Fado é música, mas também é memória, sentimento e silêncio entre notas. Surgido em Portugal no século 19, especialmente nos bairros lisboetas da Alfama e do Bairro Alto, o fado nasceu das ruas e das saudades. Sua origem carrega influências árabes, modinhas brasileiras, cantos africanos e lamentos marítimos — um caldeirão emocional que transformou a dor em arte. A palavra “fado” vem do latim fatum, que significa destino. E destino é o que se canta: o que se aceita, se sofre e, às vezes, se supera.
Composto por letras densas e melodias profundas, o fado é cantado por fadistas acompanhados por guitarra portuguesa e violão clássico. Cada apresentação é uma entrega. O fado não exige apenas técnica; exige alma. É por isso que, mesmo longe das vielas de Lisboa, ele consegue tocar corações — como aconteceu recentemente em Patos.
Noite inesquecível
No dia 16 de maio de 2025, o fado encontrou morada no Sertão paraibano. O Clube do Choro de Patos foi palco de uma noite histórica ao receber a apresentação da fadista Cândida Maria e do músico Julio Mathias, dupla que reside atualmente em João Pessoa e tem se dedicado a preservar a música portuguesa em seus shows quinzenais no Bar do Bacalhau.
Mais do que uma apresentação, foi um reencontro emocional. Cândida viveu sua juventude em frente ao espaço onde hoje funciona o clube, e voltou à cidade para celebrar suas raízes através da música. A noite começou com a apresentação de Lúcia Batista, que encantou o público com clássicos do choro e da MPB. Em seguida, Julimar Dias conduziu um momento leve com sambas e músicas da Jovem Guarda. Mas foi com a entrada de Cândida que o clima mudou. A sala silenciou. A emoção se espalhou. Era o fado acontecendo.
Lágrimas, silêncio e aplausos
O repertório incluiu fados tradicionais, histórias de dor e esperança, todas interpretadas com sensibilidade e domínio vocal. A guitarra portuguesa soava como se falasse. O público, composto por mais de 50 pessoas, ocupava cada canto do clube — e também parte da rua Rodão Ribeiro, no 75. O evento começou às 20h e seguiu até às 23h, em uma verdadeira imersão no universo luso.
Não era apenas um show. Era um testemunho de como a arte atravessa fronteiras e toca o que há de mais humano em nós. O fado, tão distante geograficamente, tornou-se íntimo naquela noite sertaneja. E muitos dos presentes saíram transformados.
Cena cultural local
Fundado em dezembro de 2024, o Clube do Choro de Patos nasceu como espaço para acolher músicos, artistas e a comunidade, promovendo a música brasileira — especialmente o chorinho e a MPB. Idealizado por Antônio Roberto Gomes de Figueiredo, o Roberto do Cavaco, o clube se consolidou rapidamente como referência em arte, afeto e troca de saberes. A apresentação de fado foi mais uma prova da abertura do espaço à diversidade cultural e da capacidade do clube de unir passado, presente e futuro em um mesmo palco.
Entre Portugal e o Sertão
O que se viu naquela noite foi a confirmação de que a arte é universal. Que o fado pode nascer em Lisboa e florescer em Patos. Que a música é capaz de criar pontes entre memórias, povos e afetos. E que espaços como o Clube do Choro são fundamentais para que encontros assim aconteçam.
Patos viveu, por algumas horas, a saudade portuguesa. Mas também celebrou sua vocação para acolher o mundo através da arte. O fado, como dizia Amália Rodrigues, “não se canta, acontece”. E naquela noite, ele aconteceu — profundo, belo e eterno.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 23 de maio de 2025.