É curioso como o avanço da tecnologia deu um nó geracional. Até meados da segunda metade do século 20, era comum que os pais ensinassem tarefas e ofícios aos filhos. Hoje também é assim, mas só em parte. Depois do advento da internet e dos pequenos dispositivos digitais móveis, não é raro ver um pai ou uma mãe pedir um ensinamento (técnico, ora pois) aos filhos. E estes acabam se tornando mestres em uma área que nós, mais velhos, temos certa dificuldade para acompanhar. Afinal, os nativos digitais são eles…
Se pararmos para pensar, até a metade do século passado, entretenimento era coisa de adulto. Refletindo agora, penso que o cinema só veio dar importância à juventude nos anos 1950, em filmes como O Selvagem (1953), Juventude Transviada e Sementes de Violência (ambos de 1955), e ainda Rock Around the Clock (Ao Balanço das Horas, no Brasil), lançado no ano seguinte, surfando na onda de um movimento feito por jovens e para jovens, e que não dava a mínima importância aos mais velhos: o rock ‘n’ roll.
Na década seguinte, a nouvelle vague francesa foi importante para criar essa ideia de representatividade juvenil na tela, que voltou a se consolidar na América a partir dos anos 1970, com a Nova Hollywood, em filmes como Loucuras de Verão, de George Lucas, e, um pouco mais tarde, com Steven Spielberg criando aventuras inesquecíveis com crianças e pré-adolescentes. E por aí vai…
Aos 50 anos, venho me ressentindo do quanto os serviços de streaming têm foco na juventude — e nisso falo sobretudo da produção, haja visto que o catálogo, às vezes, abarca algum clássico fora do eixo. Há muita aventura de super-herói, doramas e dramédias juvenis, e filmes de terror protagonizados e dirigidos à garotada.
Por isso, é uma maravilha assistir a um título como As Quatro Estações do Ano, na Netflix. Aquela série de oito episódios curtos (menos de meia-hora) fala para mim, para o momento da vida que me encontro agora. São três casais: Tina Fey (também cocriadora e roteirista) e Will Forte; Steve Carell e Kerri Kenney; e Colman Domingo e Marco Calvani. Todos na faixa dos 50+. Todos vivendo crises das mais diversas no relacionamento. Porém, todos querendo viver uma eterna Primavera.
Os desafios para manter um casamento duradouro, as dificuldades de criar filhos nos tempos atuais e, sobretudo, os obstáculos que nós - que crescemos no mundo analógico e caímos na vida adulta com ele sendo digitalizado - enfrentamos com gadgets, informação em excesso e as tais “novas tecnologias”, que crianças de 8 anos lidam com a naturalidade de quem tira uma laranja do pé.
Precisamos de mais conteúdos que reflitam essa fase da nossa vida, que mostrem como estão as pessoas que viveram no furacão da mudança de processos, do analógico para o digital. Dia desses, vi uma comédia (ruim) chamada Y2K - O Bug do Milênio, cuja história se passa no Réveillon de 1999 para 2000. Isso já tem 25 anos, um quarto de século, e muita coisa aconteceu de lá pra cá, praticamente tudo que usamos hoje: YouTube, Twitter (hoje, X), Instagram e WhatsApp.
Li, na semana passada, a revista Veja saudar a estreia de O Clube do Crime das Quintas-Feiras (também na Netflix). Adaptação do livro homônimo, narra a história de quatro idosos 70+ às voltas com um assassinato que tem total relação com a bela casa de repouso onde vivem.
A reportagem versa sobre como thrillers de mistério protagonizados por idosos têm feito sucesso no streaming, citando como exemplo os títulos Only Murders in the Building (do Disney+) e Um Espião Infiltrado (Netflix), estrelado por veteranos como Martin Short (hoje com 75 anos) e Steve Martin (80 anos), no primeiro título, e Ted Danson (77 anos), no segundo. Como bem lembrou o texto, a ONU estima que o número de idosos dobrará até 2050, chegando a 1,6 bilhão no mundo.
Colocar uma vovó ou um vovô para resolver casos que a polícia, com todo seu aparato, não consegue, nem é ideia nova. Agatha Christie já fazia isso com Hercule Poirot e, mais ainda, com Miss Marple, descrita como uma idosa e solteira, dedicada ao jardim, ao tricô e às conversas frívolas com vizinhos. E isso, nos anos 1930.
No caso de O Clube do Crime das Quintas-Feiras, os personagens parecem corresponder à idade do seu elenco principal: Helen Mirren (80 anos), Pierce Brosnan (72 anos), Ben Kingsley (81 anos) e Celia Imrie (73 anos). É um bom e divertido entretenimento (ainda prefiro Agatha Christie), mas deixo aqui a recomendação para todo mundo assistir. Assim, esse tal algoritmo fará com que a indústria preste mais atenção ao “público maduro”.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 9 de setembro de 2025.