O camisa 10, craque do time, não estava na área. Estava lá na ponta direita para cobrar o escanteio, do lado do campo que fica à esquerda na imagem da TV. Bola alçada na área para o aparente vazio. Mas naquele vazio havia um encontro marcado com a bola. Nosso zagueiro dispara da entrada da área para o centro, pegando a defesa desprevenida, sobe mais do que todo mundo e cabeceia. Gol. O gol do título. Flamengo campeão.
Poderíamos estar falando do gol de Danilo, camisa 13, no domingo passado, em Lima, que decretou o quarto título da Libertadores do Fla, que se tornou o clube brasileiro mais vencedor da história do torneio.
E a mesmíssima descrição também serve para o gol de Rondinelli, camisa 3, no Maracanã, em 1978, que rendeu o título do Campeonato Carioca e abriu a fase mágica do Flamengo de Zico. Um dos gols mais importantes da história do Flamengo.
Há diferenças também, claro. Domingo o adversário era o Palmeiras; em 1978 era o Vasco. Na Libertadores, o gol veio cedo, em comparação: os dois foram no 2o tempo, mas Danilo fez aos 21; Rondinelli marcou só aos 41, quando tudo já parecia perdido. As datas não foram as mesmas, mas bem próximas. A final da Libertadores foi em 29 de novembro; a do Carioca de 47 anos antes, em 3 de dezembro.
Lembrei do gol do Rondinelli imediatamente, no sábado, quando Danilo fez o dele. Depois houve quem também remetesse ao de Ronaldo Angelim em 2009, que nos deu o título daquele Brasileirão. Gol de zagueiro, gol do título. Do outro lado do campo, mas também cruzada por um camisa 10, embora não a estivesse usando naquele campeonato (Petkovic usava a 43; a 10 estava no Imperador).
Mas a relação de gols de cabeça históricos que valeram títulos ao Flamengo precisa viajar bem mais no tempo. É preciso voltar ao centroavante que retornou da aposentadoria para disputar uma final de Carioca e fez o gol do título de 1944, o primeiro tri do Fla.
O argentino Valido já tinha se aposentado havia um ano. Mas, repentinamente desfalcado, o Flamengo foi até ele, pedindo para despendurar as chuteiras para os dois últimos jogos daquele campeonato. Contra a vontade da família, Valido voltou e, no primeiro dos dois jogos, o Flamengo massacrou o Fluminense por 6 a 1.
A final seria o jogo seguinte, contra o Vasco, na Gávea. E, para esse, Valido entrou em campo com uma febre de 39 graus. Aos 41 do segundo tempo (igual a Rondinelli, 34 anos depois), marcou de cabeça o gol do título. Flamengo 1 a 0, tricampeão carioca.
Os vascaínos até hoje reclamam que Valido teria empurrado o zagueiro Argemiro, mas o atacante sempre disse que, se houve empurrão, foi na descida, depois do cabeceio.
Missão cumprida, ainda no vestiário, Valido anunciou sua nova aposentadoria.
A Valido, Rondinelli e Ronaldo Angelim, se une agora Danilo, mais um herói do Flamengo que entrou neste panteão por usar a cabeça no momento certo.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 3 de dezembro de 2025.