Querida ministra Marina Silva, nós, mulheres e muitos homens, também ficamos estarrecidas(os) ao vermos, na última terça-feira (27), dois parlamentares esbravejando contra você, agindo sistematicamente e violentamente para lhe desestabilizar diante de uma audiência pública. Foi aviltante com você, ministra de Estado, mulher internacionalmente reconhecida por sua história íntegra, diferente das de muitos que estavam ali esbravejando, os algozes de quase sempre.
Não por acaso, Marina e mulheres queridas, um deles apelou para a clássica dicotomia esfera pública e privada, ao agir mais uma vez violentamente contra sua pessoa. Já não bastava dizer recentemente em outra ocasião: “Tolerar Marina seis horas e 10 minutos sem enforcá-la”. Quem enforcava mulheres negras eram os escravocratas, eram os membros da Ku Klux Klan, que queriam manter o racismo e que consideravam inimigos pessoas afrodescendentes, imigrantes, judeus, católicos.
Ver a forma vil, misógina com que te atacaram, organicamente, estrategicamente, foi mais uma vez perceber que a violência política de gênero é uma epidemia na sociedade brasileira. E que esse regime autoritário representado por quem te atacou odeia as mulheres, sejam elas as que ficam trabalhando em casa, nas igrejas, sejam as que estão trabalhando nas fábricas, no comércio, na gestão pública. Não nos enganemos. Nenhuma mulher brasileira estará a salvo se a política se construir com base na violência contra nós, mulheres do país, inclusive representando a maioria do eleitorado brasileiro.
Obrigada, ministra, por não se calar. E por também reagir, porque o silêncio não deve ser mesmo nunca uma resposta. Especialmente quando se representa um povo, uma nação, um projeto de vida que não se ancora num proselitismo político ordinário e fascista. É preciso, inclusive, dar nome aos bois, porque o fascismo é um regime autoritário que advoga a morte, expresso tão claramente nas palavras que afirmaram ter desejo de lhe enforcar.
Imagina se têm a ousadia de expressar o desejo de enforcar e querer silenciar uma ministra de Estado com uma trajetória honrada e reconhecida, imagine o resto do povo trabalhador e das mulheres trabalhadoras deste país, das mulheres negras, e aquelas que não representam um projeto machista, eugenista, totalitário.
As tentativas de silenciamento, de mandar calar a boca, todas nós, mulheres, conhecemos. Não é surpresa para nenhuma acima de 18 anos, porque certamente, em algum momento de nossas vidas, alguém já mandou nos calar. Ou claramente ficou falando gritando em cima de nós para abafar nossa voz, para desestabilizar nossas emoções e ridicularizar nossa fala, nosso pensamento, nossas ideias.
Você, ali, na Comissão, não estava sozinha: estávamos lá também, porque, ao tentar violentamente interrompê-la, eles tentavam também interromper e interditar nosso direito à existência pública, a exercer, quando da representatividade política, nossa autoridade, seja como ministra, mas também em tantas outras áreas de nossas vidas, seja como operárias, seja como doméstica, educadora, jornalista, artista, religiosa...
Não é de hoje que alguns homens querem insistentemente explicar coisas para nós, quer eles saibam ou não do que estão falando. Sempre uma estratégia para impedir que as mulheres falem, impedir que nós, mulheres, sejamos ouvidas. Infelizmente, sabemos o que a excelentíssima ministra Marina Silva passou, porque é isso que as mulheres enfrentam.
O assédio é uma expressão da violência política de gênero, a falta de decoro... Nenhuma de nós aceitará esse “convite” ao silêncio. Obrigada, Marina Silva, por dizer “não” a um jogo horrível de cena performado para lhe desestabilizar. Uma vergonha internacional para o parlamento brasileiro.
A pouca representação das mulheres na política, no parlamento, na vida pública, e as desigualdades fruto dessa assimetria maior resultam em sim mesmo numa grande violência política contra nós.
Por isso é incrível e relevante o posicionamento da ministra em não aceitar intimidações e exigir respeito. Mulheres, não nos intimidemos, lutemos cada uma no lugar que for possível. Ter o direito a fala é inalienável!!! Marina Silva, muito obrigada, nunca esqueceremos do seu gesto.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 30 de maio de 2025.