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O som, veja só!

publicado: 27/02/2024 15h07, última modificação: 27/02/2024 15h07
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‘Zona de Interesse’: o som (indicado ao Oscar) é parte integrante e indissociável da trama - Foto: Diamond Films/Divulgação

por André Cananéa*

Zona de Interesse, produção inglesa falada em alemão e que disputa cinco estatuetas no Oscar deste ano (incluindo Melhor Filme) é um dos longas mais perfeitamente elaborados que eu vi nos últimos tempos. Parte desse crédito eu atribuo ao uso inteligentíssimo do som (que mereceu uma dessas indicações) como parte integrante e indissociável da trama, sobre o cotidiano da família do comandante do campo de concentração de Auschwitz, onde milhares de judeus foram mortos de maneira desumana durante a Segunda Guerra Mundial.

Acontece que o campo de concentração é vizinho de muro da casa do tal capitão. Mas o diretor Jonathan Glazer (que tem no currículo desde videoclipes da banda Massive Attack à ficção científica rebuscada Sob a Pele) não quer que o espectador tire os olhos dessa família medonha, que acha o extermínio de judeus algo corriqueiro, encara com naturalidade a maldade e não tem qualquer empatia pelo ser humano. Para isso, Glazer se vale do som para mostrar que, naquela casa, apesar de indiferente, a família está cercada por tiros, dor e desespero, logo ali, do outro lado do muro.

Mais do que em outros anos, me impressionou bastante o uso do som como parte integrante de filmes como esse. Portanto, se você não assistiu a Zona de Interesse com um som adequado, fosse no cinema ou em casa, com um bom aparelho de áudio ligado à televisão, perdeu não apenas parte da experiência, mas uma parcela significativa do enredo, que não é contada através de imagens, mas do som.

Cinco filmes disputam a categoria de Melhor Som este ano: Resistência, Maestro, Missão: Impossível - Acerto de Contas, Oppenheimer e o citado Zona de Interesse. Talvez eu não seja a melhor pessoa para dar uma palestra sobre os argumentos que levaram esses filmes a disputar o prêmio, mas como vi (quase) todos no cinema (exceção de Maestro, na Netflix), sei que o desenho de som se destaca neles.

O som vem sendo valorizado no Oscar desde que a indústria cinematográfica adotou a tecnologia, deixando para trás os filmes mudos. Ou seja, a partir de 1930, a categoria começou a existir. Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança, Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros, O Resgate do Soldado Ryan, A Origem e, no ano passado, Top Gun: Maverick foram alguns dos filmes que tiveram o trabalho da equipe de som reconhecido pelo Oscar.

Elaborar um desenho de som para o filme não é apenas investir na sonoridade que a trajetória de uma bala pode fazer, o barulho de pancadas, vento soprando, freio de carro e até de naves espaciais viajando pelo espaço (que, a rigor, não tem som, mas na magia dos filmes, tem). É pensar em como ele pode ajudar o espectador a se envolver ainda mais, de uma maneira sensorial, naquela trama.

Anatomia de Uma Queda, por exemplo, não tem um desenho de som tão caprichado que lhe valesse uma indicação na categoria. Mas logo no início da trama, há uma música (‘P.I.M.P.’, do rapper 50 Cent) tocada em loop a um volume estratosférico. Essa música, nesse volume, é parte integrante da trama, inclusive atrapalhando a conversa entre duas personagens. Na sala que eu vi o filme, com o som devidamente ajustado, o volume da música também incomoda o espectador para que ele tenha a mesma sensação que as personagens.

Pobres Criaturas também não recebeu uma indicação por Melhor Som, mas está na disputa pelo prêmio de Melhor Trilha Original. A música – muitas vezes bizarra – de Jerskin Fendrix, se tocada na altura certa durante a projeção do filme, vai causar uma agonia intencional no espectador, para ele consiga imergir ainda mais naquele mundo igualmente bizarro explorado por Bella Baxter (Emma Stone).

A tecnologia de som avança. Atualmente, filmes e discos do circuitão comercial têm sido masterizados em Dolby Atmos, com o objetivo de ter uma qualidade muito superior. A empresa Dolby tem investido não só na tecnologia para que filmes e discos sejam processados com qualidade Atmos, mas também em espaços para ouvi-los.

Agora em fevereiro, a novíssima edição de 50 anos do álbum Band on The Run, de Paul McCartney, ganhou uma audição coletiva num espaço da Dolby em Hollywood (EUA). O repertório, remasterizado com a tecnologia Dolby Atmos, foi tocado na íntegra, com a melhor reprodução que existe atualmente. Quem foi disse que é uma experiência imersiva única, pelos relatos que li na internet.

A gente não tem uma sala assim por aqui, mas ano passado – e este ano há de se repetir – a parceria entre a Centerplex, a própria Dolby e o Imagineland proporcionou um bom exemplo de como a tecnologia de ponta vem dando uma renovada na maneira como consumimos filmes. Eu vi o independente Fale Comigo, que nem tem um desenho de som caprichado, mas a distribuição espacial do áudio realmente me impressionou.

Quem dera ver Oppenheimer numa estrutura assim – em tempo: para mim, ele leva também o Melhor Som.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 27 de fevereiro de 2024.