Um bom amigo ou amiga nos ilumina com seu olhar. Sinto maior felicidade em poder afirmar que tenho uma grande amizade que me acompanha por trinta e sete anos. Um relacionamento que começou numa sala de aula, entre adolescentes, num dos melhores anos que já vivemos.
Toda vez que eu vejo a flotilha com ajuda humanitária em direção à Gaza penso que estaríamos juntos nessa missão. E estamos, da maneira que podemos. Não silenciando o genocídio de Gaza e insistindo para que todo povo tem direito a existir.
O meu amigo sempre ajudou, mesmo não dizendo nada, a imaginar o futuro plantando sementes boas no presente. O desafio é que um mundo tem lá das suas. Não é feito só de gente legal, tem muito joio por aí.
Das vezes que vou às ruas do Brasil contra esse sistema econômico predatório e práticas políticas autoritárias e corrosivas da democracia, carrego comigo meu amigo. Do lado de dentro. Na certeza de que, de onde estiver, ele estará sempre abraçado com lindos ideais. Foi bem assim nos anos que antecederam a primeira eleição direta no país, e em tantas outras ocasiões.
Muito diferentes um do outro, a gente amou essa possibilidade de se amar tanto a partir da aceitação mútua. E expondo claramente todas as discordâncias, exageros, lacunas, erros. Toda amizade profunda tem um pouco de nudez envolvida. A ressonância do olhar do amigo vê a nossa alma muito além do que podemos imaginar.
Nossa amizade se faz também em momentos profundo de silêncio. Tem ainda a distância física. E os sonhos que a gente nutre e não tem medo de falar um para o outro.
Eu por exemplo carrego infinitamente o desejo de ir com ele a Oslo, por causa de uma paixão musical. Essa mesma que nos fez ir juntos a um show da banda A-há no Recife, já adultos.
Sonho, com Eripetson Lucena, muitas galáxias juntos. Porque acolhemos tanto já nesta vida. E igualmente sentimos juntos o que também nos foi tirado no percurso de nossas existências. Se testemunhamos o nascimento de algumas novas gerações, choramos junto a perda de um amigo e de tantas outras referências em nossas vidas.
A família de um amigo não deixa de ser um porto seguro também em nossas vidas. Não só para torcer pela Seleção Brasileira de Futebol. Mas para lutar e torcer para que o nosso país supere as desigualdades e o neofascismo à espreita querendo devorar a democracia e a dignidade humana.
Uma amizade longa é feita também de perrengues. E com ele já atravessei alguns. Inclusive por sugestão do próprio, sem ter lá muita noção, de subir um despenhadeiro, morrendo de medo de nunca mais voltar para casa. Sobrevivente perguntei: rapaz, se soubesse que era assim nem tinha ido. Ele, sorrindo lindamente me responde: eu estava orando muito para que desse certo, porque Chacaltaya é algo tão extraordinário, que gostaria que você estivesse lá.
E quando cheguei a Chacaltaya pensei: que maravilhoso que meu amigo já pisou aqui.
Eu caminho nesse mundo junto com as pegadas de Eripetson Lucena. Pés invisíveis, com grandes asas invisíveis. Que, apesar de tudo, tece poesia para suportar a aridez de um tempo complexo e distópico.
Quando, no silêncio, tudo parece obscuro, a gente de alguma forma acende um ponto de luz um para o outro que parece magia. E não deixa de ser. Uma palavra, uma música, uma lembrança, um sabor, um poema, um não. Um pedido de socorro. Uma piada. Um sorriso que arranca a dor.
Conheço muita gente. Mas sou de poucos amigos e amigas. Já quebrei a cara confiando numa “amizade”. Quem nunca? Por outro lado, reconheço, “que há amigos mais chegados que irmãos”. E que uma amizade verdadeira e duradoura, sem romantismo algum, é uma escolha e uma experiência de cuidado mútuo, de cultivo.
Aquele garoto que conheci agora, como eu, caminha para outra etapa da vida. Nossa geração vive uma etapa significativa também, quando abertamente se fala em socorrer o Planeta.
Viemos da Caatinga. Nosso chão é o Sertão. A partir deste território a gente aprendeu a olhar o Infinito. E transpor essa experiência sagrada para o nosso cotidiano. O que sempre nos ajudou a enfrentar os dias difíceis.
Por isto eu penso, que as mãos de um amigo verdadeiro nos ajudam a cultivar uma primavera dentro de nós.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 26 de setembro de 2025.