O terceiro filme que continua a história da série Downton Abbey faz o que o seriado fazia de melhor: mostrar como o avanço dos costumes influía na aristocrática família dona da propriedade do título e como ela tinha que se adaptar aos novos tempos. Lá nos primeiros episódios da série, a trama começava em 1912. Agora, chega a 1930. É uma melhora significativa em relação ao segundo filme, Downton Abbey II – Uma Nova Era (2022) em que muita coisa ameaçava acontecer, mas pouca coisa acontecia de fato. Downton Abbey – O Grande Final, em cartaz nos cinemas, anuncia em seu subtítulo aquilo em que se empenha: arquitetar um final para sua história que começou a mostrada em 2010.
Isso envolve Robert Crawley, o Conde de Grantham (Hugh Bonneville) sentindo dificuldades em se afastar da liderança da família em favor da filha Mary (Michelle Dockery). Lembrando que o ponto de partida da série era a impossibilidade de Mary herdar o lugar e os negócios porque eles deveriam ser transmitidos a um herdeiro homem.
Ao longo das temporadas e dos filmes, com muitas idas e vindas amorosas e trágicas, chegamos ao ponto em que essa tradição machista foi superada. Mas, apesar de no filme anterior o pai dizer “Você é a capitã, agora”, largar o timão ainda é uma questão.
No andar de baixo, o dos empregados, essa mesma passagem de bastão está acontecendo também com dificuldades entre o velho mordomo Carson (Jim Carter) e seu sucessor, Andrew (Michael Fox). Já entre a veterana cozinheira, a sra. Patmore (Lesley Nicol) e a jovem Daisy (Sophie McShera), a mudança transcorre sem problemas. Estará Julian Fellowes, autor da série e roteirista do filme, querendo dizer que abdicar do poder é um problema principalmente para os homens?
Fellowes se inspirou na dinâmica andar de cima/ andar de baixo de A Regra do Jogo (1939) para reforçar os contrastes sociais, primeiro no filme Assassinato em Gosford Park (2001) e depois em Downton Abbey. Tanto a nobreza quanto os empregados têm forte senso de regras de postura e rígida hierarquia. O passar do tempo tem como função nesse universo colocar tudo isso em cheque, mesmo que aos poucos.
Assim, o filme começa com Mary envolvida em um escândalo por ser, agora, uma mulher divorciada. A rejeição da alta sociedade pode colocar a propriedade em mais dificuldades financeiras do que já está. Há também situações que derrubam um pouco a rigidez da separação entre as classes sociais, como a inclusão da cozinheira e do mordomo entre os conselheiros de uma feira de atrações, onde só os nobres tinham voz.
E o filme mostra a possibilidade sutil de um amor gay feliz, o que era reservado a muito poucos na Inglaterra daqueles tempos (era, inclusive, contra a lei). O dramaturgo Noel Coward surge como personagem do filme, vivido por Arty Froushan, para ser uma espécie de salvaguarda de autoridade nesse assunto.
O filme realmente procura fazer jus ao subtítulo e dar uma cara de final, sobretudo com a simbólica decisão do conde de se mudar da propriedade. Além do mais, lembranças do começo da série surgem no desfecho, incluindo personagens que morreram ao longo do programa, como se fechasse um ciclo.
Será mesmo o fim? Só o futuro dirá, porque Downton Abbey já teve outros finais ao longo de sua trajetória – o desfecho da primeira temporada, da sexta, do primeiro filme e do segundo. E estamos aqui.
.*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 24 de setembro de 2025.