Último dia 21 foi muito bonito. Acordou cinza. No Nordeste brasileiro, no período do ciclo junino, é muito comum o céu nublar. E rapidamente o tempo limpar também. A Terra tendo um pouco de descanso. Precisa descansar, não é mesmo?
Confesso que aquietar é um aprendizado às vezes difícil. Não quero falar da aceleração do tempo-espaço. Da mudança drástica do ritmo da vida. Aquietar o coração, os passos, o compasso das horas.
Observar crianças e adolescentes, filhos(as), sobrinhos(as) e netos(as) de conhecidos me coloca muito diante dos saltos que a própria vida dá. Sentindo e observando a energia de meu corpo, nos últimos anos, fui tendo mais consciência do ritmo da minha própria vida e das marcas do tempo em mim.
Certa vez eu encontrei em casa o livro Meditações de Marco Aurélio, e comecei a ler. Na época eu nem sabia muito bem o que era o estoicismo, nem que nos últimos anos circularam muitos livros desta corrente filosófica.
Li e gostei. Mesmo refletindo que quando lia a Bíblia tinha inspirações muito filosóficas. Falo isto porque me refiro ao corpo como lugar da integralidade do ser. Estas referências me ajudaram a me confrontar com a liquidez do próprio corpo pela ação do tempo.
Recentemente um artista querido anunciou estar com a doença de Parkinson. Ícone da música, símbolo de sensualidade e beleza, e uma das vozes mais lindas, ele se posicionou de uma maneira muito honesta e serena sobre uma doença degenerativa, que não só impacta os movimentos do corpo, mas a subjetividade e a socialização.
Quando percebo sutilmente os meus desconfortos físicos, vem a luz rápida, e as vezes passageira, de que devo estar atenta ao corpo que reflete a mente ativa (ou seria hiperativa?).
Tenho me esforçado para cuidar da mente lidando com o corpo, na compreensão profunda, complexa, de que tudo é um só, mas que foi ensinado de maneira segregada.
Essa semana quando soube do acidente e morte de Juliana Marins, de 26 anos, num acidente na Indonésia, lembrei de quanto o corpo feminino é mesmo negligenciado socialmente. Nós mulheres enfrentamos ao longo da vida, muitas vezes, o controle dos nossos corpos e o descaso com eles.
Não só a operação desastrosa do “resgate” da jovem fala de como o social lida com os corpos femininos. A violência obstétrica que causa uma infinidade de morte de bebês e mães; as agressões dentro de casa; a exploração financeira, conhecida também por violência patrimonial; os abusos sexuais dentro e fora de casa. Mulheres, protejamos nossos corpos. Sociedade, proteja nossos corpos. É nele que cultivamos nossos sonhos.
É com nossos corpos que construímos este mundo e muito do que belo existe nele.
Em 2022, quando estive na Bolívia a trabalho, observava e fotografava as mulheres, as cholas. Especialmente porque representam a economia popular do país. Carregando seus filhos e filhas, elas estão em muitos lugares vendendo seus produtos, com suas sacolas. Eu fiquei imaginando o que seria da economia do país sem as cholas. Para além dos trajes típicos, há um corpo entregue ao trabalho duro, pesado.
Pensar a ação do tempo em meu corpo é um confronto silencioso e que expõe para mim — muitas vezes de maneira engraçada — os meus lindos delírios. Eu não aderi, ao longo do tempo, ao culto ao corpo. Nem as parafernálias que nos remendam, nem as injeções que fazem inveja ao personagem Edward Mãos de Tesoura. Mas tive e tenho que pensar e agir sobre um corpo feminino.
Claro, que hoje falo desta mulher que viveu ciclos importantes da vida, e que busca construir uma maturidade bacana. Tendo a clareza que é necessária uma entrega, uma aceitação. É também descontruir visões calcificadas sobre a corporeidade.
Eu, agitada, já inventei muita coisa: nadar em piscina; nadar no mar; tocar violão; dança do ventre; cantar em grupo folclórico; fazer teatro; costurar com retalhos; organizar grupo de jovens; roteirizar e dirigir documentários, fotografar, fazer colagens e álbuns, jogar vôlei, fazer dança de salão, participar de trilhas...
Hoje, eu penso só em brincar com o tempo.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 27 de junho de 2025.