O título da coluna de hoje foi tirado de uma requisição de exames que me saltou aos olhos. Numa sala superlotada. Em frente a uma recepcionista. Um lugar ruidoso. A jovem atendente me dizia: assine aqui. Cuidadosa, fui ler o documento antes de legitimar o pedido. Nele estava ali uma frase que me caiu como sentença. Estado de menopausa!
Demorei anos para saber o que era menarca. Tema tabu da época. Nenhuma pessoa me falou o que seria a primeira menstruação. Meu corpo, acreditem, foi me alfabetizando em ser mulher. Um ente de dupla face: individual e coletiva. Um corpo relacional.
Foi um total silêncio externo. E um soar de tambores internamente até caírem espontaneamente as primeiras gotas de sangue. Cercada de não ditos, o medo não se fazia presente naquele instante. Apenas uma emoção bem singela de que algo que não sabia nomear ao certo estava acontecendo e seria definitivo.
Hoje, será que alguma garota não saiba o que é a primeira menstruação? Pode acontecer. Pode acontecer também de muita gente não saber o que é pobreza menstrual, um problema que atinge milhares de mulheres no mundo, causado pela falta de acesso a produtos de higiene, saneamento básico e informação adequada e segura sobre menstruação.
Antes da “sentença” do exame, eu já sabia o que era perimenopausa e menopausa. Essa a própria indústria da mídia e estética vai estampando em nossa cara. Sistematicamente. Há um aspecto ótimo das informações que possibilitam uma base de compreensão do que se está vivendo. Existe ainda um nicho de mercado potente que chega para abocanhar as mulheres 50+.
Entrei na perimenopausa navegando num caos que foi a pandemia, sem os calores, mas perdendo sangue excessivamente, ferro, vitaminas.
As alterações de humor eram um espetáculo à parte. Se eu roteirizar tenho a intuição que vai dar muita comédia, seja para teatro ou cinema. Canceriana que sou foram muitos os espetáculos sem plateia.
O drama é que a gente passa por isto, geralmente, trabalhando muito. Enquanto você vive esse turbilhão não existe aquele cenário paradisíaco e você dentro dele. Não existe bosque em que a Kate Bush performa Wuthering Heights para você entrar e se espalhar bailando com os ventos.
No cotidiano as mulheres estão empilhadas de trabalho, responsabilidades e exigências de toda ordem. Para nossa sorte temos falado mais sobre isto, e a particularidade das experiências de transformação dos nossos corpos. Dizendo ainda para o mundo: nossos corpos nos pertencem! Será? Que nos pertença em sua integralidade.
Mulheres não deixem que lhes roubem a cena. Assumam mesmo o palco de suas vidas mesmo na perimenopausa ou menopausa. Sem medo, sem culpas. Performem toda excentricidade com a liberdade criativa como a que tem a artista Björk.
Fechemos bem nossos olhos, para poder abrir a vida para uma ética do cuidado, ou melhor dizendo, uma ética do autocuidado. É uma loucura a absolutização do trabalho em nosso corpo que, por vezes, é tratado como socialmente invisível.
Neste caminhar rumo à menopausa também percebo meu corpo encarnar os meus conflitos mais íntimos. Que nas noites meio que insones são agora cartografados.
Uma amiga vez por outra pergunta: você ainda menstrua? Eu sorrio, divertidamente e respondo: sim. E presto sempre muita atenção nas fases da lua e nas marés. Rituais que vão me acompanhar.
E sigo cantando: Eu gosto do gosto da coragem/ A melhor viagem é seguir a trilha que eu abri/ A melhor parte de mim eu acabei de descobrir/ E se perguntarem por mim, digam que estou ótima/ O que está havendo em mim, eu já nem sei dizer? / Será que a sorte foi/ Onde eu não posso ver? Eu tenho o céu de abril para desentristecer/ Serei o que sobrar de mim, sem nada a perder... E se perguntarem por mim, digam que estou ótima!!! (Banda do Mar)
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 5 de setembro de 2025.