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O fascinante ‘Ripley’

publicado: 30/04/2024 14h13, última modificação: 30/04/2024 14h13
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Dakota Fanning, Johnny Flynn e Andrew Scott em cena de ‘Ripley’, série disponível na Netflix | Foto: Netflix/ Divulgação

por André Cananéa*

A escritora Patricia Highsmith (1921-1995) tinha por volta de 34 anos quando lançou O Talentoso Ripley, livro que ajudou a norte-americana a se consolidar como um nome gigante do romance policial, com tramas repletas de suspense e reviravoltas de tirar o fôlego. Esse thriller versa sobre um vigarista que é contratado por um milionário em Nova York (EUA) para ir até a Itália convencer seu único filho e aspirante a artista Richard “Dickie” Greenleaf a abandonar a vida de playboy no litoral napolitano e voltar para casa. Essa premissa deu origem a filmes e, mais recentemente, a uma das melhores séries em cartaz nos serviços de streaming: Ripley (disponível na Netflix).

Ripley é criação de outro norte-americano, Steven Zaillian, mais famoso como roteirista (assina o script de O Irlandês e Gangues de Nova York, ambos de Scorsese, Millennium – Os Homens Que Não Amavam as Mulheres e A Lista de Schindler, pelo qual venceu o Oscar em 1994) do que como diretor, muito embora tenha em seu curto currículo nessa área o cativante Lances Inocentes e o soberbo A Grande Ilusão, refilmagem do homônimo filme ganhador do Oscar em 1950.

Zaillian assina tanto o roteiro quanto a direção dos oito episódios de Ripley e acerta na mosca em ambas as categorias. Aposta numa exuberante fotografia em branco-e-preto de alto contraste que valoriza o clima noir da trama, bem como a locação em cidades como Atrani, Roma, Palermo, Nápoles e Veneza – com enquadramentos ambiciosos de escadarias e ruas esfumaçadas na noite italiana, gerando sequências de deixar o queixo caído, sobretudo se você se dispuser a ver a série em uma boa TV com resolução 4K.

É nítida a influência do cinema de Alfred Hitchcock, com construções de fazer o espectador subir na poltrona devido à alta carga de tensão, notadamente de filmes como Janela Indiscreta, Marnie, Confissões de uma Ladra e, veja só, Pacto Sinistro, que também foi inspirado em um livro de Patricia Highsmith.

Mas tudo isso ainda não faria de Ripley a grande série que é se não fosse a interpretação magistral do ator Andrew Scott. Frequentemente associado ao padre de outra série, Fleabag, ele também figura no elenco do drama de guerra 1917 e no seriado de ficção científica Black Mirror.

Não é exagero dizer que Tom Ripley é o personagem da carreira de Andrew Scott – pelo menos até agora. Não é fácil dar vida a um psicopata frio, sem qualquer sentimento ou humanidade sem cair no caricato. E, mais difícil ainda: incorporar um personagem que, ao mesmo tempo que é desprovido de empatia, possui a lábia cativante de um bom vigarista. No papel, Scott equilibra essas características com precisão poucas vezes vistas até no cinema.

Isso é crucial quando, na trama, o charlatão começa a ter uma vida dupla, ludibriando a namorada de Dickie Greenleaf (Johnny Flynn, de O Alfaiate, que acaba de entrar no catálogo do Prime Video), Marge (a ex-estrela mirim Dakota Fanning), assim como o detetive Ravini (Maurizio Lombardi) – o elenco ainda tem Eliot Sumner, a filha não binária do cantor Sting com a atriz Trudie Styler no papel de Freddie Miles.

Some-se, também, o beliscão que a história dá na arte clássica. Dickie se esforça para ser um pintor, tendo na parede de sua casa um quadro de Picasso. Isso leva Ripley a também se aproximar das artes visuais, apreciando a obra de outro nome estelar, Caravaggio, com a inclusão de oito telas famosas que se conectam com a trama de forma intrigante.

O Talentoso Ripley já foi levado ao cinema duas vezes antes da série, primeiro com o título de O Sol por Testemunha (1960), do francês René Clément, cujo personagem principal coube ao galã Alain Delon, e, em 1999, com o mesmo título do livro, O Talentoso Ripley, dirigido por Anthony Minghella (O Paciente Inglês, Cold Mountain) e com elenco formado por Matt Damon (Ripley), Jude Law (Dickie), Gwyneth Paltrow (Marge) e Philip Seymour Hoffman (Freddie Miles), e ainda Cate Blanchett no papel de Meredith Logue, que não existe na série da Netflix.

O personagem Tom Ripley também foi vivido por Dennis Hopper (O Amigo Americano, de 1977), John Malkovich (O Retorno do Talentoso Ripley, de 2002 – o ator, aliás, faz uma ponta muito interessante no final da série) e Barry Pepper (Limite, de 2005) - os títulos fazem referência a outras obras de Patricia Highsmith com o mesmo personagem. Ao todo, Tom Ripley figura em cinco livros, o que tem levado a especulação se Steven Zaillian não toparia voltar a esse universo outras vezes. Vamos torcer para que sim.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 30 de abril de 2024.