O Brasil foi tomado pelo terror. Não se iluda. Não é com o Rio de Janeiro (cidade maravilha, purgatório da beleza e do caos). É comigo, é com você. É horror, violento e grotesco. Não é só para “matar bandido”, porque “bandido bom é bandido morto”. Que poderio é este que se quer mostrar? Que mensagem é esta que se quer dar? A “guerra” é contra quem mesmo?
Mais de cem pessoas mortas. Você já se perguntou quem elas são? O que sabemos efetivamente delas para serem automaticamente sentenciadas à morte. Já pensou de, estando em seu bairro, comunidade, viver esse terror? Já parou para pensar nos policiais mortos e suas famílias? Por que será que este terror tem o mesmo cenário? É crônica de uma morte anunciada.
Não se iluda. Não me iludo. Não é apenas o Rio de Janeiro. Que tipo de carta programa é esta? Que economia é esta que atravessa a ideia de “segurança pública”? Quem está seguro numa sociedade baseada na autorização para matar e não na nas condições de poder viver em paz?
É com o povo preto. É o povo preto quem morre em sua maioria. Mas não pense você que é branco que num exercício político voltado às armas e não à promoção da paz que você vai estar a salvo, porque possui condições de ser armar e trazer armamento para dentro de casa.
Não é normal, nunca será, as cenas do horror que o mundo viu esta semana no Rio de Janeiro. Não feche os olhos, procure verdadeiramente compreender o que estamos vivendo. Porque é sobre o Brasil, não é sobre o Complexo do Alemão e da Penha.
O Brasil tem bandido? Tem. Mas não mora só na periferia. Uma parte significativa vive em mansões, em condomínios fechados. É só fazer checagem das matérias em que a polícia federal desmonta as quadrilhas. Por que num mundo pleno em aparato tecnológico de inteligência não se enfrenta os desafios de uma sociedade narcotizada sem arrastar a vida do povo preto, morador das periferias, em ações de extermínio?
Como disse emocionada a senadora Benedita da Silva, continuam matando porque o povo preto continua não valendo nada nesta sociedade. Sociedade racista. Por isto a gente viu morrer o Miguel, a Ághata, e tantas outras crianças por bala “perdida”.
A população negligenciada pelo poder público, sai para trabalhar diariamente. Acorda de madrugada para ir limpar a casa de seus patrões e patroas, cuidar dos seus filhos e filhas. Sai sem saber se volta. Se volta para casa não sabe se consegue entrar por causa das “leis” instituídas e por balas. Famílias que lutam para que seus filhos e filhas possam ter uma vida sem ser aliciada, explorada. Famílias que acreditam de alguma forma que a educação de seus filhos pode mudar a própria história.
De acordo com notícia do g1, “para o governador do RJ, Cláudio Castro (PL), a megaoperação foi ‘um sucesso’ ”. Para a vida de quem? Imagina se fosse seu filho estirado? Imagina se fosse sua filha ali vendo tudo? Imagina se fosse seu pai ou sua mãe?
É preciso acreditar que o Estado brasileiro possa sim resolver a equação da Segurança Pública. É preciso entender também que combate à criminalidade nesse país não se faz apenas com jargão de “combate às drogas”. O complexo industrial carcerário está não suporta mais tanta gente. Armar uma sociedade é direcionar a letalidade para toda a população e fazer a riqueza de uma indústria que influi hoje nas decisões políticas ao redor do mundo.
Não vamos nos iludir com a narrativa neoliberal de muitos veículos de comunicação. Totalmente indiferentes a vida cotidiana do povo que vive nas periferias. Que muitas vezes só vai atrás quando as pessoas são corpos estirados. A voz do povo negro tem entrado na mídia tradicional às custas de muita luta por representatividade. Sub-representada. As vezes enlatada ou servindo apenas como narrativa para propaganda.
E que a gente não engula um discurso ancorado num mundo de fantasia, tão bem configurado por edição sofisticada e Inteligência Artificial.
Paz. Por uma cultura de paz atravessando como bálsamo este país, cuja juventude gamificada parece entorpecida pela desconexão com a realidade.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 31 de outubro de 2025.