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Música para crianças

publicado: 10/10/2023 09h43, última modificação: 10/10/2023 09h43
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Capas dos discos de Naldinho Braga e Nara Limeira, lançados entre 2015 e 2019 - Foto: Meu Quintal/Divulgação
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por André Cananéa*

Como muitos da minha geração – e até de gerações anteriores – cresci deitado numa almofada, em frente à vitrola, ouvindo as histórias que saíam de um disquinho colorido que meus pais compravam para mim e minhas irmãs. Não acho que era a badalada Coleção Disquinho, que a Continental começou a colocar no mercado a partir dos anos 1960. Naqueles anos 1980, acredito que a coleção tinha outro nome, mas era a mesma coisa: fábulas infantis narradas teatralmente através dos alto falantes do sistema de som doméstico. Uma espécie de “audiobook” primitivo.

Esse tipo de disco infantil ainda tentou uma sobrevida em CD neste século 21, mas aí as crianças já não estavam mais conectadas a fábulas em áudio, mas de olho no apelo audiovisual do YouTube em muitos dos chamados “conteúdos infantis”, sejam eles, de fato, voltados às crianças, ou não.

Creio que seja difícil encontrar uma criança, hoje, que pare para ouvir historinhas e se deixe levar pela imaginação que aquela narração etérea provoca – e ao invés da mídia física, hoje você pode pedir à Alexa para narrar Alice no País das Maravilhas, por exemplo. É mais fácil isso acontecer do que uma criança de oito, nove anos procurar uma música infantil para ouvir.

Além das historinhas em disco, minha geração também foi contemplada com discos infantis. Sou da geração que viajava no “Plunct, Plact, Zuuum…”, voava no Balão Mágico e se deliciava com as trilhas dos filmes de Os Trapalhões, que rendiam LPs incríveis, vide a paródia aos Saltimbancos ou mesmo pérolas como Os Trapalhões na Serra Pelada, que, além da participação maciça do nosso Sivuca (ele toca, arranja e compõe faixas do LP), ainda tem uma composição de outro bamba paraibano, Braulio Tavares, em parceria com Lenine na faixa ‘Embolando na serra’.

Houve um tempo em que a fina flor da MPB se rendeu ao mundo infantil. Lançado em 1980, o LP A Arca de Noé partia dos poemas de Vinicius de Moraes, lançados 10 anos antes, em livro, para entregar ao público infantil canções inspiradas nesses textos. Esses poemas, então, ganharam a voz de gente como Chico Buarque, Milton Nascimento, Elis Regina, Ney Matogrosso e, claro, Toquinho, responsável por musicar os versos do Poetinha.

A Arca de Noé ainda rendeu um segundo LP, em 1982, repetindo alguns artistas do primeiro elenco e agregando novos nomes, como Elba Ramalho, Fagner, Paulinho da Viola e até Grande Otelo, emprestando a voz aos versos de ‘O porquinho’. As capas originais de ambos os LPs era um barato, afinal vinham no modelo recorte-e-cole e eu, do alto dos meus 6, 7 anos, fiz a festa com a tesoura (sem ponta).

Acompanhei muito dessa produção musical infantil que, infelizmente, parece ter sumido da mira de artistas e, talvez, dos ouvintes. Desconfio que hoje não se ouçam mais discos como Adivinha O Que É (1981), Pirlimpimpim (1982) Casa de Brinquedos (1983), mesmo nas plataformas de streaming. Felizmente, há resistências, caso do Palavra Cantada, que entrega conteúdo de forma lúdica, ou as tentativas do Mundo Bita de se aproximar da MPB, gravando com Caetano Veloso e Milton Nascimento, e até reinterpretando clássicos como ‘A vida do viajante’ (Luiz Gonzaga) e ‘Como uma onda’ (Lulu Santos). Mas não é isso que ouço nas festinhas de aniversário da garotada. Vejo muita gente buscar a playlist “festa de criança” e apertar o play, e tanto faz se metade do repertório é do infame Patati-Patatá, ou da Galinha Pintadinha com as versões de cantiga de roda.

Na minha coleção de CDs, reservo um espaço para discos com esse tema infantojuvenil e que julgo importante como pontos altos da história da MPB. Por exemplo, gosto da série de três discos Partimpim, de Adriana Partimpim, ou melhor, Calcanhotto. O Pato Fu lançou dois ótimos álbuns com releituras de clássicos da MPB ao som de brinquedos e Zeca Baleiro gravou dois discos autorais destinados aos pequenos, Zoró (Bichos Esquisitos) Vol. 1 e Zureta Vol. 2.

Tenho um carinho enorme pelo projeto Par ou Ímpar, da dupla gaúcha Kleiton e Kledir, lançado em CD em 2011, tanto no registro de estúdio, quanto no ao vivo. Gosto até mais do que do Pequeno Cidadão (projeto que reúne Arnaldo Antunes, dos Titãs, com Edgard Scandurra, do Ira!). E vale lembrar que, por aqui, na Paraíba, também temos, em disco, um repertório dedicado à criançada: à frente do grupo Meu Quintal, Naldinho Braga e Nara Limeira lançaram três álbuns autorais, Meu Quintal (2015); Roda Gigante (2018) e Eu Passarinho (2019), com sonoridade regional sobre letras que falam do universo de uma casa com crianças. Bacana, né?!

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 10 de outubro de 2023.