A Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30) está na agenda do dia por aqui. Não só pelo fato de que o Brasil irá sediar um dos eventos mais estratégicos no que diz respeito à economia global nos últimos anos. Mas porque hoje, talvez, mais que nunca, por tanta exposição das catástrofes causadas pela ação humana, as sociedades tenham um pouco mais de clareza sobre a gravidade da situação.
Num contexto de grande fluxo de informações e desinformação sobre mudanças climáticas, em que chão pisar? Como separar joio do trigo diante de uma questão estratégica, que se manifesta muitas vezes num horizonte antropocêntrico que traz para o topo da visibilidade falsas soluções em detrimento da necessidade de superação de um modelo econômico predador?
São tempos difíceis, conturbados. Em que a difusão da violência na vida social e política tem passado pelo neoextrativismo, especialmente nos países do Sul Global.
Por outro lado, é importante tornar visível e fortalecer ações de enfrentamento à globalização neoliberal, que olha para o Planeta como um mercado, e é causadora de profunda erosão dos pactos sociais e fere a soberania nacional. Neste sentido o evento “CÚPULA DOS POVOS NA COP 30: II Seminário Nordeste Transição ou Tran$ação Energética? Conflitos, violações de direitos, clima e o poder digital”, que tem início hoje em Fortaleza, representa uma significativa articulação social no sentido de refletir e oferecer alternativas à complexidade dos problemas que atualmente enfrentamos.
A temática da transição energética está no centro, e não é por acaso. De acordo Francisco Vladmir (Jubileu Sul Brasil), e um dos organizadores do II Seminário, “dentre os temas e questões que o Comitê fortalece estão as relações entre questão ambiental, clima e energia, sobretudo frente à crescente ocupação dos territórios por megaempreendimentos de energia renovável como forma de enfrentar crises climáticas, e as contradições que vêm sendo apresentadas pelos territórios impactados”.
O Semiárido brasileiro é um dos territórios atingidos pelo atual modelo de expansão das energias renováveis no Brasil. Impactos sobre as formas de vida locais, danos à saúde, perda e riscos aos direitos ancestrais à terra, degradação ambiental, estão entre os problemas apontados pelas organizações que integram à Cúpula dos Povos do Nordeste, entre elas, o Movimento dos Atingidos pelas Energias Renováveis.
As organizações em suas cartas políticas e outros documentos, a exemplo do Relatório Salvaguardas Socioambientais para Energias Renováveis, esclarecem que não são contra a transição energética, todavia defendem a autonomia para conduzir os processos nos territórios onde as empresas offshore instalam usinas de aerogeradores e placas de energia fotovoltaicas. Defendem orientações para gestores públicos, populações locais e organizações sociais visando proteger o bioma Caatinga e os direitos das comunidades rurais e tradicionais afetadas pela instalação em larga escala de indústrias de energia.
Muitas vezes quem não está no lugar onde as usinas de aerogeradores e as placas são colocadas não têm ideia sequer dos problemas, inclusive de saúde, enfrentados pelas comunidades, como a síndrome da turbina, que, conforme pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz - uma das mais respeitadas instituições de saúde pública no Brasil - tem causado perda auditiva em moradores expostos aos ruídos das torres. Problemas como depressão, alergias e incômodo visual também foram relatados nesta pesquisa realizada no município pernambucano de Caetés.
Além disto, 70% das pessoas entrevistadas para a pesquisa manifestaram o desejo de deixarem suas moradias pelos problemas enfrentados. O que nos faz pensar sobre as pessoas deslocadas de seus territórios cujas realidades não são tão visibilizadas. E a necessidade urgente de inclusão das populações nos processos de decisão e projetos coletivos de energias renováveis para garantir entre outras coisas uma transição energética justa.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 22 de agosto de 2025.