na ativa há, aproximadamente, 50 anos, inventando e reinventando caminhos para a arte, o mercado e o comportamento social humano.
Alinhado com esses dois estupendos lançamentos, os cinemas receberam Assassinos da Lua das Flores, novo filme do octogenário Martin Scorsese, aquele “vovôzinho ranzinza que detesta filmes de super-herói” (e errado ele não está!). O filme é uma obra-prima, pura e simples, e tem arrastado um bom público aos cinemas – está na quarta semana em exibição aqui em João Pessoa.
Essa adesão ao cinema, é importante notar. Com as redes fazendo um tour de force para trazer de volta o público para as salas – dizem que no pós-pandemia, a venda de ingressos caiu pela metade – a bilheteria do novo longa de Scorsese, até a quarta-feira passada (8), chegou bem perto dos US$ 200 milhões investidos na produção do filme, somando pouco mais de US$ 174 milhões. E, veja só, quase metade dos ingressos foram adquiridos por jovens de 18 a 34 anos de idade, sinalizando que não é só blockbuster que atrai a galera às salas. Bons filmes também.
Aos 80 anos, Scorsese é um integrante fundamental do cinema. Em sua carreira, ele não só estabeleceu novas diretrizes com obras-primas do quilate de Taxi Driver (1976), Touro Indomável (1980) e Os Bons Companheiros (1991), como resolveu encampar lutas em prol do cinema autoral verdadeiro, tem convocado o público a conhecer mais a sétima arte, criou um instituto para recuperar filmes antigos maltratados e adora reclamar que os streamings não dão lugar aos grandes clássicos.
Mas é justamente um serviço de streaming, a Apple TV+, que resolveu bancar o novo filme do diretor (ainda não há data para a estreia dele na Apple), a história de um massacre ocorrido nos anos 1920 contra uma família de indígenas da nação Osage, um recorte utilizado para destilar toda ganância e brutalidade do norte-americano branco opressor para lucrar em cima dos povos originários, roubando-lhes não só a terra e as riquezas que passaram a acumular com o petróleo que jorrava dessa terra, mas também o respeito, a dignidade e o livre-arbítrio.
A história é verídica, com roteiro extraído do livro homônimo do jornalista David Grann, também autor de Z, A Cidade Perdida, igualmente transformado em filme, sobre o sumiço de um explorador britânico na selva amazônica nesses mesmos anos 1920.
Assassinos da Lua das Flores é muito bem fotografado, sem reviravoltas mirabolantes. É um drama, desses dramas humanos que chegam à oitava camada abaixo do solo, com uma direção madura e impecável, uma edição precisa e um elenco afiadíssimo. Mas tudo dentro de uma simplicidade fílmica que dá aula aos arroubos de pirotecnia de muitos filmes atuais, que querem mostrar muito, sem ter nada a dizer. Seus quase 210 minutos de duração passam voando, maior prova de que é um filme muito bem realizado.
A história começa com a chegada de Ernest Burkhart (Leonardo DiCaprio) à casa do tio William Hale (Robert De Niro), localizada na reserva Osage. Hale é bem quisto pela comunidade indígena, inclusive fala o dialeto do povo, mas é um crápula, um lobo em pele de cordeiro. Então quando o ambicioso sobrinho (perdi as contas de quantas vezes ele diz que gosta de dinheiro) se engraça pela indígena Mollie Burkhart (Lily Gladstone), o tio faz todo o gosto pelo relacionamento, de olho na fortuna que ela está prestes a herdar (“O dinheiro deve ficar na família”, justifica o personagem de De Niro).
DiCaprio, De Niro e Gladstone estão irretocáveis em suas atuações. Lily Gladstone, descendente de povos originários, já é cotada para o Oscar. De Niro, há muitos filmes não fazia um personagem tão bom, e com a interpretação condizente com a proposta, da mesma forma como o elenco como um todo, formado por novatos e veteranos, como o vencedor do Oscar deste ano, Brendan Fraser.
Torço por outro Oscar para Scorsese, bem como a consagração de Assassinos da Lua das Flores no principal prêmio do cinema em todo o Mundo, muito embora o diretor, a esta altura, já seja um cineasta consagradíssimo, e seu novo filme já é tanto aclamado pela crítica, quanto pelo público. Então Scorsese não precisa tanto do Oscar, como nós, amantes do cinema, precisamos dele, do seu talento, da sua visão de mundo e de arte e, sobretudo, da maneira como ele nos conta uma (boa) história.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 14 de novembro de 2023.